O reverso do pitch

Quando compreendemos melhor uma ideia, suas potencialidades e limites, temos mais possibilidades de desenvolver inovação

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Gustavo Borba e Melissa Lesnovski 4 minutos de leitura

Iniciamos 2024 conversando sobre um termo interessante: pitch reverso. O Gustavo passeava por páginas de uma revista na internet quando apareceu esse novo verbete do mundo dos negócios. Ficou intrigado.

O tradicional “pitch" é um momento importante para startups que procuram por investidores, quando buscam – de maneira concisa e direta – mostrar o valor de sua ideia. A ideia e a startup são a mesma massa embrionária e portadora de futuro a partir de seu potencial transformador. 

Ficamos pensando, o que seria um pitch reverso? Há mais de uma definição para o termo: desde empresas investidoras que sobem ao palco para tornarem-se conhecidas pelas startups até um evento onde empresas consolidadas apresentam suas demandas, dores e necessidades, para que startups possam pensar em soluções.

De fácil compreensão, essa última definição para o termo embala um processo antigo em nova roupagem. Trata-se de mais uma adaptação de conceito que a área de negócios nos oferece para mapear mais oportunidades, para as mesmas empresas. 

Se considerarmos o conceito original de startup, o pitch reverso não nos parece fazer sentido. Essas organizações nascem a partir de uma (boa) ideia, com potencial de escala e de transformação de mercados e realidades.

O empreendedor é o principal elemento nesse processo, a força motriz que leva adiante a emergência e nutre uma ideia buscando captar recursos para seu crescimento. Assim, não faz nenhum sentido chamar startups – que, em teoria, são centradas em sua ideia geradora – para pensar soluções para outras empresas.

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Isso não significa que a mecânica do pitch reverso seja ruim, apenas que ela já existe há algum tempo e tem outro nome: inovação aberta. É assim que chamamos os processos onde empresas apresentam desafios de espectro amplo e abrem-se à contemplação de proposições por empresas candidatas à parceria.

E é aí que os dois chatos aqui levantam o cartão amarelo.

o próprio conceito de startup, hoje, fica devendo bastante à ideia original.

Chamar uma empresa de startup não é uma escolha estilística, e sim um compromisso com um formato de empresa impermanente, leve, voltada a validar e evoluir um conceito de produto-negócio escalável.

Quando uma startup explode e ganha volume e estabilidade, ela não é mais uma startup. A mudança de denominação revela uma mudança de rede organizacional, de processos decisórios, de estruturas de pessoas. É um animal diferente. 

Uma empresa que desenvolve projetos sob medida para outras empresas provavelmente não é uma startup. E tudo bem, isso não a torna menor ou menos inovadora.

NOVOS CAMINHOS

Contudo, uma startup pode nascer a partir de um desafio de uma outra organização. Está aí o formato hackathon para ilustrar uma dessas situações. Nesse caso, a startup nascente constrói sua proposta a partir de um desafio amplo, o que é diferente de tornar-se fornecedora de projetos.

Argumentar pela denominação correta pode parecer preciosismo, mas classificar redes pelos nomes adequados nos ajuda a compreender limites e possibilidades de cada organização.

não faz sentido chamar startups – que são centradas em sua ideia geradora – para pensar soluções para outras empresas.

Não é de hoje que o mundo dos negócios teima em ressignificar conceitos para vender o mesmo assunto em roupagens diferentes. Há todo um ecossistema de empresas, publicações e eventos que giram em torno da promessa de oferecer a última novidade para empreendedores ansiosos por um milagre.

Embora tudo venha envolto na estética das startups, o fato é que o próprio conceito de startup, hoje, fica devendo bastante à ideia original. Parece que tudo é startup, e parece que uma startup dura para sempre, um engano que vai muito além do uso controverso do termo.

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Essa deturpação nos termos nos afasta do discernimento. Os ecossistemas de inovação são construídos a partir de inúmeras decisões, alicerçadas em análises de dados e interpretação de cenários.

Quando os termos não carregam um rigor razoável, nos deixamos levar não pelo que os dados nos pedem, mas pelo que parecerá mais atraente no título de nossa palestra. E há um nome para isso: innovation theater.

Ficamos os dois aqui pensando. Sabemos que a novidade vende, e que desbravar formatos diferentes é parte da

Uma empresa que desenvolve projetos sob medida para outras empresas provavelmente não é uma startup.

mecânica da inovação. Não seria bom utilizar todo esse potencial criativo, que ressignifica conceitos e desenvolve possibilidades, para apoiar, por exemplo, comunidades, ou mesmo organizações sociais?

Por que não usamos a lógica do pitch reverso para conversar com comunidades e desenvolver novos caminhos onde são mais necessários?

Nossa intenção não é, de forma alguma, simplesmente criticar um conceito. Queremos, ao contrário, reforçar conceitos: quando compreendemos melhor uma ideia, suas potencialidades e limites, temos mais possibilidades de desenvolver inovação.

Esse é nosso compromisso, e por isso desejamos que as organizações, todas elas, encontrem caminhos criativos e criem valor. Especialmente se for um valor consciente, coletivo e transformador, ampliando as possibilidades e os resultados para todos.


SOBRE O AUTOR

Gustavo Borba é professor do curso de design e Melissa Lesnovski, coordenadora da especialização em design estratégico na Universidade... saiba mais