Os animais mitológicos do capitalismo podem salvar a Amazônia

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Unicórnios são animais raros, mas os investidores experientes sabem descobrir onde eles fazem seus ninhos. Já foram buscá-los no Vale do Silício, em Xangai, em Israel. Agora que a emergência climática bate à porta, e fundos gigantescos como o BlackRock avisam que o futuro é ESG (Environmental, Social and Governance), tudo indica que deve surgir um novo ninho deles – desta vez na Amazônia. A teoria econômica avisa que, se um negócio simplesmente faz muito sentido, mais cedo ou mais tarde ele vai acontecer. E o roteiro do planeta, nesse momento, indica aos empreendedores e investidores que devem olhar para o potencial da Amazônia da mesma maneira com que olham para os outros viveiros de startups.

Unicórnios não nascem a qualquer momento. Eles são filhotes de uma virada cultural ou tecnológica. A primeira geração de startups bilionárias – sim, Amazon e Google já foram startups – nasceu quando os consumidores começaram a se conectar a web. A geração mais recente, com Uber, Rappi e Airbnb, nasceu com a adoção massiva dos smartphones. Pois há uma nova virada acontecendo, a do cidadão verde. Ele consome produtos e serviços sustentáveis. Investe em fundos que adotam critérios de sustentabilidade. E adota marcas com imagem ambiental positiva como componentes de sua própria identidade. Isso tudo vai ter efeitos, e quem não quiser vender para esses consumidores, nem oferecer serviços a eles, não é obrigado. Só precisa saber que alguém vai vender.

“A Amazônia só existe aqui, na América no Sul. Seria possível dizer que ela é praticamente brasileira, mas na prática países vizinhos têm aproveitado muito melhor esse branding do que nós”

E essa tendência começa pelos países ricos. Uma pesquisa no Reino Unido mostrou que 43% dos consumidores consideram que as credenciais ambientais de um produto são importantes para eles – e 34% já disseram que costumam pagar mais por produtos ambientalmente corretos. O estudo, feito pela empresa de energia E.ON, mostrou que essa tendência se amplificou desde o início da pandemia. Pesquisa do banco suíço UBS, em abril, mostrou que os consumidores de todo o mundo estão dispostos a pagar em média 9% a mais por um produto se ele for ecológico. No Brasil, esse percentual sobe para 11%.

Empresas que viram unicórnios são empresas que possuem um MTP (massive transformational purpose, ou propósito de transformação massiva, numa tradução livre). O da Tesla, por exemplo, é “acelerar a transição do mundo para a energia sustentável”. Pois bem, a Amazônia é um ecossistema ideal para o cultivo de empresas com esse tipo de conceito. A economia convencional enxergava na floresta apenas um enorme ativo imobilizado (madeira, minério, água, etc). A nova economia, que busca inovação disruptiva, consegue ver na biodiversidade e na riqueza cultural da região um potencial muito maior. Uma fonte enorme de inovação para fintechs, agtechs e biotechs, entre outras techs.

Um dos pontos que caracterizam os vencedores na corrida dos unicórnios é ser único. E a Amazônia só existe aqui, na América no Sul. Seria possível dizer que ela é praticamente brasileira, mas na prática países vizinhos têm aproveitado muito melhor esse branding do que nós. O pesquisador Salo Colovsky, em um estudo sobre a Amazônia Legal, descobriu que o país com a maior área de selva tropical do planeta tem um market share de apenas 0,17% do mercado de produtos compatíveis com a floresta. Um bolo que hoje é de US$ 200 bilhões, e só cresce. Ainda não estamos falando em produtos sofisticados derivados da biodiversidade. São itens banais como pimenta do reino, que o Vietnã, do tamanho do Maranhão, vende cinco vezes mais do que o Brasil, abocanhando um terço do mercado global.

A trilha para os unicórnios está ligada a marcas com mais personalidade e DNA amazônico. Por enquanto ainda há pouca gente explorando essa trilha, fora algumas empresas de cosméticos e os gringos que perceberam antes dos brasileiros que o açaí poderia virar uma moda mundial. O potencial vai muito além disso. O ex-ministro Joaquim Levy, agora no Banco Safra, calculou recentemente que cada hectare de floresta vale US$ 10 mil apenas fazendo o trabalho de ficar de pé – em projetos de compensação de carbono. Startups como a Global Forest Bond estão desbravando esse mercado. Outra startup, a Amazonia Hub, pretende apresentar alimentos da região para os consumidores do Sul-Sudeste e do exterior. Outros tantos empreendedores ajuntam boas ideias e produtos inovadores enquanto aguardam os investidores.

Depende do governo? Tomara que não. O agronegócio brasileiro explodiu por conta da inovação e do empreendedorismo da iniciativa privada, em um mercado que sempre sofreu horrores com problemas de crédito estatal e infraestrutura. Seus principais players, hoje, são vozes importantes na preservação do meio ambiente e se arrepiam com os desmatadores e as barbeiragens do governo federal, que comprometem o trabalho de décadas em busca de soluções e mercados.

Uma revolução semelhante pode estar no horizonte da Amazônia, num ecossistema que junta startups, empresas consolidadas, ONGs e venture capital para atender uma demanda imensa. Afinal, a outra característica dos unicórnios é que os investidores identificam neles o potencial de gerar uma demanda explosiva e – mesmo se perderem dinheiro no início – começar rapidamente a gerar muito dinheiro. Essas condições estão à vista no planeta onde os EUA elegem Joe Biden e os mercados preveem movimentar US$ 650 bilhões apenas em papéis “verdes” até o final do ano.


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