Marie Kondo admite a própria bagunça – e fica ainda mais famosa

Admitir suas falhas fez com que Marie Kondo se tornasse mais querida pelo público e expandiu sua marca para além da arrumação e organização

Crédito: Merve Ozkaya/ iStock

Rob Walker 4 minutos de leitura

A princípio, parecia que Marie Kondo havia manchado profundamente uma das marcas pessoais de maior sucesso da última década. De acordo com um artigo do “Washington Post”, a autora, estrela da Netflix, empresária e especialista em organização, admitiu em uma entrevista para promover seu último livro que, desde o nascimento do terceiro filho, havia “meio que desistido” de manter a casa sempre arrumada.

Para muitos, a confissão soou quase como uma negação de tudo o que a própria marca representava. Foi como a Patagônia anunciando que “desistiu” do meio ambiente, ou a Nike dizendo "não faça" (just don't do it).

O comentário atraiu a atenção da mídia e gerou debates nas redes. Afinal, ela é a “rainha da organização”, a mesma pessoa cujo best-seller “A Mágica da Arrumação” descreve um estilo de vida cheio de alegria e promete: “é fácil, uma vez que você aprende como colocar sua casa em ordem.”

Marie Kondo: a rainha da arrumação diz ter "meio que desistido" de manter a casa em ordem

É claro que houve alguns comentários sarcásticos nas redes sociais sobre não ser “tão fácil assim no fim das contas”. Até que surgiu uma legião de fãs defendendo a autora com mensagens de apoio, que faziam os críticos parecerem grosseiros e mesquinhos.

Rapidamente, a narrativa mudou. Ela deixou de ser vista como hipócrita e passou a ser uma figura com quem as pessoas podiam se identificar – uma versão ainda mais cativante da imagem que sempre teve.

Em certo sentido, pode-se dizer que Marie Kondo atraiu para si toda essa repercussão negativa. Mas, no fim das contas, ela deu a volta por cima.

Em vez de ridicularizar Marie Kondo por ter uma casa não-tão-perfeitamente-arrumada com três filhos, as pessoas poderiam ver sua vulnerabilidade como mais uma prova de que a vida é assim mesmo e nosso ritmo e nossas ideias não são sempre os mesmos

“Ela admitiu uma falha”, pondera Lucian James, estrategista que trabalha com pessoas de destaque no entretenimento e nos negócios. “As falhas humanizam. Se você parece perfeito, as pessoas vão buscar maneiras de provar o contrário, procurando por erros e defeitos. Mas ao admitir uma falha, você cria um vínculo.” 

É uma variação do chamado "Efeito Defeito”, que consiste em revelar falhas para um público (ou cliente) no início, para que todo o resto do seu desempenho (ou produto) se torne mais confiável.

O ator Bill Hader, por exemplo, revelou errar intencionalmente suas falas ao anunciar apresentações ao vivo. “Isso acaba com a rigidez da perfeição, então todos podem relaxar, você e o público.”

DANDO A CARA A TAPA

Admitir falhas funciona melhor quando você assume a liderança. E foi isso que Marie Kondo fez ao reconhecer que, às vezes, a organização não é tão importante. Seu comentário pode não ter sido premeditado ou calculado, mas teve um efeito semelhante e parece se encaixar na trajetória da marca.

Se você parece perfeito, as pessoas vão tentar provar o contrário. Ao admitir uma falha, cria-se um vínculo.

Seu livro mais recente se chama “Kurashi em Casa: Como Organizar Seu Espaço e Alcançar Sua Vida Ideal”. Kurashi é um conceito japonês sobre passar o tempo da melhor forma possível. É mais do que arrumação: trata-se de descobrir a alegria na rotina.

No caso dela, isso evidentemente tem mais a ver com a valorização dos filhos do que com a obsessão por uma casa arrumada. “Minha casa está bagunçada”, admitiu a autora durante a entrevista. “Mas a forma como estou passando meu tempo é a mais certa para mim neste momento, nesta fase da minha vida.”

Assim, admitir uma “falha” acabou se tornando uma oportunidade de ampliar seu apelo. Como muitas marcas “aspiracionais”, sua visão positiva de manter tudo sempre arrumado claramente atraiu muita gente, mas muitas vezes acabou sendo uma frustração para elas devido à dificuldade de seguir um estilo de vida tão "certinho".

PERFEITAMENTE IMPERFEITOS

Em seu primeiro livro, Marie Kondo afirma que muitos “não se importam” com arrumação. “Essas pessoas nunca leriam este livro’, escreve ela. “Você, por outro lado, foi levado pelo destino a lê-lo, e isso significa que provavelmente tem um forte desejo de mudar sua situação atual, de redefinir seus hábitos, de melhorar seu estilo de vida, de ser feliz, de brilhar.”

Intencional ou não, a confissão fez com que as pessoas se identificassem e aproximou ainda mais o público.

Acredito que todos nós aspiramos ser felizes e brilhar. E a marca Kondo está, presumivelmente, aberta a esse público maior. Sua declaração a tornou mais acessível: não apenas para os poucos “levados pelo destino”, mas para quase todo mundo.

Em uma época na qual as pessoas tentam mostrar que têm vidas perfeitas no Instagram, que melhor maneira de ser acessível do que admitir, quer dizer, anunciar a imperfeição?

“Falhas se tornaram algo tão raro no nosso mundo cheio de ‘perfeição’ que estão se tornando uma espécie de superpoder. Para Marie Kondo, este é um posicionamento de marca totalmente novo e inesperado”, aponta James.

Ter uma imagem aparentemente perfeita foi fundamental para a ascensão da autora. Mas também se tornou um fator limitante, já que parecia fora de alcance.

Seja intencional ou por acidente, a confissão contundente de uma falha em sua personalidade anteriormente imaculada fez com que as pessoas se identificassem e a aproximou ainda mais do público. “Ela é como nós. Então, podemos ser como ela.”


SOBRE O AUTOR

Rob Walker assina Brended, coluna semanal sobre marketing e branding. Também escreve sobre design, negócios e outros assuntos. saiba mais