5 perguntas para Amanda Costa, fundadora do Perifa Sustentável

Crédito: Ivan Pacheco

Redação Fast Company Brasil 5 minutos de leitura

Ativista desde os 18 anos, Amanda Cruz Costa começou cedo na luta contra as mudanças climáticas. A jovem da Brasilândia (bairro da zona Norte de São Paulo) criou o Perifa Sustentável em 2019, quando tinha 20 anos. A entidade tem como objetivo mobilizar juventudes em prol da agenda de desenvolvimento, com ações que discutem a justiça racial e ambiental.

As ações de educação comunitária e de debates constantes saíram da Brasilândia e levaram Amanda para o mundo. Ela já participou de quatro conferências de mudanças climáticas da ONU – as COPs 23, 24, 26 e 27. Na COP 27 no Egito, em 2022, a ativista levantou a bandeira contra o racismo climático e pela descolonização do debate sobre o meio ambiente. O assunto foi um dos muitos abordados por Amanda nesta entrevista à Fast Company Brasil.  

FC Brasil – Você criou o Instituto Perifa Sustentável em São Paulo para promover o debate sobre a crise climática (e sobre como combatê-la) em seu bairro. Qual a importância de "deselitizar" a discussão sobre a emergência climática?

Amanda Costa – Precisamos fazer, cada vez mais, com que a crise climática seja parte do discurso do povo. Precisamos popularizar esta pauta. Se a gente não engajar toda a sociedade – não só cientistas, mas a base da pirâmide, o povão, a galera que está no corre –, não vamos vencer esse desafio.

Pensar no racismo ambiental é olhar para as injustiças ambientais que atravessam, principalmente, as mulheres negras.

Deselitizar a crise climática se tornou minha missão de vida. Consigo transitar em alguns núcleos e decidi, no lugar de construir muros, construir pontes. E, para que essas pontes tenham êxito e sejam sólidas, é necessário democratizar o debate e a linguagem. Aproximar o debate da população.

Deselitizar, pautas como crise climática é falar de transporte, educação, saúde, saneamento básico, comida. É falar que a crise climática vai potencializar os desafios que a gente já enfrenta no dia a dia.

FC Brasil – Como você percebe o racismo ambiental no dia a dia? Como ele afeta a vida das mulheres negras?

Amanda Costa – O racismo ambiental está presente em todos os momentos. E ele fica cada vez mais visível. Quando estou no meu bairro, na Brasilândia, vejo vários pontos de acúmulo de lixo – lixão a céu aberto, mesmo. Tem rato, barata, insetos, é lugar de proliferação de doenças.

Crédito: arquivo pessoal

Por aqui, é comum ter picos assim. Mas, quando vou para bairros mais elitizados, como Pinheiros, Vila Madalena, não se vê um papelzinho no chão. Há um cuidado público maior nesses lugares.

Outro exemplo é quando acontecem enchentes. Na quebrada sempre alaga, tem deslizamento, desmoronamento de terra. Muitos dizem que isso acontece porque as periferias estão instaladas em territórios de morro. E eu refuto esse argumento: bairros elitizados como Perdizes, também são bairros no morro. Por que não tem tanto deslizamento lá como na Brasilândia?

São perguntas que têm como resposta o racismo ambiental. Pensar no racismo ambiental é olhar para as injustiças ambientais que atravessam, principalmente, as mulheres negras. A vida das pessoas que estão no corre e que estão num lugar de vulnerabilidade. 

FC Brasil – A agenda ESG está sendo ampliada nas grandes empresas. Mas o assunto ainda está distante da conversa das pessoas. Como fazer para aproximar as duas pontas?

Amanda Costa – Um dos pontos muito importantes que precisamos olhar é quando conseguimos democratizar o debate. Muitas vezes, o ESG fica restrito a pequenos grupos, que têm acesso a educação formal e acadêmica.  Aqueles que estão no ambiente corporativo.

As grandes corporações têm responsabilidade com o território que elas ocupam, mas são poucas que se comprometem a desenvolver esse território.

Para que a gente consiga unir a agenda de ESG com as pessoas, primeiro precisa ter um letramento. Explicar o que significam essas siglas. E também fazer um letramento inverso: transformar a linguagem da comunidade para ser compreendida dentro de espaços formais e corporativos.

Muitas vezes, as pessoas periféricas que ocupam esses lugares se sentem deslegitimadas por conta do seu vocabulário, do seu jeito de andar, da forma como interagem. Às vezes são marginalizadas e estereotipadas. Isso acontece principalmente quando as pessoas em questão são negras.

Aproximar esses dois elos? Primeiro, precisamos fazer projetos que conectem as lideranças dos negócios com as lideranças comunitárias para que, juntas, elas desenhem as pautas e o que é preciso ser feito. As grandes corporações têm responsabilidade com o território que elas ocupam, mas são poucas que se comprometem a desenvolver esse território.  

FC Brasil – Quando falamos em ativismo ambiental jovem pensamos logo em Greta Thunberg. Por que é importante olhar para esse ativismo por outro viés?

Amanda Costa – Existem muitas ativistas negras e indígenas no Brasil que são silenciadas, marginalizadas e, em alguns casos, mortas. O Brasil é o quarto país no mundo que mais mata ativistas. Isso precisa ser problematizado e precisamos questionar de onde vem as nossas referências. Por que precisamos de uma referência do norte global, branca, rica, para que uma luta, que é ancestral, ganhe visibilidade?

Deselitizar, pautas como crise climática é falar que ela vai potencializar os desafios que a gente já enfrenta no dia a dia.

Eu trago questionamento: quem são as ativistas brasileiras que as pessoas conhecem? Como essas pessoas podem apoiar o ativismo? Há inúmeras mulheres negras e indígenas que estão liderando projetos e falando de mudança climática. Mas, por conta do racismo estrutural, elas acabam não recebendo o aporte, o suporte e a visibilidade fundamentais para continuar nessa luta.

FC Brasil – Um dos assuntos que você levantou recentemente, em parceria com a Pantys (marca de calcinhas absorventes), foi sobre saúde mental. Como o ativismo climático se une a esse tema?

Amanda Costa – Muitos ativistas climáticos estão sofrendo de eco-ansiedade, que é uma ansiedade causada pela preocupação de ser atravessado pelos eventos climáticos extremos e ser impossibilitado de pensar no futuro.

Como estar em paz comigo e com o meio se o meio está sendo constantemente violado ou ameaçado por conta de um modelo sistêmico de desenvolvimento, de capital, onde ativistas tentam transformá-los e são ignorados?

Pensar em saúde mental para ativistas climáticos é pensar na necessidade de um redesenho sistêmico do mundo, onde a gente possa estar em harmonia com tudo – com a mente, com o corpo e com o mundo. Porque o nosso mundo é uma extensão da gente.


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