Um efeito positivo da pandemia: escritórios que respiram!

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No escritório da Lehrer Architects, com sede em Los Angeles, as paredes geralmente são vazadas. Localizado nas colinas perto do reservatório de Silver Lake, o escritório foi reformado no início dos anos 2000 e possui grandes portas de garagem, além de janelas que podem se abrir para expor totalmente o escritório ao ar fresco. Nos dias em que o tempo está bom, o que ocorre com frequência em L.A., as estruturas das portas da garagem são levantadas e permanecem abertas. É como se em um lugar tão agradável e arejado como esse as paredes pudessem muito bem desaparecer 

“Você trabalha em um mar de ar fresco, o que contribui para a sua saúde física e psíquica”, diz Michael Lehrer, o fundador da empresa.

(Crédito: Lehrer Architects LA)

Esse tipo de combinação interno-externo e a inserção de elementos ao ar livre têm sido recorrentes nos designs arquitetônicos de Lehrer em LA ao longo dos anos. Para um ginásio no Templo Stephen Wise, ele projetou uma parede com janelas de 30 metros de comprimento que se abrem na lateral. Para o Architecture and Design Institute (Instituto de Design e Arquitetura), ele desenhou portas duplas de vidro que criam salas de aula ao mesmo tempo internas e externas. “Visto que estamos no sul da Califórnia, se você não fizer algo assim aqui, não quero dizer que está cometendo um crime, mas está quase cometendo um crime”, brinca ele. “Se você não pode ou não consegue fazer algo aberto em um lugar onde o clima é tão bom, então algo realmente está muito errado.”

Agora, depois de quase dois anos de uma pandemia global que se propaga principalmente pelo ar, as estratégias arquitetônicas para manter o ar fresco em espaços interiores estão deixando de ser uma tendência de design típica de LA e se tornando um verdadeiro imperativo da saúde pública. Cada vez mais, o ar fresco e a ventilação estão sendo priorizados na forma como os edifícios são projetados e reformados. Ou seja: um dos legados arquitetônicos mais significativos da pandemia é que os edifícios estão começando a respirar novamente. No trabalho de Lehrer, cada vez mais os clientes estão exigindo as grandes aberturas e os acessos de ar fresco pelos quais ele se tornou famoso – e que vem projetando há mais de 15 anos. “São poucos os projetos em que não existe essa possibilidade”, diz Lehrer.

Um fluxo de ar melhor e sistemas de ventilação mais seguros estão sendo integrados em edifícios novos e antigos. Na cidade de Nova York, um prédio comercial histórico da década de 1930 acaba de passar por uma reforma completa de seu interior por um preço de quase US $ 150 milhões. A renovação do edifício McGraw-Hill, no centro de Manhattan, incluiu um ajuste completo da ventilação antipandêmica, mostrando que mesmo os edifícios mais antigos podem se adaptar a mudanças conjunturais.

330 West 42nd (Crédito: MdeAS Architect)

Projetado pelo renomado arquiteto Raymond Hood e concluído em 1931, o edifício de 35 andares – que Ayn Rand chamou de “o edifício mais bonito de Nova York” –  apresenta revestimento verde que se torna azul em seus andares superiores, e a coroa, uma placa impressionante de 3,3 metros de altura com o nome do prédio em letras no estilo Art Déco, em terracota (embora a empresa McGraw-Hill tenha deixado o prédio na década de 1970, seu nome permaneceu como uma parte indelével da identidade do edifício). Reconhecida como um marco histórico na cidade e até mesmo do país, a fachada do edifício protegido foi preservada, enquanto o interior foi transformado em modernos espaços de escritórios. Controversamente, a renovação levou à demolição de um saguão de estilo retrô que muitos preservacionistas queriam salvar.

A renovação, que foi liderada pela Resolution Real Estate Partners e concluída em setembro do ano passado, apresenta um sistema de fluxo refrigerante variável resfriado à água e com um serviço de ar externo dedicado – essencialmente, trata-se de um mecanismo de ventilação supereficiente, que puxa uma grande quantidade de ar fresco filtrado para direcioná-lo apenas onde for necessário.

