Consultorias de diversidade mudam o jogo para profissionais LGBTQIA+

De palestras temáticas a conversas estratégicas, a evolução da conversa sobre a população LGBQIA+ no mundo profissional pode ser ainda mais rápida

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Camila de Lira 5 minutos de leitura

O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, comemorado em 28 de junho, convida as empresas a olharem para a diversidade. E não, não estamos falando das marcas que estão colocando o arco-íris nos avatares das redes sociais.

A diversidade e a inclusão reais acontecem nos bastidores, ao longo do ano e dependem de trabalhos que vão desde educar as pessoas até mudar estratégias inteiras da empresa. No Brasil, o movimento está sendo puxado por consultorias de diversidade que crescem em número e também em desafios a enfrentar.

As aflições do mercado mudaram desde 2005, indica Ricardo Sales, fundador e CEO da Mais Diversidade. Quando ele começou o trabalho da consultoria – que se tornou a maior do tipo na América Latina –, a preocupação era abrir caminho para que os profissionais LGBTIA+ conseguissem “sair do armário” em suas empresas.

Hoje, a questão que desafia as empresas é entender sobre identidade de gênero, além de criar estratégias para atrair mais profissionais diversos. “Antes era necessário explicar o be-a-bá nas empresas. Hoje em dia, as maiores já têm metas e compromissos públicos sobre diversidade”, lembra Sales.

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Pesquisa feita pelo Instituto Ethos mostrou que 59% de 200 das maiores companhias do Brasil fazem censo interno periodicamente, com análise e recorte de gênero, identidade de gênero, raça e orientação sexual.

MUDANÇA CULTURAL

A visão da liderança sobre o que a diversidade traz para o negócio também mudou. De acordo com Gabriela Augusto, fundadora e CEO da Transcendemos, em 2017 ainda era necessário um tempo para “convencer” executivos sobre a importância de se falar sobre o tema LGBQIA´+ na empresa.

“As grandes empresas deixaram de perguntar o porquê e passaram a perguntar como”, resume Gabriela. A advogada criou a Transcendemos com o objetivo de aumentar a entrada de pessoas trans no mercado. As demandas cresceram no sentido de ações estratégicas não só para contratar, como também reter profissionais trans.

Maira Reis (Crédito: Divulgação)

O processo ainda está engati- nhando. Cada pessoa trans contratada é motivo de comemoração e já é uma semente plantada nas empresas.

A fundadora da camaleao.co, Maira Reis, conta que uma gigante de eletrodomésticos recentemente utilizou os serviços de recrutamento LGBTQIA+. Logo após a contratação da profissional trans, a empresa também fez palestras para preparar os funcionários para a chegada da nova colega.

“A diversidade é uma estratégia de mudança cultural, o que implica mudar a mentalidade das pessoas”, comenta Maira. A executiva lidera mentorias para profissionais LGBTQIA+, para aliados e para líderes inclusivos.

À frente da Nohs Somos, o CEO e cofundador Hottmar Loch também apoia a ampliação da rede de aliados e o compartilhamento das vivências entre pessoas diferentes. 

A consultoria de Loch é responsável pelo projeto Bar de Respeito. A plataforma começou mapeando estabelecimentos amigáveis à comunidade LGBTQIA+. Com parceria da Ambev, o projeto passou a ser um espaço para treinar funcionários de bares e restaurantes visando tornar os ambientes mais seguros para o público diverso.

ALÉM DE JUNHO (E DAS BIG TECHS)

O crescimento das consultorias de diversidade e a procura das grandes empresas não significa, nem de longe, que a equidade profissional em relação a pessoas LGBTQIA+ já foi atingida.

Levantamento feito entre novembro de 2020 e abril de 2022 pela consultoria Santos Caos revelou que 65% dos profissionais LGBTQIA+ brasileiros já sofreram discriminação no ambiente de trabalho.

A percepção é de que as companhias falam mais do que fazem quando o assunto é diversidade. “É preciso ir além da superficialidade das ações”, aponta Sales.

Não adianta falar de diversidade apenas no mês de junho, sem focar nas atividades ao longo do ano. Para o criador da Mais Diversidade, o conselho serve para o mercado de trabalho e para as consultorias, que devem sair das palestras “temáticas” e investir em serviços mais complexos.

Hottmar Loch (Crédito: Divulgação)

A Transcendemos foi fundada por Gabriela Augusto em 2017 e, num primeiro momento, oferecia palestras sobre o bê-a-bá do LGBTQIA+. A procura aumentou e, entre 2018 e 2019, a companhia passou a oferecer soluções de consultoria estratégica. Este ano, a empresa de Gabriela se lançou em um caminho diferente: a certificação.

Chamado “Empresa de Respeito”, o certificado da Transcendemos é também uma plataforma de avaliação, análise e apoio contínuo em diversidade e inclusão. “O Empresa de Respeito é uma forma de manter o tema da diversidade vivo o ano todo, não só em junho”, aponta a executiva.

A Nohs Somos, por exemplo, faz coletas de dados, construção colaborativa e estruturação de grupos de afinidade. O acompanhamento contínuo e as trilhas de aprendizado fazem parte dos trabalhos da consultoria, com foco em acompanhar os impactos das ações de diversidade nas companhias.

“Quando a gente fala sobre inclusão, falamos de vivência, pertencimento. E isso só acontece com a troca constante”, fala Loch.

TODAS AS BANDEIRAS

A expansão do trabalho das consultorias para novas localidades é um dos desafios no Brasil. Garantir o acesso de pequenas e médias empresas ao tema da diversidade é outra questão nevrálgica para o avanço da população LGBQIA+ no mercado de trabalho, diz Sales.

Maira Reis considera que o desafio para esse público não está somente na vida profissional. A questão da habitação, por exemplo, é um ponto a ser considerado. A consultora lembra que, muitas vezes, pessoas da comunidade LGBTQIA+ são expulsas de casa. “Tudo isso impacta a busca de vagas”, afirma.

Para ela, o próximo passo é ter consciência de que a diversidade não se trata apenas de criar vagas afirmativas, mas de apoiar o crescimento da pessoa em todas as áreas. “Nem sempre as mudanças acontecem na velocidade que a gente quer. O importante é manter o passo, manter o ritmo e manter a luta”, diz Sales.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais