Show de Taylor Swift serve para nos lembrar que rede social não é vida real

Talvez seja hora de deixar a internet de lado para compreender a realidade

Créditos: Taylor Hill/ TAS23/ Getty Images para TAS Rights Management

Aarushi Bhandari 4 minutos de leitura

Semanas antes de eu ter a chance de ir ao show da nova turnê da Taylor Swift, a “The Eras Tour” (que vem para o Brasil em novembro), todo o burburinho online em torno da cantora já estava começando a ficar cansativo demais.

Rumores sobre o namoro da artista com Matty Healy, vocalista da banda de pop-rock inglesa The 1975, tomaram conta da internet. Alguns swifties – termo usado para se referir aos fãs de Taylor Swift – criticaram a estrela pop por seu relacionamento com Healy, que havia se envolvido em uma polêmica ao participar de um podcast cujos apresentadores fizeram comentários racistas sobre a rapper Ice Spice.

No dia do show, o estádio estava abarrotado de pessoas, mas os swifties presentes estavam longe de parecer irritados. Naquele momento, todos nos conectamos graças ao nosso amor pela música. Essa conexão é um fenômeno que o sociólogo Émile Durkheim descreve como “efervescência coletiva” – um surto geral de sentimentos que ocorre quando grandes grupos de pessoas se unem com um propósito em comum.

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Mas a “The Eras Tour” não foi minha primeira experiência de efervescência coletiva. Também não foi a primeira vez que senti um forte descompasso entre os mundos online e off-line.

Pouco antes do início da pandemia, trabalhei como voluntária na campanha de Bernie Sanders para a presidência dos Estados Unidos. Tive a incrível experiência de me conectar com outras pessoas que compartilhavam o desejo de vê-lo assumir o cargo.

Porém, as notícias frequentes sobre comportamentos tóxicos de seus eleitores começaram a fazer com que o movimento perdesse força. A grande mídia repetidamente afirmava que a base de Sanders era composta por homens brancos que praticavam cyberbullying. Tuítes negativos foram amplamente compartilhados e divulgados, e as palavras e ações de alguns apoiadores passaram a ser retratadas como representativas de todo o movimento.

A discrepância entre o que estava sendo dito online e minhas próprias experiências foi chocante. Análises pós-eleição comprovaram que o estereótipo dos apoiadores de Bernie foi inteiramente construído; não havia evidências de que sua base fosse predominantemente de homens brancos. O movimento era composto por uma coalizão diversificada de pessoas de diferentes raças e gêneros marginalizados.

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UMA MINORIA BARULHENTA DEFINE A PAUTA

Narrativas online distorcem a vida real com mais frequência do que costumamos imaginar. Pesquisas mostram que uma pequena parcela das pessoas que possuem contas em redes sociais é responsável pela maior parte do conteúdo postado.

Isso é conhecido como “regra dos 90-9-1”: 90% dos usuários apenas observam ou leem o que é publicado, 9% respondem ou compartilham – ocasionalmente adicionando informações ou opiniões – e apenas 1% cria novos conteúdos regularmente.

Essa é uma das muitas teorias que descrevem os índices de participação de usuários nas redes. É comum encontrar variações dessa regra.

O Reddit, por exemplo, tem mais de um bilhão de usuários ativos mensais, mas, de acordo com um artigo de 2017, a esmagadora maioria apenas lê o que é postado. O X, plataforma anteriormente conhecida como Twitter, tinha cerca de 350 milhões de usuários até 2023. No entanto, uma pesquisa de 2019 descobriu que 75% eram espectadores.

há poucas evidências que sustentem a ideia de que conversas online refletem experiências reais.

Em outras palavras, a maior parte das discussões que acontecem em sites como Reddit e Twitter provém de uma pequena parcela de usuários cujas postagens são então selecionadas e impulsionadas por algoritmos. No entanto, ao longo da última década, os meios de comunicação têm cada vez mais construído narrativas sobre a realidade com base no que ocorre nessas plataformas.

É claro que comportamentos tóxicos estão presentes em todas as comunidades online. Mas eles representam uma minoria dos usuários dentro da já limitada quantidade de pessoas que publicam conteúdos.

Narrativas midiáticas que enquadram certos grupos como tóxicos com base no comportamento nas redes – sejam eles fãs de artistas ou apoiadores de políticos – caem na armadilha de confundir a internet com a vida real.

Crédito: Natasha Moustache/ TAS23/ Getty Images para TAS Rights Management

No período em que Taylor Swift estava namorando Healy, alguns swifties entraram em um embate com defensores do artista. Quando o casal de celebridades terminou o relacionamento, a atenção coletiva foi desviada quase que imediatamente para outro assunto.

Semanas de debates, ataques e preocupações acabaram sendo completamente irrelevantes – exceto para as empresas de mídia social que converteram essa breve obsessão em cliques, engajamento e receita publicitária. A economia da atenção maximiza o lucro por meio de algoritmos projetados para estimular o engajamento, principalmente ao promover o ódio e a indignação.

Talvez seja hora de deixar as redes sociais e a internet de lado para realmente compreender a realidade. Ela existe fora dos nossos dispositivos. E há poucas evidências que sustentem a ideia de que conversas online refletem experiências reais.

Eu entendo que abandonar as redes para enxergar de fato a realidade pode ser mais fácil na teoria do que na prática: 94% dos jornalistas afirmam usar as redes sociais para suas atividades profissionais.

Mas, como pesquisadora – e fã de Taylor Swift –, tenho a esperança de que experiências como a “The Eras Tour” despertem mais pessoas para o fato de que os seres humanos são mais unidos do que os algoritmos nos fazem acreditar.

Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Aarushi Bhandari é professora assistente de sociologia na Davidson College. saiba mais