Quem criou o botão de like e como ele transformou a internet e a mídia global

Os bastidores de como o Facebook projetou o botão “curtir” e transformou a mídia social em uma disputa por popularidade

Crédito: Istock

Will Oremus 12 minutos de leitura

Era o verão de 2007. O Facebook completava três anos e estava crescendo em ritmo vertiginoso. Idealizada originalmente para estudantes universitários, a rede social tinha sido aberta ao público há poucos meses. Naquele momento, já somava 30 milhões de usuários. Mas o que o Facebook ainda não oferecia era uma maneira mais simples para as pessoas demonstrarem interesse nas postagens umas das outras. Até então, a única maneira de interagir com um post era comentá-lo.

Leah Pearlman, uma das três gerentes de produto do Facebook na época, achou que isso era pouco. Postagens populares geralmente recebiam longas sequências de comentários, muitos deles com apenas uma ou duas palavras, mas não havia nenhuma maneira de separar as interações mais interessantes em meio a um mar de ruído. Esse problema entrava em conflito com o design limpo e a funcionalidade direta do Facebook.

Por isso, Pearlman e alguns outros usuários decidiram criar alguma forma mais universal e intuitiva de expressar aprovação na rede social. Eles batizaram o projeto de “Props” (algo como “melhoria”).

O que acabaram desenvolvendo, com a ajuda de uma série de outros designers e engenheiros, foi um botão que se tornaria um símbolo icônico do Facebook, remodelaria a internet, reconfiguraria a rede social e mudaria o curso da política mundial.

Crédito: Jackson Sophat/ Jeff Hardi/ Unsplash

Hoje em dia, seus criadores admitem que se soubessem que o botão “curtir” faria tudo isso, teriam olhado para ele de maneira bem diferente. Afinal, as mesmas virtudes que o tornaram uma solução tão elegante de interface de usuário – a simplicidade, a facilidade de uso, a universalidade, a conveniência como uma métrica de valor – acabaram se tornando seus maiores vícios quando aplicadas em grande escala social por uma plataforma online globalmente dominante.

A pergunta que todos se fazem é: como os criadores do botão de curtir do Facebook não conseguiram antecipar essas consequências de longo prazo? Mas, por trás disso, há outra pergunta mais interessante e mais assombrosa: será que eles teriam ou poderiam ter feito algo diferente, mesmo se soubessem?

Talvez a criação de um jeito fácil para os usuários expressarem sua aprovação no Facebook tenha sido um desfecho inevitável. Em 2007, um monte de plataformas menores já havia lançado botões de aprovação de vários tipos. Mas o formato final que a tal “melhoria” do Facebook deveria ter e como ela deveria funcionar se mostraram controversos.

As mesmas virtudes que tornaram o botão uma solução tão elegante de interface de usuário acabaram se tornando seus maiores vícios quando aplicadas em grande escala social.

Pearlman adicionou o botão “awesome” (incrível) – como o grupo o havia apelidado na época – ao painel de ideias interno do Facebook. Sua ideia obteve votos suficientes para estimular uma “hackathon” – uma maratona de programação que durou toda a noite e durante a qual engenheiros e designers juntaram seus protótipos de codificações para o novo recurso em potencial.

O botão provocou entusiasmo em toda a empresa. A equipe de publicidade achou que ele poderia ser usado para mostrar às pessoas anúncios melhores. A equipe da plataforma achou que ele poderia ser usado para filtrar aplicativos ruins. A equipe do feed de notícias considerou que ele poderia ajudar a decidir quais postagens mostrar nos feeds das pessoas.

A aplicabilidade aparentemente universal do botão significava que ele seria versátil e apropriado em todos os tipos de contextos. Por isso, decisões de design aparentemente triviais ganharam um peso enorme. Será que “incrível” era o nome ideal? Será que deveria haver também um botão com o sentido oposto, como um sinal de menos ou um polegar para baixo? O botão deveria ou não incluir um contador?

Sede do Facebook em Menlo Park, Califórnia (Crédito: Divulgação)

Após alguns atrasos, em novembro de 2007 a equipe apresentou o novo botão a Mark Zuckerberg, para sua aprovação final. Mas o CEO os surpreendeu ao rejeitá-lo. De acordo com o gerente de engenharia Andrew Bosworth, Zuckerberg identificou possíveis conflitos com os padrões de privacidade do Facebook, com uma futura plataforma de anúncios e com o botão de compartilhamento no qual outra equipe estava trabalhando. Ele também discordou do nome, preferindo a expressão “curtir” ao adjetivo “incrível”.

