Innovation Festival 2023 discute amplitude e complexidade da inovação brasileira

Com diferentes olhares sobre o estado da inovação no Brasil, evento reflete a complexidade de pensar e criar o futuro

Crédito: Fast Company Brasil

Camila de Lira 8 minutos de leitura

A terceira edição do Innovation Festival abraçou a amplitude de discussões sobre inovação no Brasil.  Do mercado mainstream e milionário dos games até os modelos de negócio de criadores de podcast. Do uso prático ao uso criativo da inteligência artificial generativa. Da tecnologia sustentável à nova relação das pessoas com a mudança climática. Dos novos significados de trabalho e maturidade aos novos propósitos para companhias. Do empreendedorismo periférico às big techs. Nenhum assunto ficou de lado, mesmo quando as opiniões conflitaram. 

O fio que conduziu a programação foi a ideia de que nem a tecnologia nem a inovação são neutras. Elas não acontecem sozinhas e nem podem ser fruto de uma única visão de mundo. A inovação brasileira é feita para quê? Para quem? A quem ela beneficia? De quem ela esquece?

Em dois dias (29 e 30 de novembro) de atividade intensa, o festival também foi palco para lançamentos inovadores. Como o de RIE, primeiro chatbot não binário treinado para responder perguntas sobre linguagem neutra. Fruto da parceria entre a brasileira Diversity Bbox e a Futurity Systems, o bot usa inteligência artificial generativa para apoiar a inclusão do público trans e queer.

Crédito: Fast Company Brasil

Também no festival, a startup brasileira Zentek informou que recebeu aporte do Google Startups. O CEO da companhia de assistentes de seguros, Ailton Cardozo, foi um dos fundadores de startups que fazem parte da BlackRocks Ventures, hub de inovação que promove o protagonismo negro.

A insurtech demonstrou como usa inteligência artificial para agilizar a conexão entre consumidores e seguradoras. A fundadora da BlackRocks, Maitê Lourenço, usou o espaço para sublinhar a potência do empreendedorismo preto brasileiro na área de inovação. A executiva levantou dados e ainda mostrou o quanto aqueles que investem precisam olhar para fora de suas bolhas.

O especialista em RH, psicólogo, professor e consultor, Genesson Honorato lançou a iniciativa de criar um think thank para repensar as relações das pessoas com a tecnologia – especialmente para pesquisar o vício e a perda de atenção por conta do ambiente multitelas.

Falando sobre reinvenção do trabalho, Honorato ressaltou que não há como falar sobre a semana de quatro dias úteis se não houver uma conversa sobre como as pessoas estão usando o tempo “fora do trabalho”.

EMPREENDEDORISMO E INFLUÊNCIA

O festival acolheu a complexidade do mundo da inovação brasileira sem fugir dos assuntos espinhosos e desconfortáveis. Como afirmou a especialista em ESG e criatividade, Erlana Castro, o desconforto também é um gerador de transformação. A professora da Fundação Dom Cabral liderou a mesa de conversas sobre ESG além do greenwashing no primeiro dia do Innovation Festival.

Erlana Castro (Crédito: @monking.br)

No debate, houve a indicação de que as companhias do futuro terão que ser guiadas por mais do que ações, planos e criatividade, mas também por ativismo. “Precisa de um nível de desconforto. As empresas precisam parar de ter medo de ter as conversas difíceis”, disse Erlana.

Já o painel com a coordenadora da Redes da Maré, Pâmela Carvalho aconteceu de forma remota. A pesquisadora e ativista não comparecer presencialmente por conta de uma operação policial no Conjunto de Favelas da Maré. Atividades na região foram suspensas para manter a segurança da população do local.

Em um momento emocionante para o público, o mestre de cerimônias do primeiro dia do festival, Pedro Cruz, falou sobre sua experiência com esse mesmo tipo de situação. E ainda puxou uma salva de palmas para Pâmela e para os moradores da Maré. Mesmo de longe, a apresentação da pesquisadora exalou energia, conhecimento e inspiração.

Em sua fala, ela exaltou o empreendedorismo periférico e ressaltou o poder cultural da favela. Em uma citação ao grupo Racionais MC, Pâmela demonstrou que o empreendedorismo da favela é voltado para o coletivo.

Usar a influência para mobilizar grupos sobre temas sensíveis como a mudança climática é foco da Creators Academy. A organização se apresentou no Innovation Festival e mostrou o efeito agregador que a experiência na Amazônia pode trazer para influenciadores brasileiros. Jairo Malta, jornalista e criador de conteúdo que fez parte de uma das jornadas da Creators Academy foi exemplo disso.

Ele contou como a experiência de conhecer o território amazônico o conectou com a sua própria ancestralidade. A jornada mudou completamente a visão do jornalista sobre seu propósito e seus objetivos de vida.

“Percebi que poderia ocupar outros espaços, escutar outras vozes”, disse Malta, que é fundador da Corre, consultoria voltada para tornar organizações mais sustentáveis.

