Milho e óleo de cozinha podem reduzir a pegada de carbono da aviação

Mas outros desafios ainda precisam ser superados

Crédito: Imagens e Moldes

Candelaria Bergero e Steve Davis 5 minutos de leitura

Muitas das maiores companhias aéreas se comprometeram a zerar suas emissões líquidas de carbono até meados do século para combater as mudanças climáticas. Esta é uma meta ambiciosa, que exigirá um enorme investimento em combustíveis de aviação sustentáveis (SAFs, na sigla em inglês). Mas apenas isso não será suficiente, segundo nossas pesquisas mais recentes.

A ideia de aviões a jato movidos por combustível feito de óleo de cozinha usado ou milho pode parecer futurista, mas a verdade é que não está tão distante assim.

Várias companhias aéreas já estão testando o uso de SAFs,

a indústria ainda precisará investir na captura e armazenamento de carbono para compensar as emissões que não podem ser eliminadas.

incluindo biocombustíveis feitos de resíduos agrícolas, árvores, milho e óleo de cozinha. Também estão experimentando combustíveis sintéticos, feitos de carbono capturado do ar e hidrogênio verde, produzido com energia renovável. A maioria deles pode ir direto para os tanques das aeronaves e substituir os combustíveis fósseis para aviação.

A United Airlines, que usa uma mistura de óleo de cozinha usado ou gordura residual e combustíveis fósseis em alguns voos para a Europa, anunciou este mês uma parceria com empresas de biocombustíveis para alimentar 50 mil voos por ano usando combustíveis à base de etanol até 2028.

Em um novo estudo, examinamos diferentes opções para que o setor da aviação atinja emissões líquidas zero e avaliamos como as viagens aéreas poderiam deixar de contribuir para as mudanças climáticas.

Resumindo: cada uma das opções tem seus próprios obstáculos e exigem compensações. Substituir o combustível fóssil para aviação por alternativas sustentáveis será crucial, mas a indústria ainda precisará investir na captura direta e armazenamento de carbono para compensar as emissões que não podem ser eliminadas.

CENÁRIOS PARA O FUTURO

Em 2019, antes da pandemia, o setor da aviação representava cerca de 3,1% do total das emissões globais de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis, e as distâncias percorridas aumentavam a cada ano.

Além de emitir carbono, a queima de combustível de aviação produz fuligem e vapor de água, conhecidos como “rastros”, que contribuem para o aquecimento global. Isso é algo que ocorre mesmo com SAFs.

Além disso, a aviação é um dos setores da economia mais difíceis de descarbonizar. Pequenos aviões elétricos e aeronaves movidas a hidrogênio estão sendo desenvolvidos, mas voos longos com muitos passageiros provavelmente só serão possíveis daqui a décadas.

Desenvolvemos e analisamos nove cenários abrangendo uma variedade de demandas de passageiros e carga, intensidade energética e intensidade de carbono para explorar como a indústria pode atingir emissões líquidas zero até 2050.

Nove cenários ilustram quanto carbono teria que ser retirado para se atingir a meta de zero emissões. Cada cenário começa com as emissões de 2021 (equivalente a 1,2 gigatoneladas de CO2). Com demanda crescente e sem otimização, seria necessário capturar uma grande quantidade de carbono. O uso de menos combustíveis fósseis e a desaceleração da demanda reduziriam o volume de carbono a ser capturado. (Crédito: Candelaria Bergero)

Descobrimos que até 19,8 exajoules de SAF podem ser necessários para que todo o setor zere suas emissões líquidas de CO2. Mas, com algumas melhorias, é possível reduzir esse número para apenas 3 exajoules (uma medida de energia). Para contextualizar, isso é o equivalente a quase todos os biocombustíveis produzidos em 2019.

Voar menos e melhorar a eficiência energética, como pousos “planados” mais eficientes, que permitem que os aviões aterrissem sem precisar manter os motores ligados durante todo o processo, podem ajudar a reduzir a quantidade de combustível necessária.

Mas, mesmo em nossos cenários mais otimistas, a aviação ainda precisaria de cerca de 3 exajoules de SAF.

COMPENSAÇÕES AINDA SÃO NECESSÁRIAS

Adotar amplamente biocombustíveis na aviação é mais fácil na teoria do que na prática. Seriam necessários cerca de 300 milhões de hectares de terra para cultivar e transformar a colheita em combustível – aproximadamente 19% das terras agrícolas em todo o mundo.

Outro desafio é o custo. O preço médio do combustível fóssil para aviação é de cerca de US$ 3 por galão (3,8 litros); já o custo para produzir biocombustíveis costuma ser o dobro.

Realisticamente, atingir emissões líquidas zero provavelmente também dependerá da remoção de dióxido de carbono.

Em um futuro semelhante ao de hoje, aproximadamente 3,4 gigatoneladas de dióxido de carbono teriam que ser capturadas do ar e armazenadas – bombeadas no subsolo, por exemplo – para que a aviação conseguisse zerar suas emissões líquidas. E isso pode custar trilhões de dólares.

Para que essas compensações sejam efetivas, a remoção de carbono também teria que seguir um critério de elegibilidade robusto e ser permanente. Hoje, isso não ocorre nos programas de compensação de companhias aéreas. Eles se concentram em compensações baratas e não permanentes, como aquelas que envolvem projetos de gestão e conservação florestal.

Nossa avaliação presume que os SAFs não emitem CO2. No entanto, as matérias-primas para esses combustíveis têm emissões de ciclo de vida, incluindo fertilizantes, agricultura e transporte.

Atualmente, a American Society for Testing Materials estabelece um limite máximo para misturas: até 50% de combustíveis sustentáveis podem ser misturados ao combustível convencional para aviação nos EUA, embora as companhias aéreas estejam testando o uso com até 100% na Europa.

COMO SUPERAR OS OBSTÁCULOS FINAIS

Uma menor demanda ajudaria a reduzir a dependência de SAFs, mas o mais provável é que ela aumente no futuro. As melhorias de eficiência ajudarão a diminuir a quantidade de energia necessária para alimentar o setor da aviação, mas não a eliminarão.

Ampliar a produção de combustível sustentável pode diminuir seus custos. Cotas, como as introduzidas no pacote de propostas “Fit for 55” da União Europeia; subsídios e créditos fiscais, como os da Lei de Redução da Inflação dos Estados Unidos; e um imposto sobre o carbono podem contribuir para isso.

No entanto, além da captura de carbono, será necessário um sistema internacional de responsabilização mais robusto para garantir que sejam feitas compensações para os impactos não relacionados ao CO2.

Se esses obstáculos forem superados, o setor da aviação poderá atingir emissões líquidas zero até 2050.

Este artigo foi republicado de The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Candelaria Bergero é doutoranda em ciência do sistema terrestre e Steve Davis é professor de ciência do sistema terrestre, ambos na Un... saiba mais