Biologia quântica pode mudar o que entendemos por “vida”

Existe a possibilidade de que nossa compreensão da biologia seja significativamente limitada

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Clarice D. Aiello 4 minutos de leitura

Imagine poder usar seu celular para controlar a atividade das suas próprias células no tratamento de lesões e doenças. Parece algo saído da imaginação de um escritor de ficção científica extremamente otimista. Mas isso pode um dia se tornar realidade graças ao crescente campo da biologia quântica.

Nas últimas décadas, cientistas fizeram progressos incríveis na compreensão e manipulação de sistemas biológicos em escalas cada vez menores, desde o enovelamento de proteínas até engenharia genética. No entanto, ainda sabemos muito pouco sobre a influência dos efeitos quânticos nos sistemas vivos.

Para seres humanos, que só conseguem perceber o que é visível a olho nu, a mecânica quântica pode parecer mágica.

Efeitos quânticos são fenômenos que ocorrem entre átomos e moléculas e não podem ser explicados pela física clássica. Há mais de um século, sabemos que as leis da mecânica, como as leis do movimento de Newton, não se aplicam em escalas atômicas. Objetos minúsculos se comportam de acordo com um conjunto diferente de leis, conhecidas como mecânica quântica.

Para nós, seres humanos, que só conseguimos perceber o que é visível a olho nu, a mecânica quântica pode parecer contraintuitiva e até mágica. Coisas inesperadas acontecem no mundo quântico, como elétrons atravessando pequenas barreiras de energia e surgindo do outro lado ilesos, ou estando em dois lugares ao mesmo tempo.

As pesquisas em mecânica quântica geralmente são voltadas para a tecnologia. No entanto, há cada vez mais evidências de que a natureza – uma exímia engenheira, com bilhões de anos de prática – aprendeu a utilizá-la para operar de forma otimizada.

Se isso for realmente verdade, significa que a nossa compreensão da biologia é bastante limitada. Também significa que poderíamos controlar processos fisiológicos utilizando as propriedades quânticas da matéria biológica.

BIOLOGIA EM NÍVEL QUÂNTICO

Pesquisadores conseguem manipular fenômenos quânticos para desenvolver tecnologias melhores. Já vivemos em um mundo impulsionado pela física quântica: desde canetas laser e GPS à imagem por ressonância magnética e transistores nos computadores – todas essas tecnologias dependem dos efeitos quânticos.

Em geral, esses efeitos só se manifestam em escalas muito pequenas de comprimento e de massa, ou quando a temperatura se aproxima do zero absoluto. Portanto, no sistema biológico, é de se esperar que a maioria desapareça rapidamente, devido ao calor e à umidade.

processos que ocorrem dentro de biomoléculas, como proteínas e material genético, são resultados de efeitos quânticos.

Para grande parte dos físicos, o fato de o mundo vivo operar em temperaturas elevadas e em ambientes complexos implica que a biologia pode ser descrita pela física clássica: sem atravessar barreiras estranhas, sem estar em vários lugares simultaneamente.

Químicos, no entanto, discordam disso há muito tempo. Pesquisas sobre reações químicas básicas em temperatura ambiente mostram de forma inequívoca que os processos que ocorrem dentro de biomoléculas, como proteínas e material genético, são resultados de efeitos quânticos.

É importante ressaltar que esses efeitos nanoscópicos e de curta duração estão em conformidade com a condução de alguns processos fisiológicos macroscópicos que os biólogos têm medido em células vivas.

Pesquisas sugerem que eles influenciam funções biológicas, incluindo a regulação da atividade enzimática, a detecção de campos magnéticos, o metabolismo celular e o transporte de elétrons em biomoléculas.

COMO SE ESTUDA BIOLOGIA QUÂNTICA

Para estudar os efeitos quânticos na biologia, é necessário utilizar ferramentas capazes de medir escalas de tempo curtas, pequenas escalas de comprimento e diferenças sutis nos estados quânticos que causam mudanças fisiológicas – tudo isso no ambiente úmido de um laboratório tradicional.

Pesquisas têm mostrado que muitos processos fisiológicos são influenciados por campos magnéticos fracos. Ao aplicá-los para alterar os spins dos elétrons, é possível controlar efetivamente os produtos finais de uma reação química, o que tem importantes consequências fisiológicas.

o ajuste das propriedades quânticas da natureza poderá permitir o desenvolvimento de dispositivos terapêuticos que serão acessados pelo celular.

No entanto, a falta de compreensão sobre como esses processos se dão em nanoescala impede os pesquisadores de determinarem exatamente a intensidade e a frequência dos campos magnéticos que desencadeiam reações químicas específicas nas células.

As tecnologias presentes em celulares, wearables (ou tecnologia vestível, como smartwatches) e miniaturização são suficientes para produzir campos magnéticos personalizados que podem alterar a fisiologia. O que falta é um “livro de códigos determinístico” que possa mapear de forma precisa as causas quânticas que geram consequências fisiológicas.

No futuro, o ajuste preciso das propriedades quânticas da natureza poderá permitir que pesquisadores desenvolvam dispositivos terapêuticos não invasivos, controlados remotamente e que podem ser acessados através do celular.

Tratamentos eletromagnéticos poderiam ser usados para prevenir e tratar doenças, como tumores cerebrais, bem como na biomanufatura, como aumentar a produção de carne cultivada em laboratório.

A existência da biologia quântica como disciplina implica que a compreensão tradicional dos processos vitais é limitada. Futuras pesquisas poderão proporcionar novas perspectivas para a eterna questão sobre o que é a vida, como ela pode ser controlada e como podemos aprender com a natureza para desenvolver tecnologias quânticas mais avançadas.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Clarice D. Aiello é professora assistente de engenharia elétrica e de computação e pesquisadora de biologia quântica na Universidade d... saiba mais