Multa bilionária à Meta indica que internet começa a deixar de ser terra sem lei

Ações disciplinares impostas pela União Europeia estão levando empresas como a Meta a pensar em como atender a níveis mais rigorosos de regulamentação

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Chris Stokel-Walker 3 minutos de leitura

A União Europeia, um mercado de 400 milhões de consumidores distribuídos por 26 países, se tornou a maior fiscalizadora do setor tecnológico do mundo, como evidenciado pela recente multa imposta à Meta.

Na segunda-feira (22 de maio), a Autoridade Irlandesa de Proteção de Dados (IE DPA), apoiada pelo Conselho Europeu de Proteção de Dados (EDPB), impôs a maior multa já registrada contra uma empresa de tecnologia: € 1,2 bilhão (o equivalente a R$ 6,4 bilhões) à Meta por transferir dados de usuários europeus para os EUA utilizando cláusulas contratuais padrão, que os reguladores consideraram insuficientes para proteger os direitos de seus cidadãos.

a multa imposta foi motivada, em parte, pela falta de uma lei federal de proteção de dados nos EUA semelhante ao GDPR.

“O Facebook tem milhões de usuários na Europa, então o volume de dados pessoais transferidos é enorme”, afirmou Andrea Jelinek, presidente do EDPB, em comunicado. “A multa sem precedentes é um forte sinal para as organizações de que infrações graves têm consequências de longo alcance.”

A decisão pode ter consequências mais amplas. Com frequência, ações disciplinares impostas por burocratas europeus levam as empresas a considerarem novas abordagens globais para atender a níveis mais rigorosos de regulamentação. Apenas nos últimos meses, a UE elaborou o Ato de Inteligência Artificial Europeu e ameaçou tomar medidas antitruste contra várias empresas.

GDPR INSPIRA LEIS LOCAIS

No caso da Meta, a gigante da tecnologia violou o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) da UE, um conjunto de leis de privacidade de dados aprovado no final da década de 2010 e projetado para garantir o direito à privacidade dos cidadãos europeus.

A multa sem precedentes é um forte sinal para as organizações de que infrações graves têm consequências de longo alcance.

Muitos países seguiram o exemplo com suas próprias leis de proteção, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LPGD), do Brasil, e a Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia (CCPA). Talvez essa posição de liderança tenha encorajado a UE a aplicar a multa bilionária.

“A União Europeia tem trabalhado na proteção da privacidade há décadas. Dada a determinação de seu tribunal superior e da Comissão Europeia, esse esforço finalmente está dando frutos”, afirma Ian Brown, professor visitante da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Segundo Brown, a multa imposta foi motivada, em parte, pela falta de uma lei federal de proteção de dados nos EUA semelhante ao GDPR. “Os Estados Unidos são agora uma exceção por não possuírem uma lei abrangente em âmbito nacional, além da prevalência de seus esforços de vigilância no mundo democrático. Isso continuará causando problemas para as organizações norte-americanas”, observa ele.

REGULAÇÃO É VISTA COMO NECESSÁRIA

Anupam Chander, professor de direito na Universidade de Georgetown, alerta que as medidas agressivas da UE contra empresas de tecnologia podem penalizar injustamente as organizações norte-americanas, ao mesmo tempo em que negligenciam as falhas das empresas europeias.

Pesquisas indicam que os cidadãos norte-americanos têm uma visão negativa das empresas de tecnologia.

Ele destaca que é mais fácil para os reguladores europeus fiscalizarem companhias estrangeiras, principalmente porque a UE é uma união econômica que busca promover suas próprias empresas. “Às vezes, é necessário regulamentar as empresas de tecnologia e o espaço digital, mas há casos em que existe um interesse próprio maior em impulsionar esses esforços do que é declarado publicamente”, destaca.

Chander aponta ainda que, embora a UE pudesse ter condenado diversos países europeus que transferem dados para os EUA, os reguladores escolheram a Meta por uma razão específica. “O Facebook acaba sendo um alvo conveniente para a aplicação das normas de transferência de dados europeias. É uma grande empresa norte-americana com poucas pessoas que simpatizam com sua situação.”

As consequências para os usuários em todo o mundo são enormes. É provável que vejamos mais medidas protetivas sendo impostas para garantir que os dados não sejam mal utilizados – embora, como os próprios europeus já podem confirmar, isso pode gerar atrito quando se trata de atividades básicas online, como navegar na internet.

No entanto, uma regulamentação mais rígida após anos de políticas relativamente permissivas pode ser algo positivo. Pesquisas indicam que os cidadãos norte-americanos têm uma visão negativa das empresas de tecnologia e a necessidade de uma regulamentação mais abrangente é um dos poucos tópicos que une todos os espectros políticos.


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais