Tecnologia com acessibilidade – será assim tão difícil?

Novas tecnologias sempre buscaram facilitar nossas vidas. Mas o que não pode ser esquecido é que cada pessoa é diferente

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Kyle Wheeler 4 minutos de leitura

Na mais recente peça publicitária da Apple, um curta-metragem de dois minutos e vinte segundos chamado “The Greatest”, vemos diversas pessoas – um músico, uma mãe, uma estudante, um artista, uma líder de torcida – vivendo suas vidas.

O que todas elas têm em comum? Elas estão usando tecnologia assistiva, um conjunto de recursos voltados a pessoas com deficiência que visa proporcionar a elas autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão.

Na peça, acompanhamos um músico com deficiência visual se preparando para uma apresentação. Ele ergue o celular para escanear o camarim. “Uma pintura, uma jaqueta vermelha”, responde a Siri enquanto analisa os objetos ao redor.

Mais tarde, o músico, vestindo a elegante jaqueta, caminha para o palco. Com sua bengala em uma mão e com o telefone na outra, a Siri indica o caminho: “duas portas detectadas. Texto: Para o palco. Porta a 1,2 metro de distância”.

Nesse trecho, vemos como a visão computacional identifica objetos, como o reconhecimento óptico de caracteres lê informações, como os mapas de proximidade LiDAR avaliam a distância com precisão – e tudo isso em tempo real. Para o músico, essas tecnologias lhe dão independência.

O curta é um importante lembrete do poder da tecnologia e do design acessível para transformar vidas.

Em 1928, foi a primeira vez que uma tecnologia falou. Um inventor da Bell Labs chamado Homer Dudley criou o Vocoder, um dispositivo que traduzia e reproduzia sinais elétricos por meio de uma voz robótica. Para as 284 milhões de pessoas em todo o mundo que, segundo a Organização Mundial da Saúde, vivem com algum tipo de deficiência visual, a invenção de Dudley foi a primeira de muitas outras que as ajudariam a levar uma vida independente.

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Apenas um século depois da criação do Vocoder, a tecnologia avançou a ponto de transformar a antiga e artificial voz robótica em uma que é quase indistinguível da fala humana. Hoje, a visão computacional é capaz de enxergar e entender o mundo ao nosso redor e, como cada vez mais do mundo físico está conectado, ela pode manipular nosso ambiente por meio de gestos e comandos simples.

Novas tecnologias sempre buscaram facilitar nossas vidas. Mas o que não pode ser esquecido é que cada pessoa é diferente. Afinal, a humanidade é plural. Na descrição do curta postado no YouTube, a Apple reforça: “a acessibilidade é um direito humano”.

O Congresso dos EUA, que aprovou a Lei para Americanos com Deficiências (ADA, na sigla em inglês), em 1990, e o Parlamento Europeu, que aprovou a Lei Europeia da Acessibilidade (EAA), em 2019, certamente concordariam com essa afirmação.

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Mas, apesar do tom otimista e de celebração do curta, é importante reconhecer que o mundo está longe de ter acessibilidade plena. E isso vale tanto para o mundo digital quanto para o físico. Em apenas um ano, os processos da ADA aumentaram 181%, ultrapassando mais de dua mil representações, um número que deve crescer a cada ano.

No último relatório de acessibilidade da instituição de caridade norte-americana WebAIM, 96,8% das páginas iniciais dos sites avaliados apresentavam falhas de acessibilidade. Estas são estatísticas impressionantes que destacam as mudanças necessárias para que tenhamos uma internet mais acessível.

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Designers, desenvol- vedores, CEOs e líderes de negócios são responsáveis por tornar acessíveis todas as partes da experiência. A acessibilidade não é mais algo dispensá- vel ou apenas recurso “a mais”; é uma exigência legal.

Mas seguir a lei não deveria ser a principal motivação. Se produtos e experiências não forem desenvolvidos com a inclusão em mente desde o início, sempre acabarão excluindo parte do público.

Hoje, mais de um bilhão de pessoas no mundo vivem com algum tipo de deficiência e, com o envelhecimento da população, esse número só aumentará. Portanto, a acessibilidade nunca foi tão importante.

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Integrar e garantir a compatibilidade com os recursos de acessibilidade no sistema operacional deve ser o primeiro passo. Experiências digitais precisam oferecer opções aos usuários, para permitir que eles interajam da maneira que melhor lhes convier, seja por meio de leitor de tela, voz, teclado ou toque.

Essa é a mágica do meio digital: ele é flexível e pode mudar conforme necessário. Tudo o que ele precisa é de ideias transformadoras.

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Um exemplo é uma colaboração recente entre o Royal National Institute of Blind People, Google, R/GA London e The Guardian, que se propôs a criar uma experiência editorial otimizada para acessibilidade. O resultado foi o Auditorial, uma experiência que pode ser configurada de 22 maneiras diferentes, desde a alteração do tamanho da fonte e combinações de cores – para atender usuários sensíveis a fotos – até versões de áudio, para usuários com baixa visão, e controles de vídeo, para usuários sensíveis ao movimento.

A experiência não foca em cada recurso individualmente. Ela destaca o poder de um sistema de design adaptável, criado com diversas necessidades em mente.

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Percorremos um longo caminho desde que Homer Dudley traduziu sinais elétricos em fala; demos vida à tecnologia, permitindo que ela veja, pense e fale. É hora de aproveitarmos todos esses avanços para inovar e garantir a acessibilidade em tudo o que criamos.

Este é um momento incrível para qualquer pessoa envolvida em projetar, desenvolver e oferecer novos produtos e serviços. Nosso repertório de ferramentas nunca foi tão poderoso. Devemos usar esse poder que temos em mãos para o bem de todos


SOBRE O AUTOR

Kyle Wheeler é diretor criativo de grupo na R/GA. saiba mais