5 perguntas para Márcia Martins Miguel, cofundadora da Ecoarts Amazônia

Crédito: Ecoarts Amazônia/ Divulgação

Redação Fast Company Brasil 6 minutos de leitura

Quando se diz “salve a Amazônia”, muitos pensam nas árvores, nos animais, nos rios da maior floresta tropical do mundo. Para a Ecoarts Amazônia, significa também preservar as histórias, os povos e os rituais. Manter tudo – bens materiais e imateriais – é o que motiva a cofundadora da organização, Márcia Martins Miguel.

A Ecoarts Amazônia atua em áreas como design e tecnologia para apoiar não só a produção de arte amazônica como também plantar árvores nativas e rastreá-las. Criada em 2004, a organização amplia a conexão entre marcas e a região. Um reflexo da ligação que Márcia e suas irmãs têm com o território.

Nascida no norte de Mato Grosso, a advogada se incomodava ao saber que havia chances de suas filhas nunca experimentarem e sentirem aquele espaço.

As sementes da Ecoarts Amazônia vieram de dona Mira, mãe de Márcia. Ela usou um colar feito por artesãos do norte do Mato Grosso que chamou a atenção da filha.

Márcia amou as sementes e as remontou em forma de outro cordão. A peça fez sucesso entre os amigos, que quiseram encomendá-la. Assim, Márcia e sua irmã, Mônica perceberam que havia formas de unir arte e ecologia.

Marcia (dir.) com a mãe e a irmã, Mônica (Crédito: Ecoarts Amazônia)

Outras peças de decoração foram feitas a partir daí, em parceria com artesãos da bacia do rio Teles Pires e da fronteira com o Parque do Xingu. Os materiais eram retirados do que seria “lixo” na floresta: restos de sementes, cipós, plantas.

Com o tempo, a organização passou a ganhar prêmios de design e a fazer parcerias com marcas como Emporio Armani e BMW, para criar coleções exclusivas. Sempre com o foco de fazer os recursos voltarem para o norte do Mato Grosso.

A venda é revertida para apoiar a preservação da Amazônia, em projetos feitos com a Embrapa para criar e propagar espécies nativas e promover a recuperação ambiental. Há também um trabalho ativo para criar um banco de sementes amazônicas, para a produção de novas mudas e viveiros de árvores frutíferas nativas. 

FC Brasil – A Ecoarts Amazônia começou como uma organização para produzir e criar arte a partir dos resíduos da floresta. Hoje, além desse setor de design, vocês também usam tecnologia para plantar e rastrear árvores na região. Qual o fio condutor dessa transformação do negócio?

Márcia Martins Miguel – Na verdade, foi o inverso. A Ecoarts Amazônia nasceu de uma pergunta que me fiz há 20 anos: como fazer a conta fechar e manter a floresta em pé? Na época, nada dava mais dinheiro do que tirar madeira, plantar capim, colocar gado ou soja em cima. Será que não tinha uma outra forma?

A ancestralidade nasce dos materiais naturais que usamos. Eles têm sua própria força.

Sendo a terceira geração de fazendeiros em Mato Grosso, em uma família de seis mulheres – em um ambiente no qual a mulher não tinha valor ou espaço para “tocar a fazenda”, pois fazenda era “coisa dos homens” –, começamos a cuidar daquilo que os homens não queriam: a floresta.

E buscar a sustentabilidade, mesmo, lidando com o que a gente tinha: conhecimento, cultura, amor pela natureza, uma tradição de pioneiros, coragem, muitas folhas e sementes caídas no chão.

FC Brasil – Um dos objetivos da organização é a preservação dos bens imateriais da Amazônia. Histórias, rituais, cultura… Como estão fazendo isso e de que forma mensurar esse impacto?

Márcia Martins Miguel – Para acessar bens imateriais adotamos duas estratégias: primeiro, pesquisa histórica, iconografia, teses de doutorado e trabalhos científicos. A segunda estratégia é o diálogo direto com povos originários que habitam territórios como  Xingu, território Kayapó, povo Tikuna. É preciso ouvir deles o que pensam e sabem, com sua própria voz. Sem intermediários.  

