Apenas 14% dos brasileiros estão mudando para consumo mais sustentável

Estudos da Kantar mostram que há lacunas entre o que o consumidor deseja e como ele efetivamente age

Crédito: Fast Company Brasil

Rafael Farias Teixeira 7 minutos de leitura

O cenário econômico brasileiro tem afetado como os brasileiros se comportam na hora de consumir, e não só na hora de buscar o melhor preço e economizar. A inflação nos preços dos bens de consumo massivo tem sido uma barreira na adoção de comportamentos de consumo mais sustentáveis.

Este ano, os consumidores estão menos engajados na causa do que em anos anteriores e ficam abaixo da média global nesta questão. Os preços têm forçado as pessoas a fazer escolhas para conseguir equilibrar o orçamento. Assim, elas acabam deixando de lado a preocupação com produtos sustentáveis, em geral mais caros.

Duas pesquisas recentes da Kantar, empresa global de pesquisas e insights, revelam as causas por trás dessas mudanças. Segundo o Sustainability Sector Index 2022 (Índice do Setor de Sustentabilidade 2022), 99% dos brasileiros declaram que querem ter um estilo de vida sustentável, mas apenas 14% estão realmente mudando o comportamento.

As razões para essa disparidade? Cerca de 75% querem fazer mais pelo planeta, mas o alto custo de vida os impede e 43% dizem não saber onde encontrar produtos sustentáveis, nem quais hábitos adotar para ajudar mais.

“Ainda existe muita falta de informação e os preços são muitas vezes inacessíveis para o consumidor conseguir ser mais sustentável”, afirma Maura Coracini, diretora de mídia e digital da divisão insights da Kantar.

QUEM SE IMPORTA?

Outro estudo da Kantar Who Cares, Who Does?, mostra que, até 2021, o engajamento em temas e causas sustentáveis estava otimista, em nível global, mas avançando com menos força na América Latina. O Brasil sempre esteve abaixo dessa média e hoje a diferença é ainda maior.

O estudo divide os consumidores em três grupos de relação com o meio ambiente:

EcoDismissers – têm pouco ou nenhum interesse pelos desafios ambientais e não estão fazendo nada para mudar essa postura.

EcoConsiderers – tomam algumas medidas para reduzir seu impacto ambiental.

EcoActives – trabalham constantemente para diminuir os níveis de resíduos plásticos e para proteger o meio ambiente.

Este ano, pela primeira vez, os EcoActives estão em declínio e os EcoDismissers estão aumentando. Esse movimento vem acontecendo em todos os países, sendo a maior queda na Espanha. No Brasil de 2022, há pessoas engajadas na questão do meio ambiente do que em 2021 e 2019.

Cerca de 75% querem fazer mais pelo planeta, mas o alto custo de vida os impede.

Os EcoActivesrepresentam atualmente apenas 5% dos consumidores, três pontos percentuais a menos do que em 2021 e 2,8 a menos do que em 2019. Já os EcoConsiderers são 16%, uma queda de 6,4 pontos em relação ao ano passado e de 8 pontos em comparação com 2019.

A marca dos que têm pouco ou nenhum interesse pelo tema chegou a 80% este ano, um salto de 10,5 pontos percentuais em relação a 2021 e 12 pontos percentuais em relação a 2019.

Mais de metade dos entrevistados acham mais difícil agir de forma sustentável por causa de outras questões sociais ou financeiras, mostrando o peso da questão econômica para um consumo mais sustentável.

PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES

Segundo o Índice do Setor de Sustentabilidade, dentre os17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU, a poluição da água e o trabalho infantil são as principais questões com as quais os consumidores acreditam que as empresas devam se preocupar.

No Brasil, quatro das cinco principais preocupações são sociais, sendo que a precariedade do trabalho, a pobreza e a violência estão presentes como principais questões.

Ainda existe muita falta de informação e os preços são muitas vezes inacessíveis para o consumidor conseguir ser mais sustentável.

Mas não para por aí. O controle do desperdício está no topo da agenda dos consumidores. Eles esperam que as empresas de 24 dos 38 setores encontrem soluções para embalagens em excesso e não recicláveis, aterros sanitários, consumo excessivo e resíduos.

A descarbonização aparece em segundo lugar: as companhias em 15 dos 38 setores são altamente associadas de forma negativa com pegada de carbono e emissões de gases do efeito estufa.

O estudo Who Cares, Who Does? revela ainda que as preocupações do consumidor também envolvem atividades cotidianas. Muitos alegam se preocupar em comprar produtos mais sustentáveis, com embalagens que respeitam o meio ambiente (54,6%) ou recicláveis (48,7%) e produzidos localmente (43,2%). Ainda assim, menos de 30% tomam atitudes efetivas sobre plásticos em suas compras. 

Mesmo com muitas informações disponíveis, a reciclagem de embalagens ainda é mal compreendida pelo consumidor: cerca de 40% não sabem como descartar resíduos em casa por não entender as etiquetas ou não encontrar as informações nas embalagens.

O QUE AS MARCAS PODEM FAZER?

Maura, da Kantar, concorda que a falta de informações prejudica a adoção de comportamentos mais conscientes dos consumidores. “As marcas precisam facilitar esse acesso – remover as barreiras e fricções que impedem essa escolha do consumidor – de forma que seja significativa essa mudança de comportamento e, ao mesmo tempo, recompensadora”, diz.

O consumidor, por sua vez, está atento ao que as marcas fazem. Segundo o Who Cares, Who Does?, quase metade dos entrevistados (46%) concorda que empresas só se preocupam com lucro e as ações ecológicas são apenas ferramentas de marketing. Mas 43,4% dos brasileiros conseguem associar a sustentabilidade a alguma marca.

Aquelas com históricos bem construídos conseguem se destacar, sustentando a performance de anos anteriores. As mais lembradas pelos consumidores por suas ações sustentáveis foram, nesta ordem: Natura, Omo, Ypê, O Boticário, Nestlé, Avon, Coca Cola, Johnson & Johnson, Unilever, Brilhante e Sadia.

“Criamos um índice de sustentabilidade e estamos monitorando a evolução das marcas em relação a ESG. Marcas que apresentaram alta performance no nosso Índex de Sustentabilidade do BrandZ cresceram 31% em valor versus 2021”, afirma Maura.

Fonte: Índice de Sustentabilidade BrandZ 2022/ Kantar

COMO MENSURAR INICIATIVAS EM ESG?

Mesmo com todos os possíveis resultados positivos, muitas marcas ainda têm problema para analisar de forma eficiente suas ações em ESG.

“Basicamente, o mercado tem enxergado que os consumidores querem ter ciência da origem dos produtos e estão dispostos a pagar mais por isso. Mas, de maneira geral, a maioria das empresas brasileiras ainda não medem essas iniciativas em ESG”, afirma Tiago Brasil, sócio-fundador do Greentech América Latina (programa que incentiva o desenvolvimento e aplicação de tecnologias de impacto ambiental positivo) e da plataforma digital Greentech Business, criada para unir empreendedores e startups que oferecem soluções tecnológicas e inovadoras de impacto ambiental.

Segundo ele, apenas um terço das 500 maiores empresas do Brasil são capazes de medir isso de forma efetiva. No entanto, o número das que querem analisar essas iniciativas de forma mais detalhada cresce a cada dia. “Isso é um ponto de partida para começarem a estruturar seus planos de ação e orientar suas iniciativas”, afirma.

quase metade dos entrevistados concorda que empresas só se preocupam com lucro e as ações ecológicas são apenas ferramentas de marketing.

Para conseguir esse tipo de resultado, as marcas devem alinhar seu negócio e propósito com suas ações. “Elas precisam, antes de tudo, ouvir seu mercado alvo e entender quais são os pontos de convergência entre esses anseios e o que de fato entregam como solução, para que sejam efetivas na liderança dos assuntos relativos à sustentabilidade em seu posicionamento”, diz Ana Meneguini, fundadora da ITM, consultoria especializada na criação de estratégias de posicionamento para marcas.

Ela completa que é melhor começar pequeno e ir aprendendo com as experiências e resultados obtidos do que querer resolver tudo de uma vez. “Escolha alguns pontos de sustentabilidade para chamar de seus, crie planos de ação efetivos para se tornar voz ativa e eficiente na entrega de resultados palpáveis e torne a educação um dos principais pilares do plano”, aconselha.

A fundadora da ITM também recomenda ter um profissional dedicado a ESG, ligado a uma área de governança estratégica. “É um assunto muito importante, que inclusive gera retorno financeiro e que pede dedicação específica para desdobrar todos os benefícios que pode gerar, tanto internamente quanto para o mercado.”

Além disso, a sustentabilidade se torna uma ótima oportunidade para o surgimento de negócios disruptivos. “No passado, o tema era sempre associado a leis e obrigações. Porém, atualmente, as empresas de tecnologia sustentável têm enxergado oportunidades de negócios e ganhos que são bons, não somente para a empresa, quanto para o consumidor que pede esse tipo de produto”, afirma Tiago Brasil.

“Essas empresas têm tido rápido crescimento por atuarem em nichos que não são bem atendidos e por trazerem soluções que resolvem os problemas de sustentabilidade das organizações, ao mesmo tempo em que suprem as demandas que os consumidores desejam. Além de cumprir a lei, essas empresas estão atendendo as necessidades e tendências do consumidor.”


SOBRE O AUTOR

Rafael Teixeira Farias tem mais de 14 anos de carreira em jornalismo e marketing digital, além de sete livros de ficção já publicados. saiba mais