5 perguntas para Kim Loeb, cofundador da Um Minuto de Sua Atenção
Você tem um minuto para ler esta matéria? Ou para acompanhar esta frase? Pode parecer pouco, mas pesquisas mostram que o tempo de atenção médio da população caiu de pouco mais de dois minutos nos anos 2000 para 47 segundos atualmente.
A popularidade de telas e smartphones nesse período não foi uma mera coincidência, mas um fator que justifica a redução da nossa atenção. E é aí que entra o trabalho de Kim Loeb, cofundador da Um Minuto de Sua Atenção.
O projeto quer criar um alerta sobre a “economia extrativista da atenção”, um modelo de abordagem que tomou conta do mercado digital, que coloca o tempo que os usuários passam no aplicativo como a métrica mais importante.
Para atingir esses objetivos, as companhias de tecnologia usam conhecimentos neurocientíficos e inteligência artificial para extrair o máximo da atenção do usuário.
Loeb, junto com a Maun Studio, colocou no ar o site Um Minuto de Sua Atenção com objetivo de recuperar, segundo a segundo, o nosso olhar das telas.
FC Brasil – O “Um Minuto de sua Atenção” parte do conceito da economia extrativista da atenção. O que este termo significa na prática?
Kim Loeb – A atenção é um dos recursos mais essenciais que temos. Mozart não poderia compor sem atenção, Shakespeare não escreveria suas peças, Einstein não chegaria na teoria da relatividade. Atenção é concentração e foco, mas vai muito além disso. Atenção nos permite ser atenciosos e atentos. Isso influencia relacionamentos, presença e autoconhecimento.
A economia da atenção considera este recurso valioso por influenciar o consumo: outdoors, televisão, rádio, jornais… A competição por audiência e maximização da atenção captada é antiga e há gerações lidamos com isso. Porém, quanto mais essa economia se desenvolve, mais difícil se torna, para nós, estarmos em total controle de nossa atenção.
a simples presença do smartphone, mesmo desligado e virado para baixo, consome a atenção, impactando negativamente o desempenho em testes cognitivos e de memória.
A partir do momento em que há personalização de experiência, notificações intrusivas, incontáveis testes A/B, anúncios de micro segmentação, machine learning, IA, elementos neurobiológicos manipulados e poderosos algoritmos para engajamento, chegamos a um ponto no qual as máquinas operam e trazem “soluções” que nem mesmo os cientistas que as criaram conseguem entender. É nesse contexto que vivemos um ponto de virada: a economia da atenção vira a economia extrativista da atenção.
A economia extrativista da atenção se apropria de tecnologias avançadas e conhecimentos neurocientíficos para capturar a atenção dos usuários de forma intensiva, visando extrair o máximo desse recurso.
Essa abordagem vai além do simples monetizar da atenção, ela busca criar uma dependência. Estamos vivenciando apenas o começo dessa virada, com consequências ainda nebulosas para nós como indivíduos e como sociedade.
FC Brasil – De 2004 para cá, o tempo médio que as pessoas conseguem prestar atenção em algo passou de 2,5 minutos para 47 segundos. Quais são as outras consequências da economia extrativista da atenção?
Kim Loeb – Rebaixamento humano é o nome que damos à junção das consequências do extrativismo da atenção. A queda no tempo de atenção é apenas um dos efeitos.
Há outras consequências bem documentadas em áreas como desenvolvimento infantil, saúde mental, autoestima e autoimagem, relacionamentos, como também nas mais coletivas, como aumento de desinformação, intolerância, extremismo e autoritarismo.
Citando apenas alguns exemplos: pela primeira vez, observa-se que os filhos apresentam QI inferior ao dos pais. Em relação à autoimagem, estudos indicam que quanto mais tempo você passa no Instagram, maior a probabilidade de desenvolver distúrbios alimentares. E em apenas três anos, quadruplicou o número de pacientes se submetendo a cirurgias plásticas para parecerem melhor nas redes sociais.
No âmbito da cognição, até a simples presença do smartphone, mesmo desligado e virado para baixo, consome a atenção, impactando negativamente o desempenho em testes cognitivos e de memória. No nosso site listamos mais dessas consequências junto com fontes bem documentadas.
FC Brasil – O tempo que a audiência passa nos aplicativos é considerado um indicativo de performance e também baliza as interações de produto. Quais seriam os novos formatos para repensar este ciclo de inovação?
Kim Loeb – Essa é uma métrica que faz total sentido dentro da economia da atenção. Porém, observamos que, em certos momentos, ela pode estar desalinhada do bem-estar social, especialmente do próprio cliente/ usuário. Portanto, a maximização desta métrica potencializada por tecnologias poderosas inevitavelmente vai gerar consequências negativas para a sociedade.
Uma possibilidade, talvez utópica, seria pensar em métricas de sucesso alinhadas ao bem-estar do cliente, incorporando simultaneamente "métricas de fracasso" para avaliar externalidades a serem contidas.
Por exemplo: considere uma escola que deseja adotar uma plataforma edtech para o ensino de inglês para crianças. Se essa edtech tivesse todo o poder tecnológico de plataformas como Meta ou TikTok para maximizar a aprendizagem, poderíamos potencialmente obter resultados incríveis no ensino do idioma.
Rebaixamento humano é o nome que damos à junção das consequências do extrativismo da atenção. A queda no tempo de atenção é apenas um dos efeitos.
No entanto, a escola precisaria ter cuidado para garantir que essa plataforma não se tornasse tão viciante a ponto de promover o sedentarismo ou a dessocialização entre seus alunos. Nessa lógica, as empresas poderiam até manter as métricas de sucesso atuais, desde que, ao mesmo tempo, se atentem para conter possíveis efeitos colaterais com métricas de fracasso.
Sendo realista, não acredito que a saída estrutural esteja alinhada à maximização do lucro com as regras atuais. Temos que ver o rebaixamento humano como questão de saúde pública, com grandes semelhanças com má alimentação, obesidade, cigarros ou vício em jogos de azar.
Podemos também encarar nossa atenção como recurso vital humano similar a recursos naturais – da mesma forma que discutimos sustentabilidade ambiental, devemos discutir sustentabilidade “atencional”.
FC Brasil – Embora seja uma questão que precisa ser resolvida de forma sistêmica, o indivíduo também pode atuar para quebrar a “economia extrativista da atenção”. O que as pessoas podem fazer para “proteger” a sua atenção do extrativismo?
Kim Loeb – Há algumas boas práticas, como nunca levar o celular para dentro do quarto para impedir que seja a primeira coisa que façamos ao acordar e a última antes de dormir. Ter intencionalidade muito clara para si no uso de cada tecnologia, lembrar a todo momento o que queremos da plataforma ao entrar nela.
Evitar multitasking – estudos indicam que aumenta o estresse e diminui a produtividade. É como dirigir com um tanque furado, pois parte da atenção vai para as tarefas em stand by.
Encontrar substitutos ricos para ocupar o tempo, especialmente incorporando atividades que gerem flow – um estado de atenção de imersão total e envolvimento profundo em uma atividade, geralmente criativa, quando desafio e desempenho estejam pareados. Ter um convívio físico com relacionamentos profundos e significativos é uma grande armadura contra dependências de telas.
Todas essas são dicas que considero valiosas, mas acredito que dificilmente darão conta de combater o extrativismo. Há dois grandes pontos a serem considerados: a tecnologia evolui em ritmo exponencial, enquanto ainda temos os mesmos cérebros paleolíticos. Se a intenção do extrativismo é capturar a atenção, a tendência é que isso eventualmente avance sem resistência significativa.
O segundo ponto é: considerando a hipótese de que você consiga, individualmente, se “proteger”, isso poderia implicar em grandes perdas sociais e exclusão de certos círculos ou oportunidades.
Podemos encarar nossa atenção como recurso vital humano, similar a recursos naturais.
Além disso, você ainda sofreria consequências do coletivo: tentar conversar com um cônjuge mas ele está imerso na tela ou testemunhar passivamente o aumento de desinformação, extremismo e autoritarismo.
O principal que um indivíduo pode fazer para “proteger” sua atenção é se informar sobre o assunto do extrativismo da atenção e disseminar a discussão. Esta é uma questão sistêmica e só poderá ser combatida com um nível maior de coordenação.
Precisamos levar essa discussão para a esfera do cotidiano, da família, do trabalho, da cultura e da política.
FC Brasil – Agora, queremos um minuto da sua história: em que momento surgiu o “clique” para prestar atenção no extrativismo da atenção?
Kim Loeb – Ao trabalhar com conteúdo audiovisual, me incomodava o que, por falta de definição melhor, eu chamava de "mundo barulhento": o excesso de pings, flashes e buzzes, notificações, mensagens, estímulos visuais e sonoros, músicas, posts, conteúdo etc. Na minha visão, estamos cultivando uma crescente incapacidade de nos manter a sós com nós mesmos, de encarar o ócio, a reflexão e a contemplação.
Queria incentivar o “silêncio”, mas, ao trabalhar com conteúdo, especificamente infantil, eu não estaria somando ao acúmulo de estímulos que está nos sobrecarregando? O "barulho" seria um fator intrínseco da indústria cultural ou até da cultura em si? Me perguntava como seria possível fazer parte da mudança. Como criar o vácuo, o silêncio, a pausa, a contemplação e a reflexão?
Após muito tempo correndo em círculos, me deparei com o podcast da ONG Center for Humane Technology e esse foi meu “clique”. Me deparei com nomes muito mais apropriados que “mundo barulhento” para esses conceitos e percebi que os incômodos não eram pessoais, faziam parte de uma questão maior.
No meio de uma enxurrada de conteúdos que trazem mais barulho, que nos distraem ou nos anestesiam da realidade, há também o conteúdo que nos desperta, nos chacoalha e provoca reflexão. Percebo hoje a importância da cultura e da tecnologia como ferramentas de construção de caminhos alternativos.
Por meio de conteúdo e plataformas, somos capazes de espalhar ideias, reavaliar valores, comportamentos individuais e comunitários, até construir pressão política para mudanças sociais em maior escala.