Como descobrir o que os mapas sobre a guerra não mostram à primeira vista

Crédito: Fast Company Brasil

Fast Company Brasil 5 minutos de leitura

“Nenhum mapa corresponde à realidade”, afirma meu colega, o geógrafo David Salisbury. E ele tem razão. Todos os mapas são invariavelmente incompletos, focam em determinados assuntos e regiões e excluem outros. Estes são aspectos fundamentais da retórica, minha área de estudo. 

Todo mapa distorce o mundo, seja ele de uma região específica ou de toda a Terra. Não há como ser diferente, a não ser que fosse tão grande quanto o território que ele reproduz – mas, como o autor Jorge Luis Borges bem apontou, este mapa seria inútil.

No entanto, as distorções podem ter um lado positivo: elas conseguem simplificar o mundo e torná-lo mais fácil de compreender.

Geógrafos costumam falar do que chamam de “silêncio” dos mapas – o que está faltando, invisível, escondido nas margens. Esses silêncios são tão cheios de significado quanto o que aparece. É importante questionar o que foi deixado de fora.

Isso é uma grande verdade quando se trata da guerra na Ucrânia. A imprensa global publica um número enorme de mapas da crise, mas suas visões de mundo e recortes não são a única forma de ajudar as pessoas a entender o que está acontecendo por lá.

CERCADA

Os mapas que os veículos de notícias costumam exibir mostram a Ucrânia como uma nação cercada e em apuros. Um país pequeno ao lado de um gigante, que cobre toda sua fronteira de norte a leste. Com setas apontando o movimento das forças militares russas, ícones mostrando ataques específicos e pontos indicando usinas nucleares ucranianas e outros alvos estratégicos, esses mapas sinalizam que o avanço russo é inevitável. Também tendem a transmitir a ideia de que se trata de um ataque coordenado e controlado – quando, na verdade, qualquer guerra é caótica.

AS DISTORÇÕES (DOS MAPAS) CONSEGUEM SIMPLIFICAR O MUNDO E TORNÁ-LO MAIS FÁCIL DE COMPREENDER.

Os mapas não mostram a topografia da Ucrânia ou sua rede rodoviária. Eles apresentam, sobretudo, fronteiras políticas atravessadas por linhas e setas que representam os movimentos do exército russo. A Ucrânia aparece como uma pequena peça do quebra-cabeça europeu, no centro, cercada por nações vizinhas. É vista como uma região de caos ou que pode servir como ponte para espalhá-lo para o resto da Europa.

No entanto, os mapas não costumam mostrar a localização ou a força da resistência ucraniana. Tampouco retratam o complexo fluxo de refugiados de guerra, que sempre aparecem de forma simplificada ou são deixados de lado. As experiências cotidianas dos civis nesta guerra continuam ignoradas pelos mapas. Mas a realidade é muito mais confusa e incerta.

Não é uma crítica aos cartógrafos que estão retratando a guerra. Seu trabalho tem sido esclarecedor e perspicaz, simplificando uma situação incrivelmente complicada. Eles usam um estilo de mapeamento que se popularizou durante a Segunda Guerra Mundial. Os mapas exibidos pela mídia eram retratados como documentos que ajudavam os cidadãos comuns a compreender e se conectar com a guerra. O presidente Franklin Roosevelt chegou a pedir aos americanos que “acompanhassem em seus mapas”, enquanto falava no rádio sobre os combates na Europa e no Pacífico.

Os mapas noticiados da época projetavam a ansiedade e a vulnerabilidade de áreas estratégicas para os Estados Unidos e seus aliados, sinalizando que o envolvimento norte-americano era necessário. Com a Guerra Fria, os mapas mudaram o foco para a União Soviética. De forma simples e objetiva, procuravam destacar a invasão vermelha na Europa e as ameaças comunistas na Ásia e na África.

AS EXPERIÊNCIAS COTIDIANAS DOS CIVIS NESTA GUERRA CONTINUAM IGNORADAS PELOS MAPAS.

Hoje, os mapas da guerra na Ucrânia tendem a ser mais sofisticados e interativos. Mas ainda carregam uma mensagem de inevitabilidade do avanço russo e propõem o conceito de uma guerra entre Oriente e Ocidente.

MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS

Há, é claro, outras maneiras de mapear essa guerra. Alguns meios de comunicação globais estão publicando séries de mapas, em vez de apenas um. A Al Jazeera, a divisão gráfica da Reuters e o Financial Times oferecem excelentes exemplos de como colocar em conversa uns com os outros e criar uma espécie de narrativa da guerra – por exemplo, colocar lado a lado mapas de membros da OTAN e de petróleo e gás, enquanto retratam os avanços militares.

Outros grupos também estão criando novas maneiras de utilizar mapas. O Center for Information Resilience, uma organização sem fins lucrativos do Reino Unido que busca expor abusos de direitos humanos, está usando tecnologias de crowdsourcing para preencher mapas da guerra na Ucrânia com vítimas civis, tiroteios e explosões, além de evidências de danos à infraestrutura. Esse método dá aos próprios leitores a opção de escolher a região e quais aspectos da invasão querem ver.

O Live Universal Awareness Map é um site de jornalismo independente que se baseia em notícias e mídias sociais de todo o mundo e os conecta a um mapa online interativo. Seu mapa da Ucrânia mostra onde ocorrem os incidentes relatados, com ícones coloridos mostrando quem está supostamente envolvido em cada local. Os ícones representam muitos tipos de eventos, como discursos e comícios, situações de refugiados e reféns e até ataques hackers.

Essas alternativas têm suas vantagens e desvantagens. Mapas como o Live Universal Awareness Map dependem de dados de crowdsourcing que podem ser difíceis de verificar. Mas, mais importante, eles apontam que a cartografia é um esforço político e cultural que cria histórias convincentes e úteis – mesmo que não necessariamente a verdade nua e crua. Ter um olhar crítico e um senso de contexto pode nos ajudar a identificar informações importantes nas distorções dos mapas.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Fast Company é a marca líder mundial em mídia de negócios, com foco editorial em inovação, tecnologia, liderança, ideias para mudar o ... saiba mais