Algumas pessoas de dentro do Facebook também levantaram uma preocupação que se provaria premonitória: temiam que o feedback direcional de baixo esforço, na forma de um botão “curtir” ou “incrível”, “eliminaria o engajamento mais elaborado, porque as pessoas são preguiçosas e acabam escolhendo o caminho mais fácil” se lhes for dada essa opção, disse Ezra Callahan, então gerente de comunicações internas.

Nunca ficou claro se alguém no Facebook naquela época trabalhava com a suposição de que aquelas decisões de design de produto teriam implicações históricas mundiais. Parece que eles estavam focados diretamente na construção de um produto melhor e mais atraente do que o MySpace, e a questão crucial era se a substituição de comentários por cliques ajudaria ou inibiria essa corrida.

A suposição implícita, de acordo com Pearlman, era que tudo o que era bom para os usuários do Facebook era bom para os negócios do Facebook e provavelmente seria bom também para o mundo. Esse conjunto de suposições – de que as startups de tecnologia eram “forças do bem” e de que seu sucesso nos negócios coincidiria naturalmente com a melhoria do mundo – era comum no Vale do Silício daquela época.

Mas essa confiança otimista gerou complacência moral. Quando alguém presume que as suas boas intenções necessariamente vão trazer bons resultados – desde que os rivais sejam derrotados – não apenas crescem as chances de que um desastre aconteça, como também se impede que as boas ideias contrárias tenham sucesso. 

Mark Zuckerberg preferiu chamar o botão de like (curtir). Crédito: Divulgação

Por um tempo, parecia que a inércia poderia derrotar a iniciativa de “melhorias” do Facebook. O que fez o botão de curtir vingar foi, no melhor estilo do Vale do Silício, o apelo por dados. Em um teste, os analistas de dados descobriram que postagens populares que tinham o botão geravam mais interações do que aquelas sem ele.

Bosworth sugeriu que isso pode ter ocorrido, pelo menos em parte, porque as curtidas em uma postagem se tornaram um sinal para o algoritmo do feed de notícias mostrá-la para mais pessoas. Essa descoberta acabou sendo decisiva. Em fevereiro de 2009, a versão final do botão “curtir” foi aprovada.

Em 9 de fevereiro de 2009, Pearlman anunciou o lançamento do botão “curtir” com uma nota do Facebook intitulada “I like this!” (“Curti!”). O texto incentivava os usuários a instalá-lo voluntariamente, e eles obedeceram. Foi um sucesso instantâneo e o Facebook logo encontrou maneiras de inseri-lo não apenas na plataforma, mas também na internet como um todo.

No ano seguinte, todo mundo podia curtir os comentários das pessoas, bem como suas postagens. O botão “curtir” também se tornou a maneira padrão de seguir veículos de imprensa e marcas no Facebook – e quando você o fazia, o Facebook usava sua curtida para sugerir essas mesmas páginas para seus amigos.

O botão foi um sucesso instantâneo e o Facebook logo encontrou maneiras de inseri-lo não apenas na plataforma, mas na internet como um todo.

Em abril de 2010, o Facebook lançou um conjunto de “plug-ins sociais” – incluindo o botão like – que permitia às pessoas “curtir” páginas fora da própria rede social. Esses plug-ins se tornaram dispositivos de rastreamento de anúncios, informando toda vez que um usuário conectado visitava um site que exibia um botão de curtir, para que o Facebook pudesse usar essas informações para direcionar anúncios.

O botão rapidamente se tornou muito maior do que seus criadores imaginavam. As curtidas se tornaram expressões de gosto e de identidade. Elas se tornaram a força motriz de um algoritmo cada vez mais potente e complexo de classificação do feed de notícias: quanto mais curtidas uma postagem recebesse, para mais pessoas o Facebook a mostraria.

O engajamento medido por curtidas se tornou um trunfo para marcas e anunciantes. E se tornou uma rica fonte de dados para o próprio Facebook, informando à empresa sobre as preferências e hábitos de navegação de cada usuário.

Crédito: Freepik

De forma talvez ainda mais transformadora, as curtidas se tornaram um poderoso incentivo para os usuários da rede social. Afinal, o número de curtidas em cada postagem tornou-se uma medida explícita da popularidade do usuário, e uma medida implícita de seu valor. Os usuários aprenderam quais tipos de postagens receberiam mais curtidas e começaram a criar mais conteúdo desse tipo, enquanto passaram a evitar postagens que receberiam poucos likes.

Esses usuários incluíam não apenas indivíduos comuns, mas figuras públicas, marcas e empresas de mídia. Logo, o algoritmo do feed de notícias do Facebook se tornou o distribuidor de informações mais influente em muitas comunidades e começou a ser imitado por uma série de outras redes, do Instagram ao Twitter e ao TikTok. Finalmente, as curtidas estavam por toda parte.

Em termos de impacto absoluto, o botão “curtir” foi um dos códigos mais bem-sucedidos já lançados. Mas quando se examina a qualidade desse impacto, seus problemas se tornam evidentes.

O número de curtidas em cada postagem tornou-se uma medida explícita da popularidade do usuário, e uma medida implícita de seu valor.

Ao construir um recurso cuja função principal era simplificar os termos de interação com o conteúdo online, o Facebook percebeu que corria o risco de vulgarizar o engajamento. O que não previu foi como isso poderia levar a uma vulgarização do próprio conteúdo.

As postagens que prosperaram exclusivamente no feed do Facebook, alimentadas por curtidas rápidas, foram justamente aquelas que ofereciam soluções simples para problemas complexos, que ofereciam bodes expiatórios, que se aproveitavam dos preconceitos das pessoas e manipulavam suas emoções. As postagens que abordavam os mesmos problemas com nuances, com ambivalência, murcharam. 

Se deixar de gerar curtidas significasse apenas perder a corrida pela popularidade no Facebook, as curtidas seriam até toleráveis. Mas o papel de destaque que a empresa deu às curtidas no algoritmo do feed de notícias significava que ninguém poderia mais se dar ao luxo de não participar dessa competição por popularidade.

Se as postagens de alguém não gerassem curtidas, elas seriam ocultadas dos feeds das pessoas – até mesmo dos de seus próprios seguidores – e substituídas por postagens de outras pessoas que estavam muito mais dispostas a jogar o jogo da manipulação.

Crédito: Vecteezy

As empresas de mídia precisaram demitir jornalistas ou até fechar as portas, porque não tinham como competir no ambiente do Facebook. A rede social provavelmente desempenhou um papel no fim de jornais locais em todo o mundo, na ascensão e queda de sites manipuladores de clickbait por toda a web e na virada da mídia para um discurso mais manipulador e indulgente.

Esse discurso, por sua vez, provavelmente desempenhou um papel em facilitar a ascensão de políticos populistas, especialistas em explorar preconceitos e em apelar para os medos e instintos básicos dos seres humanos Suas mensagens, assim como o botão de curtir, funcionam melhor quando as pessoas não pensam muito.

Agora, o Facebook e outras redes sociais estão testando a remoção dos contadores de curtidas ou tentando ocultá-los do público. Ainda não ficou claro se isso ajudará a reverter algum dano. Pearlman, por exemplo, acredita que o verdadeiro erro foram as tentativas de amenizar os efeitos, e que o botão sozinho teria sido mais benigno.

Mas isso significa que ela e os demais criadores das “curtidas” se arrependem de tê-las desenvolvido? Não exatamente. Parece que muitos deles passaram a acreditar – ou, pelo menos, tentam se convencer disso – que o surgimento de um botão como esse era mais ou menos inevitável.

Em termos de impacto absoluto, o botão “curtir” foi um dos códigos mais bem-sucedidos já lançados.

Pearlman acha que os seus efeitos nocivos refletem a natureza humana. “Acredito que precisávamos ir até o fim para ver onde daria e, depois, escolher outra coisa”.

Callahan fez coro a Pealmen, sugerindo que, se o Facebook não tivesse popularizado o botão curtir, outra rede teria feito o mesmo. Ao mesmo tempo, porém, ele reconheceu que essa é uma desculpa fácil.

Ainda assim, há algum fundo de verdade nesse argumento. O Facebook não era a única empresa a desenvolver ferramentas sociais com o único objetivo de conectar o máximo de usuários possível e mantê-los engajados.

Digamos que uma companhia qualquer, em 2007, estivesse montando redes sociais com base na ideia de que alguma fricção seria necessária, que nuance era prioridade, que apoiar o discurso democrático era parte de seu papel, ou que fazer isso exigiria que se evitassem funcionalidades que facilitariam o crescimento rápido ou que tornariam aquilo algo viciante.

Provavelmente, essa empresa teria sido superada pelos concorrentes em pouco tempo, ainda mais em uma indústria onde escala e efeito de rede são críticos para se conseguir financiamento, receita publicitária e, em última instância, para garantir a sobrevivência. Essa empresa, na certa, não seria a rede social predominante hoje. E os engenheiros que desenharam suas principais funcionalidades tantos anos atrás – sem imaginar que seu trabalho teria implicações históricas e globais – estariam certos, afinal.

Extraído do livro You Are Not Expected to Understand This: How 26 Lines of Code Changed the World (Ninguém Espera que Você Entenda: Como 26 Linhas de Código Mudaram o Mundo), com permissão da Princeton University Press.


SOBRE O AUTOR

Will Oremus é repórter do The Washington Post. saiba mais