Geógrafo explica como satélites dão uma visão importante, mas parcial, da guerra na Ucrânia

Crédito: Fast Company Brasil

Jamos Van Den Hek 4 minutos de leitura

Um número sem precedentes de imagens de satélite de alta resolução (VHR) foram compiladas para documentar e comunicar ao público a brutalidade da invasão russa no país. As imagens são chocantes: prédios em chamas, pontes destruídas, valas comuns. Mas há muito mais por trás das imagens de satélite nesta (ou de qualquer outra) guerra.

É bastante importante compreendê-las como um retrato momentâneo que esclarece o que está acontecendo, mas, por outro lado, também distorce. As imagens de satélite melhoram nossa capacidade de mapear – em outras palavras, visualizar e medir - os danos causados pela guerra. Em uma região tão grande quanto a Ucrânia, esses danos são inevitavelmente dispersos. Por isso, satélites são usados para mapeá-los com muito mais eficiência e, sem dúvida, com mais segurança do que por meio de visitas ao local por, digamos, uma ONG.

Estes satélites também coletam uma gama mais ampla de informações do que é visível a olho nu, com tecnologias avançadas, como sensor de radar e infravermelho. Essa sensibilidade espectral a mais é extremamente útil para detectar danos em diferentes tipos de materiais e recursos nas mais complexas paisagens, como em zonas urbanas.

Por mais impressionantes que possam ser os detalhes que os VHR conseguem captar, há ainda muito mais informações nas imagens registradas: satélites como o WorldView-3, da Maxar, ou a constelação Dove, da Planet, coletam imagens sobre a guerra na Ucrânia praticamente todos os dias, ou, pelo menos, com a frequência que as nuvens permitem. O que significa que a invasão pode ser monitorada remotamente em um ritmo que acompanha o da própria guerra.

DESTRUIÇÃO  OCULTA

Mas satélites também têm pontos cegos. Detalhes da paisagem que são muito pequenos, sutis ou até mesmo mudanças rápidas o suficiente para cruzar o “limiar de detectabilidade” são deixados de fora. O dano precisa ser suficientemente grande para ser detectado, ou a ponto de caber em um pixel da imagem (para satélites com tecnologia VHR, isso significa ter pelo menos cinco metros). Danos a um quarteirão, por exemplo, precisam oferecer contraste com os arredores ou devem ser diferentes o suficiente de imagens anteriores para serem detectados.

A invasão pode ser monitorada remotamente em um ritmo que acompanha o da própria guerra.

Por outro lado, a ausência de danos detectáveis em uma imagem não indica que não há conflito ou violência, em parte porque algumas regiões da cidade ficam ocultas para os satélites. Eles operam com uma visão de cima para baixo, ou seja, danos generalizados em paredes ou fundações dos edifícios, por exemplo, podem permanecer ocultos nas imagens, mas serem bastante visíveis do solo.

No entanto, o uso de imagens de satélites VHR para mapear danos nas cidades cria um novo ponto cego. Priorizar as cidades certamente faz sentido, já que cerca de 70% da população da Ucrânia, antes da invasão, residia nelas, e os ataques russos se concentraram sobretudo em regiões povoadas. Mas, esse recorte tira a atenção dos impactos ambientais mais amplos, como a poluição da água e do ar, bem como a destruição de terras e infraestrutura agrícola necessárias para produção, transporte e armazenamento de alimentos. Isso causa sérias consequências para a segurança alimentar tanto regional quanto global e para a mitigação das mudanças climáticas.

ALVOS ESTRATÉGICOS

A maioria dos satélites VHR consegue mapear o país quase todos os dias, mas a questão temporal é muitas vezes deixada de lado nas imagens divulgadas para o público. Em vez disso, elas acabam sendo veiculadas independentemente uma da outra. Divulgar uma única imagem até oferece um registro visual de um momento e lugar específicos dentro da complexa cronologia de uma guerra, mas diz pouco sobre seu custo humano. Menos ainda sobre a intenção por trás do dano.

Uma imagem é um registro visual específico dentro da complexa cronologia de uma guerra, mas diz muito pouco sobre seu custo humano.

Como um prédio danificado vinha sendo usado durante a guerra? Estava ocupado, já havia sido abandonado antes do ataque ou estava servindo de abrigo temporário para aqueles que perderam suas casas? Essa falta de contexto impede uma explicação mais completa e detalhada, que gostaríamos de ter ao procurar informações sobre o conflito.

Para entender melhor e registrar os efeitos concretos desta guerra, precisaremos mais do que apenas dos satélites com tecnologia VHR. Uma linha do tempo completa das imagens capturadas pode servir para destacar danos graves e repetidos em focos de conflito. Esse tipo de abordagem multitemporal é bastante comum no monitoramento do desmatamento e de mudanças hidrológicas. Mas há menos aceitação em situações de guerra (com exceções), além de exigir um acesso mais amplo às imagens do que costuma estar disponível.

Uma visão mais abrangente dos efeitos dos conflitos, cobrindo tanto as cidades quanto regiões rurais e agrícolas produtivas, possibilitaria novas narrativas sobre as vulnerabilidades, bem como a resiliência das populações e paisagens em todo o país.

Isso traria benefícios em todos os próximos estágios desta e de qualquer outra guerra no futuro, onde quer que aconteça.


SOBRE O AUTOR

Jamon Van Den Hoek é professor associado de geografia e ciências geoespaciais na Oregon State University. saiba mais