Quanto ao impacto, ele pode ser medido de várias formas. Na parte objetiva/ financeira, através da renda gerada para comunidades tradicionais a partir de seu grafismo (que é a escrita nativa).

Um bom exemplo são os kayapós. Suas criações culturais foram protegidas e respeitadas em contrato e estão adornando peças numeradas de porcelana distribuídas no mundo todo. Isso gera pagamento de royalties semestrais  para as artistas indígenas que fizeram a pintura, com repartição de benefício também para a comunidade.

Projeto Pomar nas Aldeias na aldeia Kamayura (Crédito: Ecoarts Amazônia)

Dá para medir também a partir do benefício ambiental, através do plantio de árvores nativas amazônicas no entorno das aldeias. Começamos este ano a plantar pomares circulares no entorno de duas aldeias no Xingu, mas pretendemos plantar em outras aldeias que desejarem esse benefício.

FC Brasil A ancestralidade faz parte da Ecoarts, tanto na história da família quanto na conexão com os povos originários, as tribos do Xingu. Para você, qual a conexão entre ancestralidade e inovação?

Márcia Martins Miguel   A ancestralidade nasce dos materiais naturais que usamos. Eles têm sua própria força. Uma magia embutida, que é inata, imanente. A Ecoarts Amazônia apenas coloca em destaque essa ancestralidade, o amor à terra e à natureza que aprendemos com nosso trisavô, o amor ao Brasil.

A ligação entre ancestralidade e inovação é natural. É como disparar uma flecha: você empunha o arco e a mão que segura a flecha vai para trás, para o passado. Quanto maior o recuo para o passado, maior o avanço da flecha para o futuro.

Crédito: Ecoarts Amazônia

Só existe inovação com tradição, com raízes profundas. Se sua nova ação não tiver bases profundas, verdades enraizadas e sólidas, sua inovação vai ser fraca, a flecha vai voar pouco. Isso se voar. 

FC Brasil Um dos conceitos que a Ecoarts Amazônia defende é exatamente o da “ecologia profunda", que coloca o ambiente como parte do todo. Como esse princípio pauta um negócio? 

Márcia Martins Miguel Antes de tomarmos uma decisão, nos perguntamos: essa ação vai gerar impacto sóciocultural, ambiental e econômico? Se a resposta for diferente de sim, a gente simplesmente não faz. Tem sido assim há 20 anos, não queremos mudar. Quando o sim vem seguro, a verdade abre seus próprios caminhos.

FC Brasil Você tem muitas histórias com a floresta amazônica. Poderia dividir alguma mais marcante?

Márcia Martins Miguel Há 20 anos, quando voltei para o Mato Grosso após muitos anos em São Paulo, já tendo “conquistado tudo” fui chorando na estrada de Cuiabá até Sinop. A floresta estava distante da estrada, longe da vista. Eu estava devastada, como ela.

Crédito: Ecoarts Amazônia

Pensei nas minhas duas filhas pequenas: não bastava eu tratar o lixo, apontar o dedo culpando um sujeito indeterminado pela devastação. Disse: "preciso fazer algo ou as minhas filhas (e as gerações que virão) não vão ver a floresta que eu vi, não vão sentir a magia que eu senti quando era criança". Foi ali, naquela dor, que nasceu a Ecoarts Amazônia.

Assumi comigo mesma a responsabilidade e o desafio de fazer a conta fechar para fazendeiros que, como meus pais, têm que preservar e proteger 80% das terras com floresta, sem uma economia ou valorização da floresta em pé.

Acho que, aos poucos, estamos conseguindo levar ao mercado de consumo – pois somos uma sociedade consumista – a possibilidade de preservação com consumo, juntando luxo com ancestralidade, beleza com cultura.

Com união, e não com antagonismo, estamos mostrando o que há no chão e na alma da maior floresta tropical do mundo. A mais falada e a menos conhecida.


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