Embora o projeto estivesse em andamento desde antes do início da pandemia, a realidade de um vírus letal propagado pelo ar levou a mudanças na maneira como a Resolution Real Estate Partners pensava em trazer o ar para dentro do prédio e fazer com que ele circulasse ali dentro. “Antes da COVID, o que estávamos projetando baseava-se na flexibilidade de operação e na economia para os novos inquilinos. Mas quando a COVID chegou, tivemos que ajustar o projeto para obter o máximo de ar fresco possível”, explicou Gerard Nocera, sócio-gerente da Resolution Real Estate Partners.

330 West 42nd (Crédito: Ivor Creative)

Em vez de um sistema HVAC tradicional, que conta com resfriadores de grande escala no telhado do edifício que controlam o fluxo de ar para grupos de andares inteiros, o novo sistema pode enviar ar resfriado ou aquecido diretamente para salas específicas, reduzindo o ar compartilhado em escritórios inteiros. Portanto, quando um escritório está sendo usado em um sábado, por exemplo, o prédio pode enviar ar resfriado apenas para aquela sala, em vez de precisar atender a três ou quatro andares quase vazios.

É uma maneira mais eficiente de controlar a temperatura do ar em um ambiente de escritório notoriamente frio e desconfortável. É também a melhor maneira de limitar a quantidade de ar que passa de uma sala para outra, antes de ser sugado de volta para o sistema de filtragem. “Você pode literalmente resfriar uma parte do escritório de cada vez e respirar ar fresco em cada uma delas”, diz Erik Caiola, diretor de construção da Resolution Real Estate Partners, que trabalhou na reforma.

(Crédito: Resolution Real Estate Partners)

Para flexibilidade adicional, a reforma também manteve intactas as janelas operáveis ​​que correm em anéis horizontais ao redor do edifício, fiéis ao design original da década de 1930 de Raymond Hood e que, é claro, antecederam o advento do ar-condicionado. Nocera diz que a pandemia reanimou o interesse entre os inquilinos em poder esticar o braço e simplesmente abrir uma janela, em vez de depender de um sistema de ar centralizado. “Eu realmente acho que o futuro dos edifícios de escritórios vai voltar àquilo que Hood havia feito originalmente aqui. Em vez de a aparência exterior do edifício ser coisa mais importante, a funcionalidade interior está novamente se tornando o foco”, diz ele

330 West 42nd (Crédito: Ivor Creative)

Algumas das maiores empresas do mundo endossam essa tendência. Em novos escritórios surgidos nos Estados Unidos, as empresas estão demandando que seus arquitetos se desprendam do paradigma de caixas lacradas com ar-condicionado, e que abracem novamente o luxo simples de poder abrir uma janela. Em São Francisco, a recém-concluída sede da Uber, projetada pela SHoP Architects, apresenta muitas janelas operáveis ​​e um espaço semi-interior totalmente ventilado ao longo de suas laterais frontais, o que cria um espaço arejado para os trabalhadores se encontrarem e transitarem de andar em andar.

Outras grandes empresas também adotaram as janelas funcionais como ​​uma parte essencial de suas carteiras imobiliárias. Quando a Amazon finalizou o projeto do conjunto de novos edifícios para sua segunda sede em Arlington, na Virgínia, foram necessárias janelas que abrissem. A porta-voz da Amazon, Allison Flicker, disse que haverá “milhares” de janelas operáveis ​​nos novos edifícios, que agora estão em construção. “Desde anos antes da Covid-19 a Amazon vem construindo janelas de verdade ​​em seus edifícios, porque acreditamos que esses recursos ajudam nossos funcionários a se conectar melhor com a natureza em um ambiente de escritório”, diz Flicker. Isso inclui quatro de seus edifícios em Seattle, onde a empresa afirma ter mais de 6.000 janelas funcionais.

A pandemia é provavelmente mais um fator que reforça esse interesse renovado, mas também é uma motivação poderosa para repensar o design, argumenta Lehrer. “A Covid nos ensinou a importância do ar fresco, do movimento do ar e da continuidade entre espaços internos e externos. Também nos ensinou a importância do espaço em si”, diz ele.

Projetar espaços que não sejam apenas saudáveis, mas que sejam também ambientes onde as pessoas gostem de estar, é o objetivo final de Lehrer. Ele espera que a pandemia esteja levando outros arquitetos – e os clientes que os contrataram – a perceber os múltiplos benefícios de um melhor fluxo de ar e de ventilação.

“Deus me livre fazer isso apenas baseado em razões estéticas e sensoriais… No mínimo, é importante pensarmos nessas soluções para não ficarmos doentes”, defende Lehrer.


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