Testes rápidos de Covid são inviáveis para quem tem limitações visuais

Crédito: Fast Company Brasil

Elissaveta M. Brandon 5 minutos de leitura

Na noite de Natal, Brian Switzer suspeitou que ele e seu parceiro pudessem estar com Covid-19. Como Switzer é instrutor de tecnologia assistiva para surdocegos, teve que no parceiro com visão durante a realização do teste em casa. “Desembrulhar, descobrir os diferentes componentes, as instruções, como usá-lo… Tudo isso exigia que a pessoa pudesse ler o texto na caixa”, contou.

A experiência de Switzer revela uma falha gritante de design no sistema de saúde: acessibilidade não é um recurso integrado desde o início. Se os testes de Covid-19 fossem desenhados para serem usados por pessoas com baixa visão, seu design não seria útil apenas durante esta pandemia. Poderiam ser replicados em outros dispositivos de diagnóstico, como oxímetros de pulso, monitores de glicose e testes de gravidez, que também fornecem resultados por meio visual. Uma mudança nesse padrão não apenas tornaria os produtos de saúde mais inclusivos, mas também abriria as portas para uma nova clientela.

A Covid-19 deixou bem claro que os mais vulneráveis ​​correm ainda mais riscos. “Acredito piamente que o modo como uma sociedade olha para os grupos que precisam de cuidados diz muito sobre ela”, diz Bon Ku, autor de Health Design Thinking e chefe de um laboratório de pesquisa inovador na Thomas Jefferson University, onde criou o primeiro programa de design thinking em uma faculdade de medicina.

DIFICULDADES NA LEITURA

De acordo com a Federação Nacional dos Cegos, mais de 7 milhões de norte-americanos são deficientes visuais. Muitos têm condições subjacentes que os tornam mais vulneráveis caso contraiam Covid-19, incluindo câncer, diabetes e outras doenças genéticas. A maioria não conta com um local de teste nas proximidades e, portanto, o teste caseiro geralmente é a única opção disponível. Mas o modo como são projetados não os torna nada acessíveis.

Um teste rápido padrão vem com vários itens embalados individualmente e difíceis de distinguir. As instruções estão em letras miúdas. Um número exato de gotas deve ser pingado em um pequeno orifício na vareta de teste. Como se não bastasse, o resultado vem na forma de uma linha rosa clara que pode ser impossível de distinguir do fundo branco.

Alguns usam aplicativos de vídeo como o Be My Eyes e o Aira, que conectam usuários com baixa visão a pessoas que, por meio de câmeras de vídeo, podem orientá-los no processo. Porém, esses aplicativos são apenas um paliativo. Existem porque alguém projetou um produto que só funciona para pessoas sem deficiência visual, deixando as com baixa visão à margem.

Switzer diz que os aplicativos de vídeo são uma ferramenta necessária, mas que não oferecem privacidade. “O ideal seria que as pessoas com deficiência abrissem e usassem um produto do começo ao fim, sem depender da assistência de ninguém”, defende.

O IDEAL SERIA QUE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ABRISSEM E USASSEM UM PRODUTO DO COMEÇO AO FIM, SEM DEPENDER DA ASSISTÊNCIA DE NINGUÉM.

Para que pessoas com baixa visão possam usar um teste rápido sem precisar de ajuda, cada passo precisa ser repensado. De acordo com Michael Wordingham, oficial de políticas do Royal National Institute for the Blind, do Reino Unido, as instruções precisariam estar disponíveis em formatos alternativos, como em braile, em letras grandes e em vídeos explicativos com áudio. As embalagens deveriam vir com marcações e símbolos táteis, para indicar qual lado deve-se abrir primeiro. Wordingham observa que os marcadores táteis seriam ainda mais eficientes porque mais de 80% das pessoas cegas não sabem ler braile.

TESTES TÁTEIS

Desde o verão de 2020, os testes de Covid no Reino Unido estão disponíveis com instruções em braile, em áudio ou em letras grandes – o que não é o caso dos kits de teste dos Estados Unidos. Mas, na hora de pingar as gotas e de interpretar os resultados, os obstáculos permanecem os mesmos.

Não é um desafio novo. Os testes de gravidez também são de fluxo lateral. Ambos usam uma tira de papel que absorve um líquido e traduz os resultados em um padrão visual. Na maioria dos casos, uma linha significa negativo; duas linhas, positivo. Seja como for, os resultados só podem ser decifrados por indivíduos com visão.

Em 2019, o Royal National Institute of Blind People (instituição do Reino Unido que oferece informações, apoio e aconselhamento para cegos) colaborou com o designer de produtos Josh Wasserman para desenvolver um protótipo de teste de gravidez para pessoas com baixa visão. O dispositivo usa um motor operado por bateria que é ativado por uma mudança química e empurra uma saliência para fora caso o resultado seja positivo

Teste de gravidez para deficientes visuais

O RNIB tem conversado com fabricantes para desenvolver um teste tátil para Covid-19. A ideia  é empolgante, mas se o protótipo do teste de gravidez servir de exemplo, levar o produto ao mercado será um desafio. Já se passaram três anos desde que o protótipo foi criado e o teste ainda não foi fabricado.

Para Wingfield, fabricantes e empresas de saúde que não investem em produtos inclusivos perdem uma grande oportunidade de negócios. Projetar produtos mais inclusivos pode abrir as portas para mais clientes. De acordo com um relatório de 2020, pessoas com deficiência em todo o mundo controlam mais de US$ 13 trilhões em renda anual.

 

INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Colocar teste acessível no mercado pode levar muito tempo. Enquanto isso, em vez de redesenhar o teste real, os designers podem retrabalhar a forma como os resultados são traduzidos. David Janka é designer e professor na Stanford’s d.School. Ele sugere que pode haver uma maneira de aproveitar o menu de acessibilidade do smartphone, que vem com uma série de elementos sensoriais, como vibrações e sons. O teste rápido permaneceria o mesmo e as pessoas com baixa visão usariam um dispositivo separado, provavelmente o celular, para interpretar os resultados.

 O fato é que os produtos de saúde em geral precisam com urgência ser mais inclusivos. Para que isso aconteça de forma consistente, a acessibilidade precisa ser incorporada desde o início em qualquer projeto de saúde pública. Para Mike Wordingham, isso se estende da maneira como nos comunicamos sobre saúde pública nas mídias sociais à forma como projetamos produtos. 


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais