Criar ‘em bando’ é resistir


Cristina Naumovs 4 minutos de leitura

Estava devendo essa coluna, posterguei, procrastinei e todos os outros verbos e não conseguia saber por quê. Mas entendi rapidamente quando comecei a fazer um projeto com a Renata, minha parceira no crime aqui nessa estreia na Fast Company Brasil.

Renata é dessas pessoas generosas, que parece que você conhece há séculos, mas que tem 8 minutos marcados na tela do Zoom. Ela é head of creative shop do Facebook, toca ukelelê no Instagram, mãe da Laura e do Martim e é minha vizinha de mudança pro mato.

Só sei criar junto. Tudo que falamos sobre squads, cocriação (insira aqui o nome do momento) é como eu toquei minha carreira a vida toda. Sempre atuei em bando, contando com a sorte de ter gente sempre muito talentosa por perto.

Então, com a palavra, a Renata. Eu volto no fim do artigo:

Renata Decoussau, head of creative shop do Facebook, é o bando de Cris Naumovs em sua coluna de estreia (Crédito: Divulgação)

“É preciso uma aldeia para se educar uma criança”. Quando li esse provérbio africano pela primeira vez, 8 anos atrás, grávida, pensei que se tratava da trabalheira sem fim que seria criar um ser humano, no sentido mais básico: manter alguém com basicamente zero autonomia, dia após dia, vivo, alimentado, limpo, funcionando em condições de se desenvolver, requer uma baita rede de apoio — foi o que deduzi.

Depois, entendi que o real significado do provérbio é outro, e pouco tem a ver com buscar suporte prático para os principais cuidadores. A ideia é que a criança se desenvolva a partir de uma pluralidade de influências, que vai além do seu núcleo familiar mais próximo. É essa aldeia que vai dar a um pequeno ser humano a chance de explorar o próprio potencial em sua totalidade, e por fim, conquistar a capacidade de tocar o outro, transpondo o aprendizado individual para um impacto de dimensão social.

Um exercício simples para materializar esse conceito: mapeie a aldeia da sua primeira infância e reflita sobre sua capacidade atual de criar conexões ou pontes de entendimento entre pessoas muito diferentes, você deve conseguir perceber facilmente essa correlação.

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Aldeia 2.0

Agora, fazendo uma transposição rápida para o mundo dos negócios e inovação, o conceito de aldeia também parece fazer sentido e trazer resultados: tem crescido a prática de trazer cada vez mais pessoas de fora do grupo principal de um projeto ou da empresa, como convidadas para agregar valor, trazendo novas influências e visões em sprints, mesas, workshops ou [insira aqui qualquer metodologia que signifique criar ‘em bando’].

Essa mentalidade é intrínseca ao modelo de negócios das empresas que mais crescem atualmente e são consideradas disruptoras em suas categorias. Nascidas no meio digital, construídas a partir de um propósito claro e orientadas pela relação com comunidades, desviam-se do modelo tradicional de criação publicitária, de grandes ideias e repetição de mensagens. Os negócios do futuro co-criam dezenas de campanhas por trimestre com múltiplos parceiros externos, e inclusive a própria audiência, ao testar protótipos com conceitos A/B e refinando ideias em tempo real.

O objetivo, assim como a reflexão trazida pelo provérbio africano, é criar pontes e gerar valor além da simples troca comercial para comunidades, e o meio para tal, é trazer quanto mais visões possíveis para a mesa, uma tarefa que vai muito além do departamento de criação.

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Além do resultado de negócios

Em tempos de pandemia, o desafio de oferecer influências diversas para nossas crianças AND nossas ideias é ainda maior. Na drástica e longa limitação da convivência presencial, o mundo todo se tornou ainda mais dependente do que é consumido nas telas – e isso potencializa o poder da publicidade online, para o bem e para o mal. Nesse contexto, adicione um projeto de lei como o PL 504/2020, que tramita na Alesp, pretendendo proibir qualquer tipo de anúncio que faça referência à diversidade sexual e de gênero.

Mas o chamado é claro, em uma pesquisa feita pelo Facebook no Brasil, Reino Unido e EUA, a maioria (54%) dos consumidores entrevistados disse que não se sente totalmente representada culturalmente na publicidade online. Ainda, a maior parte (71%) espera que as marcas promovam a diversidade e a inclusão na publicidade online.

Não consigo me lembrar em 20 anos de trabalho de um momento mais importante para me apegar ao conceito da aldeia.

Se é a pluralidade de visões e expressões que nos leva à construção de comunidades verdadeiramente inclusivas, será papel de toda pessoa que trabalha para colocar uma ideia no mundo, resistir, e garantir a diversidade de influências em qualquer produto final, apesar de todas as circunstâncias.

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Voltei.

Trabalhar junto é uma arte que todo mundo consegue. Basta ter vontade de criar junto de maneira verdadeira. É pensar menos no crédito e mais no resultado. Parece óbvio, parece simples, mas é difícil escutar, mudar, achar que uma ideia é melhor que a sua, você, esse alecrim dourado das ideias mirabolantes.

Como a Renata, tenho pouco mais de 20 anos de carreira, que já passou pelo design editorial, capas de discos, muita direção de fotografia, conduzi e fui conduzida em redações grandes, vivi uma temporada na Mesa Company, mas, numa virada de carreira, aprendi a usar tudo isso pra levar marcas gigantes pra outro patamar, junto com agências, equipe de marketing e quem mais quiser criar junto.

Garanto que vicia, aconteceu comigo, só consegui criar essa coluna em bando, você tinha razão, Renata.

Este texto é de responsabilidade de seu autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Fast Company Brasil


SOBRE A AUTORA

Cristina Naumovs é consultora de criatividade e inovação para marcas como Ambev, Doritos e Havaianas, entre outras. Tem passagens pela... saiba mais