Eventos meteorológicos extremos: a culpa é da mudança climática?

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Chuva torrencial e enchentes deixaram rastros de destruição em comunidades ao redor do mundo nesse verão. Os últimos foram no Tennessee, onde informações preliminares mostram um recorde de 430 mm de chuva em 24 horas, transformando riachos em rios que inundaram centenas de casas e mataram, ao menos, 18 pessoas.

Muitas pessoas estão perguntando: foi mudança climática? Responder a essa pergunta não é tão simples.

Sempre houve episódios de clima extremo, mas o aquecimento global causado pelos seres humanos pode aumentar sua frequência e  severidade. Por exemplo: pesquisas mostram que atividades humanas como queimar combustíveis fósseis estão inevitavelmente aquecendo o planeta, e a  física básica ensina que ar quente pode reter umidade.

Uma década atrás, cientistas não eram capazes de ligar com confiança nenhum evento meteorológico à mudança climática, mesmo que as tendências mais amplas da mudança climática fossem claras. Hoje, estudos de atribuição de causalidade podem mostrar se eventos extremos foram afetados por mudanças climáticas ou se eles podem ser explicados somente por variabilidade natural. Com os avanços rápidos de pesquisa e o aumento do poder de processamento dos computadores, a atribuição de eventos extremos tornou-se um novo ramo em expansão da ciência do clima.

A mais recente pesquisa em atribuição, publicada em 23 de agosto, observou as tempestades europeias que mataram mais de 220 pessoas, causando enchentes que varreram Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Holanda em julho de 2021.

Um time de cientistas climáticos e o grupo World Weather Attribution analisaram a tempestade recorde, chamada de Bernd, focando em duas das áreas mais afetadas. A análise descobriu que a mudança climática induzida pelo homem tornou uma tempestade daquela severidade entre 1,2 e 9 vezes mais provável do que teria sido em um mundo 1,2 grau Celsius mais frio. O planeta aqueceu pouco mais de 1 grau Celsius desde o início da industrial.

Estudos similares ainda não foram conduzidos em relação à tempestade do Tennessee, mas é provável que sejam feitos.

Então, como cientistas descobrem isso?

COMO FUNCIONAM OS ESTUDOS DE ATRIBUIÇÃO?

Como cientista atmosférico, estive envolvido em estudos de atribuição. O processo normalmente envolve quatro passos.

O primeiro passo é definir a magnitude e a frequência do evento baseado em dados observacionais. Por exemplo, as tempestades de julho na Alemanha e na Bélgica quebraram recordes por uma grande margem. Os cientistas determinaram que, no clima de hoje, uma tempestade daquelas provavelmente ocorreria em média a cada 400 anos na região.

O segundo passo é usar computadores para rodar modelos climáticos e comparar os resultados desses modelos com os dados observacionais. Para ter confiança no resultado do modelo climático, ele precisa ser capaz de realisticamente simular tais eventos extremos no passado e representar com precisão os fatores físicos que os ajudam a acontecer.

O terceiro passo é definir a linha de base do ambiente sem mudança climática – essencialmente criar uma versão virtual da Terra como se nenhuma atividade humana tivesse aquecido o planeta – e depois rodar os mesmos modelos de clima novamente.

As diferenças entre o segundo e o terceiro passos representam o impacto da mudança climática causada por humanos. O último passo é quantificar essas diferenças na magnitude e frequência do evento extremo, usando métodos estatísticos.

Por exemplo, nós analisamos como o Furacão Harvey, em agosto de 2017, e o padrão único de clima interagiram entre si para produzir uma tempestade recorde no Texas. Dois estudos de atribuição descobriram que a mudança climática causada pelo homem aumentou a probabilidade do evento em aproximadamente três vezes, e aumentou a precipitação do Harvey em 15%.

Outro estudo determinou que o extremo calor do ocidente da América do Norte no final de junho de 2021 seria virtualmente impossível sem a mudança climática causada pelo homem.

A onda de calor extrema no Noroeste do Pacífico em junho de 2021 levou temperaturas mais de 27 graus acima do normal a algumas áreas. [Foto: NASA Earth Observatory]

QUAL A EFICÁCIA DOS ESTUDOS DE ATRIBUIÇÃO? 

A precisão de estudos de atribuição de causalidade é afetada pelas incertezas associadas a cada um dos quatro passos listados acima.

Alguns eventos se prestam melhor a determinados tipos de estudos de atribuição. Por exemplo, nas medições de longo prazo, dados de temperaturas são mais confiáveis. Nós entendemos como as mudanças climáticas causadas pelo homem afetam as ondas de calor melhor do que como afetam outros eventos extremos. Modelos climáticos também costumam ser habilidosos para simular ondas de calor.

E mesmo para ondas de calor, o impacto de mudanças climáticas causadas pelo homem na magnitude e na frequência pode ser bem diferente, como no caso extraordinário da onda de calor na parte ocidental da Rússia, em 2010. Naquela ocasião, percebeu-se que mudanças climáticas tiveram um impacto mínimo na magnitude, mas um impacto substancial na frequência. Também podem haver importantes diferenças nos métodos que sustentam os estudos de atribuição.

No entanto,  é possível tomar decisões para o futuro sem ter todas as certezas. Até porque para planejar um churrasco no quintal, não é preciso estar a par de todas as informações meteorológicas. 


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