Não, não estamos vivendo a era de ouro das teorias da conspiração

Crédito: Fast Company Brasil

Mark Sullivan 3 minutos de leitura

Antivacinas em cargos públicos. Apoiadores do QAnon em conselhos escolares. A se julgar pelas notícias, estamos vivendo uma “era de ouro das teorias da conspiração”.

Só que, talvez, não.

Um novo estudo da Jigsaw (unidade do Google dedicada à previsão e enfrentamento de ameaças digitais) mostra como as teorias da conspiração, na verdade, continuam nos mesmos patamares de antes. O que mudou foi a distribuição e a proliferação – a tecnologia e as plataformas online que ampliam o foco em “verdades que estão lá fora” e em teorias conspiratórias que, na verdade, circulam por aí há um bom tempo.

De fato, o nível médio de crença nesse tipo de coisa, nos Estados Unidos, pouco mudou – se é que mudou – nos últimos 65 anos, segundo a pesquisa.

Teorias da conspiração sempre foram um dos passatempos favoritos dos norte-americanos. Como o historiador Richard Hofstadter documentou em 1965, no livro “The Paranoyde Style in American Politics” (O Estilo Paranoico na Política Americana, em tradução livre), elas em geral envolvem estrangeiros se intrometendo no chamado “estilo de vida americano”, ou católicos querendo impor o poder de Roma sobre os Estados Unidos, ou maçons, ou intrigas de cubanos, ou serviços de inteligência.

NOS ESTADOS UNIDOS, O NÍVEL MÉDIO DE CRENÇA NESSE TIPO DE COISA POUCO MUDOU NOS ÚLTIMOS 65 ANOS.

Não quer dizer que teorias da conspiração sejam algo inofensivo. O FBI passou a considerá-las um tipo de ameaça terrorista doméstica, pela primeira vez, em 2019, mais de um ano e meio antes de milhares de cidadãos invadirem o Capitólio (sede do Legislativo norte-americano) por acreditarem na tese de que Donald Trump teria sido o verdadeiro vencedor da eleição de 2020.

O PAPEL DAS REDES SOCIAIS

Citando pesquisa do cientista político Joseph Uscinski, da Universidade de Miami, o relatório da Jigsaw afirma que, ao longo dos últimos 10 anos (período para o qual há dados de pesquisas disponíveis), o nível médio de pensamento conspiratório – ou seja, a tendência a ver motivos ocultos por trás de eventos globais – permaneceu estável.

No geral, cerca de 30% dos americanos tendem a concordar fortemente, ou de forma consistente, com afirmações do tipo “boa parte de nossas vidas é controlada por esquemas criados secretamente”.

O que mudou, é claro, foi a tecnologia. Ideias periféricas, que antes ficavam à margem das discussões, agora são amplamente difundidas e debatidas.

“Em vez de uma explosão de novas crenças, a tecnologia pode estar dando mais visibilidade a ideias sem maior repercussão que sempre circularam entre as pessoas”, diz o relatório da Jigsaw. “Mesmo que a crença em teorias da conspiração não estivesse mais disseminada, a internet, e a mídia social, em particular, mudaram fundamentalmente o modo como essas ideias se desenvolvem e se espalham.”

REDE DE INTRIGAS

Antes, teorias da conspiração e ideias do gênero eram divulgadas apenas por livros obscuros, programas de rádio transmitidos nas madrugadas e palestras “alternativas”. Para os crédulos, dava um certo trabalho encontrar pessoas que pensassem iguais a eles. As redes sociais mudaram esse quadro.

Agora, qualquer um pode ser um criador ou disseminador de conspirações. As plataformas sociais permitem que se encontre rapidamente usuários em outras cidades, estados ou países que apoiam essas ideias. Quando milhares (ou milhões) dessas pessoas se reúnem em fóruns como 8chan ou em grupos do Facebook, fica parecendo que se trata de um movimento de grandes proporções. Isso torna mais fácil de engolir até as teorias mais malucas.

IDEIAS PERIFÉRICAS, QUE ANTES FICAVAM À MARGEM DAS DISCUSSÕES, AGORA SÃO AMPLAMENTE DIFUNDIDAS E DEBATIDAS.

A questão é por que tanta gente quer acreditar nessas ficções. Os pesquisadores não têm como saber exatamente o que as pessoas estão pensando quando curtem ou compartilham esses conteúdos. Alguns psicólogos supõem que, quando veem que não têm força para mudar o que gostariam, elas encontram um tipo de conforto ao acreditar em conspirações.

Decidem, então, deixar de lado a ciência e a mídia tradicional e passam a fazer “suas próprias pesquisas” sobre assuntos como a pandemia e a eleição “fraudada” de 2020. Assim, sentem que estão fazendo alguma coisa porque acreditam ter descoberto uma verdade secreta que quase ninguém mais sabe.

É como diz Judy, uma ex-adepta das teorias da conspiração, entrevistada pelos pesquisadores da Jigsaw: “Eu queria sentir que estava fazendo algo de bom. Queria ser parte da solução”.


SOBRE O AUTOR

Mark Sullivan é redator sênior da Fast Company e escreve sobre tecnologia emergente, política, inteligência artificial, grandes empres... saiba mais