De janelas a jaquetas e móveis, a revolução da energia solar

Crédito: Fast Company Brasil

Elissaveta M. Brandon 7 minutos de leitura

Em janeiro de 2021, cinco artesãs de Moçambique e três designers da Holanda se reuniram em Linga Linga – uma pequena península em Moçambique – para um workshop de design de três semanas, que resultou em dois protótipos: um abajur que acende no escuro e uma pequena bolsa que também é um carregador de celulares.

O workshop foi uma colaboração entre vários estúdios de Moçambique e da Holanda, e contou com a participação de Pauline van Dongen, uma designer de moda holandesa especializada em produtos têxteis e peças de vestuário inteligentes. Van Dongen aposta em um futuro onde tudo será movido a energia solar, com isso, ela está planejando a primeira Solar Biennale do mundo ainda este ano. E o timing dela não poderia ser melhor.

Suntex (Crédito: Studio Pauline van Dongen) 

O uso de energia solar está crescendo. Só na última década, nos EUA, o número de painéis solares instalados aumentou 40%, enquanto o custo para instalá-los caiu mais de 70%. O atual governo de Biden tem planos de incentivo para que o país gere quase metade de sua própria energia através do Sol até 2050 (em comparação com apenas 4% em 2020). Em novembro, foi aprovada a lei de infraestrutura que investirá bilhões de dólares em projetos de energia limpa para estimular mais inovação no setor.

(Crédito: Asoleyo) 

Hoje, um número cada vez maior de designers e startups em todo o mundo já está liderando o que Van Dongen chama de “movimento solar”. Como resultado, as aplicações para esta tecnologia estão se tornando cada vez mais diversificadas: uma empresa nos EUA desenvolveu células que podem ser instaladas em janelas para capturar a energia do Sol. Outra transformou os painéis solares em obras-primas, redesenhando suas linhas prateadas. Em vários lugares do mundo, designers estão desenvolvendo mesas de vidro colorido e roupas que podem absorver energia e carregar dispositivos, além de telhados têxteis que podem ser colocados sobre prédios para absorver a energia solar. À medida que ela se torna mais acessível, as opções aumentam e 2022 pode se tornar um ano de destaque para esta energia.

Marjan van Aubel Studio (Crédito: Marjan van Aubel Studio/cortesia de The Solar Biennale) 

A Solar Biennale será sediada em Roterdã, na Holanda, reunindo pioneiros em energia solar, que incluem designers, pesquisadores e filósofos. O evento foi concebido por Van Dongen e outra expoente da indústria de design solar, a designer holandesa Marjan van Aubel. Para ambas, a narrativa predominante acerca da energia solar até agora tem sido tecnocrática, com foco no retorno financeiro e eficiência. “Isso torna difícil para que as pessoas se relacionem e se conectem com a energia solar em um nível mais cultural”, explica Van Dongen.

É aí que entra o design. Designers têm a capacidade de pegar uma nova tecnologia e ajudar as pessoas a entendê-la e utilizá-la. Ao contrário de outras fontes de energia renovável, a energia solar pode vir de muitas formas: não é possível instalar uma turbina eólica em seu quintal, mas você pode usar uma jaqueta que absorve energia solar, instalar janelas solares em sua casa, por exemplo, ou encontrar outras maneiras de integrar esta energia no seu dia a dia.

StudiMarjan van Aubel Studio (Crédito: Marjan van Aubel Studio/cortesia de The Solar Biennale)

Van Dongen está trabalhando atualmente com uma empresa holandesa de arquitetura têxtil chamada Tentech para desenvolver um tecido com painéis solares de filme fino. O objetivo é desenvolver um tecido que possa ser usado como material para construção, o que exige que ele também seja resistente ao fogo e durável. “Isso abre novas aplicações para a tecnologia solar ser integrada em grandes tendas e fachadas têxteis”, diz ela. E também ajudaria estes prédios a ter uma aparência melhor.

Por enquanto, a maioria dos painéis solares vendidos são projetados para serem instalados em um suporte preso ao solo ou aparafusado diretamente no telhado. Mas uma tendência completamente nova está surgindo: nossos prédios se tornando os próprios painéis. Isso é chamado de construção fotovoltaica integrada. O exemplo mais famoso disso são as telhas solares da Tesla, porém cada vez mais e mais produtos estão aparecendo.

Solar Visuals (Crédito: cortesia de The Solar Biennale) 

O pavilhão da Holanda deste ano na Expo de Dubai foi alimentado por células solares translúcidas integradas a um telhado de vidro colorido, cortesia da designer Marjan van Aubel. Já em Paris, uma dupla de torres a ser finalizada em breve (do arquiteto francês Jean Nouvel) apresentará uma fachada inteira composta por 825 painéis dourados. Elas foram projetadas pela Solar Visuals, uma empresa holandesa que desenvolve módulos de fachada de prédio que podem assumir qualquer forma imaginável.

(Crédito: Marjan van Aubel Studio/cortesia de The Solar Biennale)

No fim das contas, quanto mais opções de captação de energia solar as pessoas e as empresas tiverem, maior a probabilidade de que abracem esta fonte de energia. Garrett Nilsen é diretor interino do Escritório de Tecnologias de Energia Solar (SETO) do Departamento de Energia americano, que apoia o financiamento de energia fotovoltaica e de outras tecnologias solares. Nilsen diz que a constante redução no custo tem sido responsável por estimular a adoção da energia solar, mas grande parte de nossa experiência até agora foi com o “atrito de transição”, como obter licenças e descobrir quanto isso economizará em contas a longo prazo. “Agora que estamos em um nível de custo mais baixo, talvez o atrito venha de outro lugar, como da aparência desta tecnologia.” diz ele.

Por ano, o SETO recebe US$ 280 milhões do Congresso americano para financiar uma ampla gama de esforços de pesquisa e desenvolvimento de energia solar por meio de programas de treinamento e competições, como o cobiçado prêmio American-Made Solar. Agora em seu quinto ano, o evento premia com US$ 3 milhões o vencedor para acelerar a inovação nas tecnologias de energia solar.

Nos últimos anos, o SETO tem focado em várias áreas, como soluções solares arquitetônicas integradas que podem ajudar a tornar a energia atraente para mais pessoas. Em 2016, o SETO premiou uma startup chamada Sistine Solar com US$ 1 milhão. Com sede em Sommerville, Massachusetts, a empresa desenvolveu um conjunto de sobreposições gráficas que podem combinar com qualquer estética de telhado, desde terracota a um visual totalmente personalizável. Desde então, os painéis da empresa já estão presentes em nove estados do país. E, apenas este ano, o SETO premiou uma nova startup chamada Asoleyo, que cria painéis “orgulhosamente solares” com padrões intrincados, com a quantia de US$ 405 mil. “Certamente, há espaço para criatividade em relação ao futuro desta energia”, diz Nilsen.

(Crédito: Asoleyo) 

A adoção massiva da energia solar pode acontecer com um efeito cascata. Mais subsídios do governo levam a mais inovação, o que leva a mais investimento privado. Em 2020, o investimento de capital de risco em tecnologia climática atingiu um recorde de US$ 16,4 bilhões. Por enquanto, o plano Build Back Better do governo Biden, que propunha US$ 1,75 trilhão em gastos sociais e climáticos, está suspenso. Mas a perspectiva solar é promissora mesmo sem ele. “Teremos um ano incrível para a energia solar, independente disso”, afirma Bill Nussey, fundador do projeto Freeing Energy, cuja missão é acelerar a mudança para energia mais limpa e barata.

Nussey passou os últimos três anos entrevistando centenas de especialistas e inovadores em energia solar para seu mais recente livro, Freeing Energy. Para ele, a solução está em projetos de menor escala, como uma escola instalando painéis solares em seu telhado, ou até mesmo um pequeno bairro optando por uma fonte de energia solar comunitária. “Se você quer fazer algo a respeito das mudanças climáticas, precisa desenvolver produtos bons e bonitos e deixar que as comunidades assumam o controle”, diz ele.

“Palha Solar” (Crédito: cortesia de The Solar BiennaleCrédito: Asoleyo) 

De volta a Moçambique, a parceria entre designers e artesãs locais culminou em um novo material chamado “palha solar”, que foi usado para criar uma série de abajures e bolsas. O material foi concebido em apenas algumas semanas, mas tornou a energia solar tangível de uma maneira que as grandes fazendas solares não conseguiram. “Para as mulheres [em Moçambique], a energia solar tornou-se mais acessível e compreensível e, em última análise, as empoderou a ter mais voz dentro das comunidades”, afirma Van Dongen.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais