Felipe Memoria: “a Work & Co é um negócio só de pessoas”

Referência mundial em design e desenvolvimento de produtos, a empresa tem como desafio crescer mantendo a qualidade do trabalho

Crédito: Work & Co/ Divulgação

Claudia W. Penteado 8 minutos de leitura

Felipe Memoria é carioca, designer e sócio fundador da Work & Co, referência global em design e desenvolvimento de produtos. Com cerca de 500 pessoas, a empresa está presente nos EUA, na Europa e na América Latina. No Brasil, tem escritórios no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Ele lidera equipes enxutas e experientes, que colaboram com clientes para a construção de produtos e serviços de sucesso usados por milhares de pessoas todos os dias. Por exemplo, supervisionou o design de projetos para o metrô de Nova York, para a Virgin America, YouTube, Eurosport, Acorns, Mailchimp, Embraer e Expa, entre tantos outros.

Antes de criar a Work & Co, foi sócio e global head de UX na Huge, além de ter liderado times de design na Globo.com no começo dos anos 2000. Leitor voraz – um hábito mais recente, segundo conta nesta conversa –, escreveu um livro que considera datado, mas segue muito procurado: "Design para a Internet", publicado em 2005.

Antes de se mudar para Nova York, lecionou na PUC-Rio, onde se formou em Design e fez mestrado em Ergonomia e HCI.

FC Brasil – Qual é o papel do design em geral e como ele muda, no ambiente digital?

Memoria – Design é criação de ferramentas. Somos a parcela da população que, junto com os engenheiros, cria e constrói para viabilizar a vida no planeta. Acredito que existe um código universal da disciplina que se aplica a todas as mídias: design é proporções e conexões. É a discussão entre hierarquia (o que mais importa é maior, o que menos importa é menor) e padrões familiares que permitem uma certa comparação (entendi, isso é tipo…). Se você perguntar aos maiores designers de todos os tempos, em todas as disciplinas criativas, eles provavelmente dirão uma versão disso, usando palavras diferentes

FC Brasil – O papel do design se transformou ao longo do tempo?

Memoria – Acho que não mudou, sempre foi e sempre será sobre criação de ferramentas. Mas, com mercados mais competitivos, a profissão cresceu. O design combina a

quanto mais sofisticado e competitivo for o mercado, mais importante é realmente pensar o produto.

compreensão da condição humana com estética e mecânica. Naturalmente, quanto mais sofisticado e competitivo for o mercado, mais importante é realmente pensar o produto.

Se você não tem concorrentes, pode construir uma coisa utilitária que funcione minimamente bem e resolva o problema. Mas, se tem, precisa aumentar a qualidade do seu produto. É aí que o design precisa dar as cartas. A experiência do usuário tem que vir em primeiro lugar.

FC Brasil – Como foi criar a Work & Co quando tudo ainda era mato?

Memoria – Uma vez, o Marcelo Gluz, meu ex-chefe da época de Globo.com e grande amigo até hoje, me disse: “desde que te conheço, você fala em montar times enxutos mega experientes, fazer uma seleção brasileira e trabalhar apenas em produtos digitais. Só que você teve que ter idade o suficiente para acreditarem”. É bem por aí. Meu sonho era muito antigo.

FC Brasil – Qual o seu olhar hoje para este negócio, especialmente no Brasil? Que peculiaridades há no mercado brasileiro que afetam os projetos locais?

Memoria – Como diria Tom Jobim: “aqui fora é bom, mas é ruim. O Brasil é ruim, mas é bom”. Existem vantagens e desvantagens. Nos EUA, a densidade de talentos em tecnologia é absurdamente maior do que em qualquer outro país. Isso, aliado aos investimentos, faz com que os produtos estejam em um estágio mais avançado. As oportunidades no Brasil são mais fundamentais, mas o mercado vem evoluindo muito ao longo do tempo.

Mas o brasileiro é muito animado, né?  Nós rimos, fazemos amigos, tomamos mais risco e sonhamos. A distância do que fazemos para o que existe é maior no Brasil. Então, muitas vezes, as vitórias são mais épicas.

FC Brasil – Qual a sua visão sobre inovação? O que é inovador para você?

Memoria – É o que move a indústria para a frente. Eu gosto quando é a conexão entre clareza de pensamento e execução. É uma resposta simples para um problema complexo executada com excelência, de forma original. Boa visão sem execução, todo mundo tem. A execução bem-feita, mas simplista, também é comum. A mágica é unir as duas coisas de uma forma inédita.

FC Brasil – O que é inovar na sua área?

Memoria – São as soluções paradigmáticas. É quando você

design é proporções e conexões. É a discussão entre hierarquia e padrões familiares que permitem uma certa comparação.

vê um produto sendo lançado e pensa que, a partir desse momento, todas as outras equipes do mundo que estiveram nessa corrida terão que reiniciar seus projetos.

Lembro que isso aconteceu quando lançamos o site da Virgin America, em 2015. Ouvi de amigos que trabalhavam para outras companhias aéreas que seus projetos foram cancelados ou tiveram que recomeçar. A barra subiu, tudo ficou velho da noite para o dia.

FC Brasil – Qual o case da Work & Co que te entusiasma neste momento?

Memoria – Um dos meus projetos recentes favoritos é para o Eco (eco.com), uma mobile wallet pensada para os dias de hoje. O Eco conecta funcionalidades bancárias ao universo de serviços na blockchain. O aplicativo é único, não existe nada parecido no mercado.

Criamos uma representação visual do passado, presente e potencial futuro das finanças, em 3D, para que os usuários consigam entender o real valor do dinheiro e conceitos como juros compostos. Tudo isso conectado a benefícios e a comunidade.

FC Brasil – Que empresas melhor compreendem, na sua opinião, o seu potencial digital e estão fazendo um bom trabalho se valendo disso?

Memoria – Entre as que não nasceram na era digital, destacaria Ikea e Gatorade. A Ikea fez com a gente um projeto profundo de transformação digital omnichannel: e-commerce no site e no aplicativo, digital in-store e aplicativos para funcionários.

Gatorade vem evoluindo sua experiência de marca ao lançar uma série de produtos digitais úteis, incluindo a nova plataforma GX, que usa ciência de dados para personalizar recomendações de saúde e levar a experiência da marca a mais atletas.

FC Brasil – Vocês têm dificuldades para encontrar profissionais para trabalhar no time?

Memoria – Não. O recrutamento é uma das minhas principais responsabilidades. Talvez a maior de todas. Passei toda a minha carreira me conectando com os melhores designers do mercado e trabalhando para ter uma boa reputação. Conheço os mais experientes e fico de olho nos novos talentos que aparecem.

Inovação é uma resposta simples para um problema complexo executada com excelência e de forma original.

Procuro fazer da identificação, contratação e retenção de talentos minha principal especialidade. O sucesso da empresa depende disso. Todo negócio é um negócio de pessoas, mas o nosso é realmente um negócio só de pessoas. Se não formos bons nisso, acabou.

FC Brasil – Como colocar diversidade no time considerando o gargalo para profissões como design e arquitetura, especialmente no Brasil?

Memoria – Há muito trabalho a fazer na indústria e na Work & Co, mas também muita paixão da equipe para fazer acontecer. Algo que acredito que vá gerar impacto é que estamos começando a ver empresas encontrando soluções.

Somos membros fundadores da Diversity in Design Collaborative, uma iniciativa que a Herman Miller iniciou há um ano. O objetivo é criar eventos que gerem canais de longo prazo para talentos negros e que exponham estudantes do ensino médio e universitários ao design mais cedo. A realidade é que, se você não conhece as opções de carreira ou não encontra mentores, trabalhar com design pode ser uma coisa que nem passa pela sua cabeça. 

Estamos comprometidos em nos dedicar mais a esse espaço, por isso contratamos uma diretora global de diversidade, equidade e Inclusão, para garantir que estamos avançando nas práticas que nos ajudam a nos conectar com talentos de forma mais equitativa.

FC Brasil – Como você enxerga a Work & Co nos próximos cinco a 10 anos?

Memoria – Nosso desafio é escalar mantendo a qualidade. Há uma suposição no mercado de que, quanto maior a empresa, maiores as dificuldades de manter a qualidade do que se faz. Nosso desafio é ser a exceção que confirma a regra.

Procuro fazer da identificação, contratação e retenção de talentos minha principal especialidade. O sucesso da empresa depende disso.

Acredito que nesses primeiros quase 10 anos de Work & Co, nosso trabalho melhorou com o tempo. Maior escala nos deu mais notoriedade, tipos de projetos cada vez mais interessantes para trabalhar, e nos permite reter e contratar os melhores profissionais. Se tivermos o melhor time, faremos o melhor trabalho.

Nos próximos cinco a 10 anos, gostaria de estar fazendo exatamente o que fazemos hoje, mas com ainda mais impacto e melhor qualidade. Onde será o topo? Não sabemos. Nosso objetivo é continuar evoluindo.

FC Brasil – Você lê em média 120 livros por ano. Quando começou isso, e como consegue?

Felipe Memoria – Meu foco em livros é um hábito mais recente e que exige muita disciplina. Há alguns anos percebi que, com o amadurecimento da Work & Co e o grande número de designers talentosos que temos em toda a empresa, meu papel mudou. Minha participação em projetos tendeu a focar mais na execução conceitual do que na execução e produção detalhada. Ler muito foi a forma que encontrei de contribuir mais decisivamente com os projetos.

Nossas conversas com clientes importantes também abrangem muitos setores – de bancos a museus e governos –, outra razão pela qual ter um repertório maior é importante. Entendi que ser um bom designer não era mais suficiente. Agora vejo a priorização da leitura como uma nova etapa da minha formação.

Se na primeira etapa coloquei muitas horas de prática fazendo design, agora passo as horas extras lendo. Isso significa priorização de tempo: menos redes sociais, menos notícias, menos jogos de futebol e mais livros.


SOBRE A AUTORA

Claudia W. Penteado é jornalista e escreve sobre criatividade e inovação. saiba mais