Timoni West: “O metaverso é imprevisível”

Crédito: Fast Company Brasil

Mark Sullivan 7 minutos de leitura

Timoni West já pensava e falava sobre computação espacial e realidade mista desde muito antes de Mark Zuckerberg pronunciar pela primeira vez em público a palavra metaverso. A empresa em que ela trabalha, a Unity Software, é referência no desenvolvimento gráfico de jogos, mas também atende às indústrias do cinema, da animação e da arquitetura. Como vice-presidente de realidade aumentada (RA) e realidade virtual (RV), West é responsável por garantir que a plataforma Unity ofereça as ferramentas e integrações que os desenvolvedores precisam para criar as experiências de realidade mista que imaginam. À medida que os desenvolvedores forem descobrindo o que o metaverso significa para eles, muitos provavelmente usarão as ferramentas 3D em tempo real da Unity para construí-lo.

Pedi que West me ajudasse a entender o impulso atual da indústria em direção à computação espacial e que me explicasse como a Unity está respondendo a isso.

Provavelmente ainda vai demorar um pouco até que aqueles óculos estilosos de realidade aumentada se popularizem. Mesmo assim, parece que as pessoas já estão investindo pesadamente nesse universo. Fazem sentido a energia e a excitação atuais?

Uma coisa que faço com frequência é voltar a ler textos antigos sobre como as pessoas pensavam a tecnologia no passado. No fundo, eles quase nunca erraram. Um dos meus exemplos favoritos é um artigo antigo chamado “Será que a superestrada da informação será a morte do varejo?” (Will the Information Superhighway be the Death of Retailing?). O autor imagina um futuro em que “às vezes você ficará online e terá um assistente virtual para ajudá-lo a comprar mercadorias usando um computador em rede”. Foi exatamente o que aconteceu. Mas a maneira como isso havia sido imaginado na época ainda era uma colagem estranha de padrões existentes, só que em cima de novas tecnologias.

É claro que temos uma forma completamente diferente de fazer compras online. Ninguém precisa caminhar literalmente por corredores virtuais. Você só abre uma página para pesquisar. Creio que, agora, estamos tentando imaginar o que vamos ser capazes de fazer com essa tecnologia tão empolgante. Estamos tentando ampliar o entendimento do que a Web3 pode significar, do que a “imersão” pode significar, e fazendo apostas sobre se vai ser assim ou assado. Mas não vai. Será algo completamente diferente. É particularmente difícil prever. E é nesse ponto que estamos.

Pense em como nos encontramos, hoje, em espaços virtuais e as tentativas de emplacar avatares realistas. Esse é um ótimo exemplo de algo que em 20 anos já não será do jeito que estamos fazendo agora. 

Nas chamadas do Zoom, você está em uma janela, eu estou em uma janela. Nem pensamos mais nisso, é parte da vida diária para os dois. Em  “Blade Runner” (filme de 1982), já se faz videochamada de um bar, mas ainda é preciso ir a uma cabine telefônica para fazer a ligação. Acertaram  que faríamos chamadas de vídeo, mas estavam errados sobre como faríamos isso.

Meu palpite é que acontecerá com o metaverso algo parecido com a internet, onde existem protocolos que permitem aos usuários transitem entre diferentes espaços virtuais, da mesma forma passamos  de um site a outro. Minha preocupação é que essa visão não esteja alinhada com os interesses das pessoas que vão financiar esse desenvolvimento.

Acho que vamos passar exatamente pelo que a internet já passou. Lembra que no início dos anos 1990 todos ganhavam CDs da AOL? Aí você entrava e se via dentro de um jardim cercado. Aqui está a sua sala de bate-papo, o seu e-mail, o seu portal para a internet, e não havia outra forma de acessar a rede. Vamos acabar passando por isso de novo. E acho que, como da última vez, esse modelo vai implodir. Se todas as empresas estão alocando  recursos para obter sua fortaleza específica e para garantir que possam gerar receita, o metaverso ficará grande demais para qualquer uma delas  e meio que vai explodir novamente. As pessoas esperam que as coisas sejam abertas. Elas vão ficar irritadas, não vão querer que o mundo funcione assim [em um modelo fechado], por mais conveniente que seja.

Ou seja, se eu decidir pagar US$ 600 por algum dispositivo “vestível” de realidade mista, não querer usá-lo apenas  no  metaverso de uma empresa.

Pelo bem da inovação, ninguém quer isso! E tudo bem. Grandes inovações, excelente design, ótimas experiências do usuário, novos tipos de aplicativos… Tudo isso está brotando em todo lugar.

ACHO QUE [NO METAVERSO] VAMOS PASSAR EXATAMENTE PELO QUE A INTERNET JÁ PASSOU.

É interessante observar, em termos econômicos, a mudança na forma como as pessoas passaram a priorizar conteúdos e não aplicativos. Aí, tudo mudou para assinatura. O Adobe Creative Cloud é uma assinatura no setor de softwares, assim como a Netflix o Hulu e a Disney Plus são assinaturas de streaming. O mesmo está acontecendo no mundo dos games, com a Microsoft comprando a Activision e a Sony PlayStation comprando a Bungie. Ambas estão tentando ativamente desenvolver esse [serviço] de streaming, porque querem construir um acervo de conteúdo realmente grande. É o mesmo tipo de estratégia que estamos vendo com programas de TV e filmes.

Mas isso também se aplica a muitas coisas que estão em realidade virtual. Como afetará as pessoas que criam jogos ou aplicativos de realidade virtual ou outros tipos de experiências? E como isso se encaixa na ideia de um metaverso aberto, que inclua não apenas jogos, mas lugares para frequentar, ou qualquer espaço social específico de realidade virtual? Como aplicativos de convivência como esse se encaixam em um mundo onde tudo é streaming? Ou serão independentes e a pessoa pagará uma taxa mensal apenas pelo acesso a eles, como no Zoom? Não tenho uma resposta fechada, só acho essas perguntas interessantes.

Talvez a questão seja: quantos tipos de serviços podem ser empacotados em uma assinatura? Quantos serviços de experiência de realidade virtual são complementares a um modelo de streaming?

Exatamente. No fim das contas, a questão é, novamente: como isso vai funcionar se quisermos um metaverso aberto?

Não parece que vai funcionar muito bem se tivermos que arcar com o custo de várias assinaturas.

E em qual [espaço virtual] vamos todos nos encontrar? Você está pagando por este espaço, mas não por aquele. Uma coisa legal é que já dá para prever que haverá um grande espaço para novos atores entrarem e fazerem um trabalho realmente interessante, que unirá todos os diferentes atores nesses espaços.

A CONEXÃO CRIPTO

Se a Unity é uma das ferramentas que ajudarão a construir o metaverso, e se a moeda for uma criptomoeda, então a empresa está em uma posição na qual precisa começar a formar uma filosofia ou uma estratégia em torno do blockchain e da moeda digital?

Isso é algo que temos discutido bastante. Ainda não poderia dizer qual é a posição oficial da Unity, mas há alguns pontos de interseção diferentes aqui. Primeiro, obviamente, há a economia potencial desse universo, que não podemos ignorar porque ela afeta diretamente nossa comunidade de desenvolvedores. Há também o fato de que muitos de nossos usuários querem usar a Unity como uma ferramenta para isso, então não podemos ignorá-los. E, é claro, há preocupações sobre como isso poderia nos ajudar a participar desse novo ecossistema? Cada vez tenho menos certezas, mas seríamos tolos se não pensássemos e falássemos sobre isso.

FICO EMPOLGADA COM OS INVESTIMENTOS EM TECNOLOGIAS QUE PODEM RASTREAR MOVIMENTOS E QUE FAZEM VOCÊ SENTIR QUE ESTÁ EM UM MUNDO REAL E DIFERENTE.

A computação em realidade mista, quando a experiência do usuário pode ser intercalada em qualquer lugar do mundo à sua frente, será muito diferente da maneira como estamos acostumados agora, com pequenas telas?

Uma coisa que me deixa empolgada são os investimentos em tecnologias que podem rastrear seu movimento, que parecem sistemas digitais centrados em objetos e que fazem você sentir que está em um mundo real e diferente. Os computadores estão caminhando para se tornar meios onde uma pessoa pode ficar [confortável] muito rapidamente em comparação com equipamentos que temos hoje, estáticos e planos. É como o período de crescimento da adolescência – partir de computadores ruins que são usados ​​por algumas pessoas, ou que exigem muito esforço para aprender a usar, e chegar a um tipo de computação mais humano. Estamos ainda na fase do “tudo é caro, pesado e não funciona tão bem”. Mas dê mais 20 anos e uma boa dose de investimentos e creio que preencheremos essa lacuna e chegaremos à próxima era da computação.

Esta entrevista foi editada para maior clareza e concisão.


SOBRE O AUTOR

Mark Sullivan é redator sênior da Fast Company e escreve sobre tecnologia emergente, política, inteligência artificial, grandes empres... saiba mais