É preciso problematizar o olhar único para o eixo Rio-São Paulo

Não há um reconhecimento das potências brasileiras, seus repertórios e o quanto a pluralidade enriquece projetos

Créditos: Claudio Ventrella/ Krittiraj Adchasai/ iStock

Felippe Guerra 3 minutos de leitura

Estamos condicionados a ver os grandes centros, como o Rio de Janeiro e São Paulo, como um fio condutor de possibilidades. Logo, todas as tendências, comportamentos e hábitos de consumo são pensados apenas para esses gigantes, assim como há o pensamento de que é só nesses territórios que residem grandes talentos. 

Leblon e Faria Lima, por exemplo, são os locais mais almejados pelas empresas. Afinal, são eles que abrigam grandes negócios com alto capital de giro, alta lucratividade e distintas conexões com marcas e estratégias. Portanto, ascende a premissa de que, para se destacar, você precisa circular por esse meio e tudo que está fora desse eixo não é tão enriquecedor quanto. 

Essa é a linha de pensamento até a chegada do verão e do carnaval. Agências do Rio e de São Paulo descentralizam os seus olhares e passam a prestar atenção em diversas cidades do Nordeste como um alto potencial de negócio.

Salvador, por exemplo, torna-se o nome do momento e, então, de repente, nascem projetos que evidenciam a cultura local, sua música e pratos típicos. O Pelourinho torna-se palco para projetos inovadores, nunca pensados. 

No entanto, o amor destinado à Bahia tem prazo de validade, assim como as contratações de mão de obra que vem dessa região. Deixo aqui três pontos que podem chamar a atenção das marcas e empresas o ano inteiro, para além do carnaval: a cultura afro- brasileira, sua criatividade e os diversos profissionais que acabam saindo de Salvador para brilhar e serem vistos em outras cidades. 

Ensaio do Olodum em Salvador (Crédito: Roberto Viana/ Agecom/ Wikimedia Commons

Infelizmente, a falsa visibilidade se estende a outras regionalidades do Nordeste, pouco faladas e vistas, mas que guardam dimensões cada vez mais catalisadoras e disruptivas quando pensamos em negócios. A real é que as marcas e empresas não querem e não estão prontas para de fato sair do eixo Rio-SP.

Isso significa que não há um reconhecimento das potências brasileiras, seus repertórios e o quanto a pluralidade enriquece projetos. Este último é constantemente mal interpretado. Por exemplo, ao olhar para o Nordeste uma única vez ao ano, principalmente e apenas em datas comemorativas, compreende-se que marca X é diversa e é este o tipo de respaldo esperado por ela, pois assim a isenta de sair da caixa novamente. Pelo menos não em um curto espaço de tempo, esquecendo que diversidade é um passo contínuo. 

O exemplo acima é um comportamento comum de marcas que estão fazendo algum esforço para interagir com a potência das diferentes brasilidades, mas sem consistência. A “sãopaulização” do mercado, sobretudo o da comunicação, sempre perde ao não considerar outras narrativas desse Brasil tão rico e grande. 

A real é que as marcas e empresas não querem e não estão prontas para de fato sair do eixo Rio-São Paulo.

Outro ponto que sempre gosto de ressaltar é que as agências e marcas não conseguem sair de suas bolhas e conhecer outros pólos de criatividade. As marcas são feitas por pessoas que só investem naquilo que elas vêem e conhecem. E elas não conhecem o Brasil real – em sua maioria, feminino e não branco. 

 A crítica não é aos grandes centros, mas sim a essa hierarquia, que coloca outras regiões como preteridas. Fomos doutrinados pela TV a ver só beleza e riqueza nos signos vindo desses lugares.

São pelo menos 40 anos (quase a vida toda de quem está na liderança das grandes empresas) vendo o Leblon e a avenida Paulista como referência. Isso gera um comodismo e, inevitavelmente, a perda de grandes oportunidades. É hora de virar a chave e pular do barco. 

Crédito: Afropunk

Eu, como um apaixonado pelos Brasis, entendo que não é fácil lidar com um mercado que até aplaude novos aportes, mas não os contrata. Que admira as distintas potencialidades, mas não investe dinheiro naquilo que está sendo produzido.

Tenho, há alguns anos, me colocado na linha da frente dessa descentralização. Um case que gosto de trazer é o do Afropunk. Estive, com a Brasis, na cobertura do festival e foi um exemplo e experiência das riquezas e “disruptividades” que nascem na Bahia.

Você, enquanto marca/ empresa, já deu um giro por aí?


SOBRE O AUTOR

Felippe Guerra é CEO da Brasis,, holding de comunicação voltada à construção de projetos conectados ao Brasil real e aos grupos sub-re... saiba mais