Crators na Terra Indígena Puyanawa, no Acre (Crédito: Edgar Azevedo/ Agência Brasil)

COMUNIDADES QUE FALAM MESMO

A importância da comunidade foi um dos temas recorrentes nas discussões. Seja as comunidades gigantescas, de mais de 700 milhões de usuários mensais, como é o caso dos dados do game FreeFire, seja nas audiências fiéis de podcasts. Quem protagonizou as conversas foram os próprios criadores.

O painel sobre mercado de games, liderado por Paulo Aguiar, da 3C Gaming, levou Nyvi Estephan e João Sampaio (conhecido como Flakes Power), dois grandes nomes do eSport brasileiro, para falar sobre a indústria de games. Flakes é o único nome do eSport da América Latina a ter uma skin (um traje) no Fortnite, um dos games mais populares do mundo.

Flakes indicou que a responsabilidade de quem se conecta com grupos grandes de pessoas é a conversa no longo prazo. Criar o sentimento de ligação e identificação é algo construído com o tempo.

Mesmo com estas grandes audiências, ainda há desafios para se manter relevante e importante para o público. Seja por meio de parcerias com marcas que ressoam com a audiência, seja participando e criando eventos novos para os eSports, como explicou Nyvi.

Embora com comunidades menores do que os fãs de eSports e pro-players, os criadores de podcasts passam por esta conexão com o público para crescer. “A relação com os ouvintes ajuda a conhecê-los mais e melhora a negociação com as marcas”, afirmou Cris Bartis, cofundadora do podcast Mamilos. Bartis brincou que, apesar de não ter os números “fálicos” dos games, tem um público fiel o bastante para demandar certos assuntos e posicionamentos.

Já Theo Ruprecht criou o Ciência Suja para abordar temas científicos de forma crítica. O podcast conseguiu deslanchar graças às verbas de editais focados em jornalismo – uma forma de evitar conflitos de interesse com possíveis anunciantes.

A escritora e fundadora do É Nóia Minha, Camila Fremder, chegou a fechar um acordo de exclusividade com o Spofity, mas voltou com o formato independente para poder observar melhor a cadeia de produção do projeto.

REINVENÇÕES À VISTA

Não há inovação sem pensamento crítico. O que significa abarcar opiniões divergentes sobre assuntos que ainda não têm uma resposta fechada. Como o caso da IA generativa ou o conceito de propósito. A palavra foi enaltecida em alguns momentos, mas criticada no encerramento do evento. “Propósito sem ação é egotrip”, afirmou o futurista  fundador da Aerolito, Tiago Mattos.

Participativa e atenta, a plateia interagiu, perguntou e deu opiniões, mostrando que o espírito crítico é essencial para a inovação. Parte do pensamento crítico consiste em fazer perguntas, principalmente sobre os modelos atuais de negócios. Foi o que os pesquisadores do NetLab, Rose Marie Santini e Marcio Borges, levantaram em um painel sobre desinformação.

Pedro Cruz passa o microfone em forma de cubo para interação da plateia (Crédito: @monking.br)

Portais que propagam a desinformação alcançam mais do que o dobro de visualizações em potencial do que as fontes noticiosas legítimas. A explicação para esse fenômeno está no modelo de negócio das grandes companhias de tecnologia.

Esse formato privilegia a publicidade e vende espaços em sites, com pouca regulação ou regras internas pouco transparentes. Propagandas enganosas e golpes burlam o crivo e atingem audiências sensíveis e vulneráveis a essas informações falsas.

Um exemplo foi o uso recente do termo “desenrola Brasil”, programa do governo federal para a quitação de dívidas. Os pesquisadores encontraram uma série de sites e anúncios que utilizam sistemas de impulsionamento das próprias plataformas, para se passar por órgãos oficiais.

De acordo com o Netlab, 10% do conteúdo divulgado na publicidade digital das grandes plataformas no Brasil é falso. “Quem entraria em um restaurante que tem chance de ter 10% da comida estragada? Quem seria o responsável neste caso? É o que acontece com as grandes plataformas, mas não apontam para elas”, afirmou Borges.

Paula Englert (Crédito: @monking.br)

Repensar sobre o que forma o mercado faz parte da inovação. As discussões sobre a “nova maturidade” tomaram forma no Innovation Festival, indo para além da conversa sobre times intergeracionais e abordando o próprio conceito do que significa envelhecer. Como trazer quatro gerações para colaborar? Qual o papel da tecnologia em integrar e não excluir as pessoas com mais de 50 anos?

Perguntas e mais perguntas, sem respostas prontas. Nem em ferramentas de inteligência artificial, como aquelas apresentadas por Pedro Borges, diretor de design da Work & Co e analisadas sob outra perspectiva pela CEO da Box 1824, Paula Englert.

“Uma revolução como a da inteligência artificial causa deslumbramento e medo, mas o meio termo entre os dois é o conhecimento”, apontou a executiva.

Entre o deslumbre profundo e o medo de novas tecnologias, o Innovation Festival 2023 preferiu a diversidade, a racionalidade e a humanidade.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais