Cientistas cultivam espinafre no deserto captando a água presente no ar

Crédito: Fast Company Brasil

Elissaveta M. Brandon 4 minutos de leitura

Os verões da Arábia Saudita podem até ser secos e escaldantes, mas em junho do ano passado, cerca de 80 quilômetros ao norte da cidade de Gidá, 57 sementes cresceram em folhas ​​de espinafre perfeitamente saudáveis, com 17 centímetros de altura. Essa façanha foi realizada graças à água capturada no ar, em pleno deserto.

Como todos os cultivos convencionais, o espinafre necessita de irrigação para crescer. Mas, neste caso, as plantas brotaram graças a um sistema movido a energia solar, que extraiu o vapor do ar e o condensou em dois litros de água. Publicados na revista Cell Reports Physical Science, os resultados do experimento sugerem que pequenas fazendas em regiões remotas e áridas poderão cultivar suas próprias plantações mesmo se não houver abastecimento de água.

“Quem tem acesso à água de rio ou de lago provavelmente não precisa de um sistema como esse. Mas, em lugares onde não há um sistema convencional de distribuição de água, ele é muito importante”, esclarece Peng Wang, professor de ciência e engenharia ambiental da King Abdullah University of Science and Technology (KAUST) e um dos autores do estudo.

Crédito: KAUST/ Divulgação

O protótipo utilizado durante o experimento é composto por três elementos principais: um painel fotovoltaico de pequena escala, um material compósito feito de hidrogel (versão de alta tecnologia do gel usado em esparadrapos para reidratar feridas), cloreto de cálcio (o tipo de sal usado para tirar o gelo das estradas), além de um recipiente de metal que funciona como uma câmara de condensação.

Como na maioria dos painéis solares convencionais, de 10% a 20% da energia absorvida é convertida em eletricidade. Os 80 a 90% restantes são convertidos em calor. O material de hidrogel – imagine que ele é como como uma camada de gelatina presa à parte traseira do painel solar – desempenha um papel duplo. Primeiro, ele esfria o painel solar, para que ele não superaqueça. Em segundo lugar, consegue capturar vapor de água do ar graças ao cloreto de cálcio, que é capaz de absorver mais do que seu peso em umidade. O próprio hidrogel incha e bloqueia a umidade no material para que não derrame.

Mas estamos falando do deserto da Arábia Saudita. De onde vem a umidade? Os desertos podem ser secos, mas isso não quer dizer que não haja partículas de água no ar. A umidade relativa da região gira em torno de 40%, à noite chega perto de 80%. Sendo assim, o hidrogel absorve vapor de água durante a tarde e à noite. “Projetamos o sistema dessa forma porque a natureza ditou que fosse assim”, diz Wang.

Crédito : KAUST/ Divulgação

Pela manhã, o material fica saturado de umidade. Quando o sol atinge os painéis e o calor entra em contato com o material, transforma essa umidade em vapor e a expulsa da camada de hidrogel. A caixa de metal logo abaixo coleta o vapor e o condensa em água. A melhor parte é que nenhuma dessas etapas consome a eletricidade gerada pelo painel. Isso significa que, se o sistema for ampliado, a eletricidade produzida poderá ser lançada diretamente na rede e o calor produzido pelos painéis poderá ser usado para irrigar as plantações.

No caso desse experimento, os cientistas optaram por cultivar espinafre hidropônico, em parte porque o vegetal não requer muita água para crescer, mas também porque seu período de crescimento é relativamente curto. O experimento durou apenas duas semanas, mas o espinafre alcançou sete centímetros de altura.

Wang aposta que outras culturas podem ser cultivadas de maneira semelhante, mas, dada a infraestrutura necessária, não seria adequada para culturas com uso intensivo de água, como arroz ou cana-de-açúcar. Em tese, essa água é potável, mas, para que seja consumida com regularidade seria necessário adicionar minerais, pois ela é produzida pela evaporação da água, e não de reservatórios subterrâneos ou nascentes minerais.

A TECNOLOGIA PODERÁ SER USADA EM COMUNIDADES DISTANTES DAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA EM TODO O MUNDO.

Para cultivar mais plantações com uso intensivo de água, o sistema pode ser ampliado com mais painéis solares. Mas, como pondera Wang, essa água é muito especial, vem do ar, então, só faria sentido usá-la com moderação. O cientista diz que essa tecnologia também pode ser usada em climas temperados, com níveis mais altos de umidade. De qualquer forma, é preciso primeiro tentar com um painel solar de tamanho normal.

Há muitas etapas a serem vencidas antes que esse sistema possa ser comercializado. Além disso, é preciso encontrar empresas que consigam fabricar o sistema de maneira econômica. Mas, se der certo, Wang prevê que a tecnologia poderá ser usada em comunidades distantes das redes de distribuição de água em todo o mundo.

No ano passado, cientistas da KAUST desenvolveram o protótipo de um sistema de resfriamento que funciona apenas com luz solar e água salgada. Agora, este novo protótipo traz para a equação eletricidade, água e agricultura. “Para uma única família que vive na montanha, ou para uma comunidade muito pequena que vive no meio do nada, esse sistema pode realmente ajudar a atender às necessidades humanas básicas”,  resume Wang.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais