Do papa à princesa: manipulação de imagens agora ao alcance de todos

A terra sem lei da manipulação de imagens está abrindo novas fronteiras para as pessoas comuns

Créditos: Yaryna Bondarchuk/ iStock, Yeven Popov/ Freepik

Deepti Hajela 4 minutos de leitura

Existe um bordão comum quando alguém busca provas de que a história de alguém ou algum fato realmente aconteceu: "quero ver fotos, senão não acredito!”.

Mas, em um mundo no qual a disseminação da tecnologia torna a manipulação de fotos tão fácil quanto um toque no smartphone, a ideia de que uma imagem é uma verdade absoluta está tão ultrapassada quanto o daguerreótipo. E uma foto pode, às vezes, levantar mais perguntas do que as que ela pretende responder.

Isso foi constatado nos últimos dias, quando uma imagem de Kate, Princesa de Gales, e seus três filhos gerou polêmica. As agências de notícias publicaram, e depois retiraram do ar, a imagem divulgada pelo Palácio de Kensington devido a preocupações de que ela tivesse sido manipulada, o que levou Kate a dizer nas mídias sociais que ocasionalmente "fazia experiências" com edição de fotos.

Nesse aspecto, ela não está sozinha. A edição digital tornou-se algo que praticamente qualquer pessoa pode fazer, desde a adição de filtros até o corte de imagens e muitas outras alterações. Há uma infinidade de aplicativos que oferecem as mais fáceis experiências de criação e retoque de fotos e vídeos, que podem ser facilmente transmitidos pelas mídias sociais.

Quais desses cãezinhos são reais? (Crédito: This Dog Exists)

"Cubra as imperfeições e deixe transparecer o seu verdadeiro eu", diz um anúncio do aplicativo para smartphone Facetune. "Remova e altere fundos instantaneamente", diz o site do aplicativo Fotor. "Nosso removedor de objetos com IA está pronto para ajudá-lo a se livrar de elementos indesejados."

Esse faroeste de recursos de alteração de imagens está abrindo novas fronteiras para as pessoas comuns e criando dores de cabeça para aqueles que ainda esperam que as fotos sejam uma representação documental da realidade.

A GENERALIZAÇÃO DA MANIPULAÇÃO

Os fotojornalistas e as principais agências de notícias seguem padrões e códigos de ética em relação às fotos. Essas organizações geralmente valorizam a autenticidade da imagem e rejeitam fotografias que tenham sido alteradas de alguma forma. 

No entanto, os esforços para identificar imagens alteradas podem ser atrapalhados pelos aplicativos cada vez mais fáceis de usar, que permitem que qualquer pessoa altere, pedaço por pedaço, o que uma câmera realmente registrou.

A popularização da manipulação, colocando essas habilidades na ponta dos dedos das pessoas, gerou alguns momentos interessantes e virais, como aquele em que uma imagem gerada artificialmente do Papa Francisco vestindo um casaco branco e bufante impressionou muitas pessoas que pensaram que era real.

Crédito: Reditt

Mas há riscos e perigos em um mundo onde só porque você vê algo não significa que pode acreditar piamente na mensagem, explica Ken Light, professor de fotojornalismo da Universidade da Califórnia em Berkeley.

"O papel da fotografia tem sido o de testemunhar e registrar o momento, mas também a história. E acho que nenhum de nós sabe para onde isso está indo", diz ele. O aumento da manipulação visual que coloca em dúvida se algo é real ou não "rompe tremendamente o tecido da cultura no momento, mas também se estenderá para o futuro".

Fred Ritchin, reitor emérito da escola do International Center of Photography e ex-editor de imagens da "The New York Times Magazine", concorda. A ideia de que "a câmera nunca mente" é coisa do século 20. Não é uma ideia que se aplica ao século 21", afirma. 

COMO IDENTIFICAR A FALSIFICAÇÃO?

As pessoas podem tomar medidas para lidar com os efeitos da manipulação de fotos, aponta Hany Farid, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, cuja pesquisa examina a análise forense digital e de imagens.

É preciso "ter um pouco mais de cuidado, ser um pouco mais atencioso" sobre o que você está vendo, em vez de simplesmente presumir que qualquer imagem corresponde à realidade", enfatiza.

Quanto à tecnologia, ele lembra que estão sendo desenvolvidas maneiras de rastrear imagens visuais e deixar claro se elas foram alteradas depois que as fotos foram tiradas.

Homem desafia coluna de tanques durante protesto na Praça da Paz Celestial, em Pequim (1989)

Mas, embora essas medidas possam atenuar alguns dos problemas, elas não vão eliminar o incômodo nem nos levar de volta ao estágio em que poderíamos ter fé em uma imagem, como as gerações anteriores fizeram com as fotos que hoje consideramos inesquecíveis.

"Em quase todos os grandes incidentes de nossa história – guerras, conflitos, desastres – há uma foto icônica. Elas são tão poderosas porque capturam esse conjunto incrivelmente complexo de fatos, emoções e história em uma única imagem. Não sei se vamos continuar a ter isso", diz Farid.

Ou, se o velho bordão puder ser modificado: "me mostre a foto mas, mesmo assim, nada garante que isso tenha acontecido".


SOBRE A AUTORA

Deepti Hajela é jornalista da Associated Press. saiba mais