No conflito Israel-Palestina, espaço urbano é arma definitiva

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Em 21 de março, Israel, Hamas e a Jihad Islâmica da Palestina concordaram em cessar fogo para dar fim a um conflito sangrento de onze dias. Apesar da relativa quietude que se sucedeu, a violência das últimas semanas em Israel-Palestina revelou distintos fronts urbanos.

O conflito foi desencadeado no bairro de Sheikh Jarrah em Jerusalém Oriental e na Mesquita de al-Aqsa no Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém. Foram acometidas cidades israelenses de convivência religiosa mista, como Jaffa e Lod / al-Lidd, e a destruição se estendeu até Tel Aviv, onde foguetes disparados pelo Hamas foram retaliados pela força aérea israelense.

“O objetivo do governo de encorajar a expansão judaica e restringir o crescimento palestino, cada vez mais, é visto como regime de apartheid”

Grande parte da população se sentiu em uma guerra civil. Esta pesquisa demonstra como o próprio planejamento urbano é instrumento de opressão.

Em todo o território, as cidades e vilas são controladas e demograficamente projetadas pelo Estado. Isso ocorre em ambos os lados da Linha Verde (fronteira do cessar-fogo entre a Cisjordânia e Israel criada em 1949), na Faixa de Gaza e na própria Cisjordânia. O objetivo do governo de encorajar a expansão judaica e restringir o crescimento palestino, cada vez mais, é visto como regime de apartheid.

O assentamento judaico de Ariel, perto da cidade de Nablus, na Cisjordânia. (Crédito: Jack Guez/AFP/ Getty Images-Hardy)

A CIDADE MISTA

A heterogeneidade é uma condição urbana básica. O termo “cidade mista” se refere às áreas em Israel ocupadas por comunidades judaicas e árabes, sugerindo uma sociedade diversificada e bem integrada. Na realidade, entretanto, o aparato estatal ativamente dispersa as populações judaicas e desapropria os palestinos.

A separação entre residentes judeus e árabes, tanto espacial quanto socialmente, está enraizada na história geográfica de Israel.

“O aparato estatal ativamente dispersa as populações judaicas e desapropria os palestinos”

Após a Nakba (“catástrofe”) palestina em 1948, 250 palestinos foram mortos e outros 20 mil se tornaram refugiados. Cerca de 1.030 sobreviventes foram enviados para uma área marginalizada conhecida como Sakna, onde eram estritamente vigiados pela administração militar israelense.

As terras e casas palestinas foram expropriadas pelo Estado, que as redividiu e alugou para imigrantes judeus. Lod/al-Lidd é um exemplo fundamental disso. A partir da década de 1950, um plano diretor foi elaborado para mapear a demolição de áreas históricas urbanas e dar espaço a blocos habitacionais modernos, infraestrutura e serviços. Enquanto isso, as necessidades de moradia dos palestinos foram negligenciadas.

Desde os beduínos, que tiveram suas terras no Triângulo expropriadas, até os palestinos expulsos de Gaza e da Cisjordânia por colaborarem com os israelenses na guerra de 1967, diversos fluxos de povos desabrigados têm se instalado na região de Lod. Se apenas 9% da população do município era palestina na década de 1950, hoje eles representam quase 30%.

O Estado israelense, em suas tentativas de controlar o “equilíbrio demográfico”, continuou a estabelecer ativamente os imigrantes judeus na cidade, e apoia inúmeras organizações colonas que desenvolvem projetos residenciais apenas para judeus. Isso também acontece em outras cidades mistas, incluindo Jaffa.

A CIDADE DIVIDIDA

Após a guerra de 1948, Jerusalém foi dividida por um muro que separa Israel da Jordânia. Quando Israel ocupou e anexou Jerusalém Oriental em 1967, o estado iniciou um remonte territorial e demográfico.

Um grande programa de construção de bairros e assentamentos judeus se expandiu para além da fronteira da cidade. O desenvolvimento e a imigração palestina foi sufocada com uma distribuição desigual de infraestrutura (incluindo escolas, estradas e sistemas de esgoto). Hoje, Jerusalém Oriental acomoda cerca de 40% da população judaica, ante 4% no início dos anos 1970.

“O Estado israelense, em suas tentativas de controlar o “equilíbrio demográfico”, continuou a estabelecer ativamente os imigrantes judeus na cidade, e apoia inúmeras organizações que desenvolvem projetos residenciais apenas para judeus”

Até mesmo o planejamento turístico é cooptado pelo Estado israelense. Diversas propriedades palestinas foram alvo de escavações controversas que lotam de turistas. O contestado sítio arqueológico supostamente prova a presença do rei bíblico Davi, e instaurou uma indústria do turismo.

Nos bairros palestinos de Jerusalém, como Sheikh Jarrah, as disputas imobiliárias promovem a privatização e gentrificação de um projeto colonial. A violência recente foi desencadeada, em parte, pela ameaça de expulsão de famílias palestinas de suas casas em favor de políticas discriminatórias de uso da terra, decisões judiciais e estratégias de planejamento. O objetivo é manter uma sólida maioria judaica na cidade.

A CIDADE DESCONECTADA

Com os territórios ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, o território controlado por Israel torna o espaço palestino um arquipélago territorial cada vez menor, restrito por postos de controle e bloqueios nas estradas.

Desde 2007, o estado implementou um bloqueio aéreo, terrestre e marítimo, adaptando o esforço colonial para limitar o espaço palestino em um projeto de grande escala.

“Nos bairros palestinos de Jerusalém, como Sheikh Jarrah, as disputas imobiliárias promovem a privatização e gentrificação de um projeto colonial”

Gaza é uma das áreas mais densamente povoadas do planeta, com 2 milhões de habitantes, dos quais cerca de 70% são refugiados. É também uma das mais poluídas: 97% de sua água potável está contaminada por esgoto e sal. As necessidades básicas (medicamentos, combustível, alimentos e materiais de construção) estão em constante déficit. Isso se soma à destruição brutal dos recursos naturais.

O estado israelense pretende expandir, conectar e investir em espaços judaicos enquanto divide, encolhe e destrói os espaços palestinos. O planejamento urbano é usado como uma parte inerente desse esforço, projetando densidade, vulnerabilidade, separação e deslocamento na própria estrutura das áreas urbanas palestinas.


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