IA generativa ganha seu primeiro papel principal em um filme de Hollywood

Tom Hanks e Robin Wright vão contracenar juntos de novo em “Here”, uma produção protagonizada pela IA da Metaphysic

Crédito: Instants/ imaginima/ iStock

Nicole Laporte 4 minutos de leitura

Quem já passou algum tempo no TikTok já deve ter se deparado com os vídeos assustadoramente realistas do @DeepTomCruise – em outras palavras, deepfakes do astro de “Missão: Impossível” fazendo de tudo, inclusive a dança da Wandinha.

Criado pelo mago da inteligência artificial Chris Umé e pelo ator Miles Fisher – que tem uma semelhança incrível com Tom Cruise, mesmo sem a ajuda da tecnologia –, o perfil se tornou viral assim que surgiu, há dois anos, acumulando centenas de milhões de visualizações.

Dada a sofisticação da tecnologia deepfake por trás dos vídeos de paródia, é natural imaginar: e se a Metaphysic, a empresa que criou esta versão mais jovem e animada do ator, fosse usada em um longa-metragem, fazendo com que o elenco parecesse muito mais novo (ou mais velho) de uma forma realmente convincente?

Ao que parece, não há mais motivos para especulação. “Here”, filme estrelado por Tom Hanks baseado na história em quadrinhos de Richard McGuire, promete atender ao nosso pedido. O longa se passa em uma única sala e conta a história das pessoas e dos eventos que ocorreram nela ao longo do tempo.

“Here” está sendo dirigido por Robert Zemeckis e produzido pela Miramax. Tom Hanks interpreta um personagem em diferentes estágios da vida – na casa dos 20, 30,50 e 80 anos –, assim como os outros atores, incluindo Robin Wright e Paul Bettany.

De acordo com o cofundador e CEO da Metaphysic, Tom Graham, a equipe de Zemeckis “nos telefonou um dia e sugeriu que trabalhássemos juntos”. Eles tinham visto os vídeos de Tom Cruise, bem como o trabalho que a Metaphysic havia feito para o show "America’s Got Talent", no qual colocaram um rejuvenescido Simon Cowell para cantar competindo com ninguém menos que Elvis Presley. Os produtores queriam saber se era possível usar a mesma tecnologia no filme.

EM TEMPO REAL

Esta é a primeira vez que a IA desempenha um papel tão central em uma produção de Hollywood, definindo toda a estética do filme – embora os espectadores dificilmente percebam.

O principal, segundo Graham, foi “encontrar uma maneira de usar a tecnologia para preservar a atuação de Tom Hanks, enquanto a sobrepomos com uma versão do ator com 20 anos".

Segundo ele, quando se faz isso usando 3D ou CGI – como em “O Curioso Caso de Benjamin Button” e “Projeto Gemini” –, a atuação meio que se perde, na maioria das vezes, ou parece estranha. "Precisávamos resolver esses problemas.”

Além disso, efeitos visuais mais sofisticados são extremamente caros. De acordo com Graham, usar inteligência artificial em um filme reduz os custos de pós-produção em 20%.

Will Smith enfrente sua versão mais jovem em "Projeto Gemini" (Crédito: Paramount Pictures/ Divulgação)

Em termos básicos, a Metaphysic constrói modelos de IA não apenas para cada um dos atores, mas também para cada uma das idades específicas em cada cena. Eles são então “treinados” por meio de gigantescos conjuntos de dados da filmografia de cada ator.

No caso da versão mais jovem de Tom Hanks, o modelo de IA entende sua aparência e como ele poderia agir em determinadas circunstâncias. Ao final da filmagem da cena, o modelo é capaz de criar uma versão mais jovem do rosto e de outras partes do corpo do ator, que são colocadas em camadas no filme.

“Ele sobrepõe a versão mais jovem na cena a partir da expressão usada naquela tomada específica. E faz isso repetidamente. A IA é tão sofisticada que cria uma imagem impecável, como se estivéssemos olhando para um viajante do tempo”, explica Graham.

Mas o mais incrível é que este processo acontece em tempo real. A Metaphysic desenvolveu sua tecnologia para que, mesmo durante as filmagens, o processo de rejuvenescimento (ou envelhecimento) pudesse ser criado, para que o diretor e os atores pudessem assistir à performance na tela entre as tomadas.

PREOCUPAÇÃO COM A SEGURANÇA

Graham diz que Hollywood é uma parte “fascinante” dos futuros negócios da Metaphysic. A empresa também tem uma parceria com a agência de talentos CAA para desenvolver ferramentas e ajudar seus clientes a “manter e controlar melhor os conjuntos de dados sobre seus rostos e suas performances digitais”.

Mas ele e sua equipe também estão focados em levar a IA para não-celebridades e acabar com a reputação negativa da tecnologia deepfake, que é frequentemente associada a projetos maliciosos, como pornografia e desinformação.

“Esta tecnologia tem um tremendo potencial de prejudicar pessoas individualmente e gerar resultados negativos para a sociedade como um todo”, admite Graham. “Então [decidimos que] devemos trabalhar com governos e reguladores para ajudar a estabelecer paradigmas legais para proteger as pessoas e oferecer soluções”.

A Metaphysic também quer educar o público por meio da criação de conteúdo. Segundo seu CEO, essa é a coisa mais urgente. “Vamos trabalhar com a indústria e outros tecnólogos para encontrar maneiras de desenvolver essa tecnologia sobre uma estrutura responsável”, acrescenta.

A Metaphysic já está fazendo isso por meio da Every Anyone, plataforma que permite que as pessoas criem seus próprios avatares ou identidades de IA e detenham a propriedade intelectual.

Tom Cruise, no entanto, continua sendo seu principal projeto. “Foi realmente um ponto de virada para a IA”, afirma Graham. “Foi o primeiro experimento em larga escala no qual literalmente centenas de milhões de pessoas olharam para um conteúdo de inteligência artificial e pensaram: Uau, isso é real.”


SOBRE A AUTORA

Nicole LaPorte é uma colunista senior da Fast Company baseada em L.A. que escreve sobre a intersecção entre tecnologia e entreteniment... saiba mais