Mistérios da mente: como o cérebro decide quais memórias guardar

O que determina quais eventos e interações criam memórias?

Crédito: Fast Company Brasil

Art Markman 5 minutos de leitura

Grande parte do que acontece com a gente todos os dias simplesmente desaparece sem deixar rastro. A maioria das caminhadas, interações, refeições e discussões acabam tendo pouco ou nenhum impacto duradouro no cérebro. Não conseguimos nos lembrar de muitas das pessoas com quem cruzamos na rua. Ou de palavras específicas que alguém disse (mesmo que nos lembremos da conversa).

O que determina quais eventos e interações criam memórias? Existem várias maneiras de abordar essa questão e cada uma delas leva a diferentes perspectivas sobre como respondê-la.

Uma abordagem para pensar nas memórias que o cérebro armazena é baseada na economia. No caso, a moeda é a energia – e o cérebro precisa de muita. Apesar de representar apenas de 2% a 3% do peso do corpo, ele consome de 20% a 25% do nosso suprimento diário de energia.

O cérebro está sempre tentando minimizar a quantidade de tempo dedicada a qualquer tarefa específica, porque quanto mais tempo gastamos fazendo algo, mais energia ele precisa realocar.

Construir uma nova memória tem um custo fisiológico, pois estruturas precisam se desenvolver para influenciar os neurônios e garantir que o padrão de atividade cerebral associado a essa memória possa ser criado novamente.

As memórias são mais propensas a serem guardadas quando a nova conexão tem grandes chances de reduzir o tempo que o cérebro terá que gastar fazendo algo no futuro. Nosso cérebro investe energia agora para reduzir os custos futuros.

Por exemplo, se você tem uma conversa importante com um amigo, é provável que haja uma economia de tempo futuro ao armazenar uma memória dessa conversa. Quando você encontrar esse amigo de novo, lembrar-se desse episódio tornará a próxima conversa mais fácil

QUE TIPO DE MEMÓRIA?

O que normalmente chamamos de memória faz parte do sistema de memória episódica, que armazena episódios ou situações da nossa vida (como ter uma conversa com um amigo).

Também existem as chamadas memórias processuais, que nos fazem lembrar como realizar uma tarefa – como digitar ou amarrar o sapato. Outro sistema importante para a vida profissional é a memória semântica, que é o conhecimento sobre o significado de palavras e conceitos.

Todos esses sistemas têm a mesma base na economia do cérebro. As mudanças fisiológicas ocorrem quando é provável que isso economize tempo no futuro. A memória processual desenvolve hábitos para que possamos realizar ações mais rapidamente.

Apesar de representar apenas de 2% a 3% do peso do corpo, o cérebro consome de 20% a 25% do suprimento diário de energia.

O sistema de memória semântica, por sua vez, refina os significados dos conceitos para que sejamos mais rápidos em entender situações e nos comunicar com os outros. O sistema de memória episódica armazena informações sobre situações quando elas têm grandes chances de serem importantes no futuro para lidar com outra semelhante.

É importante ter essas distinções em mente porque, por mais que a gente não consiga lembrar de uma situação específica, ela ainda pode influenciar a capacidade de realizar uma ação ou nosso conhecimento do mundo. Portanto, só porque não lembramos de ter feito algo, não significa que não teve impacto nos sistemas de memória.

DIFICULDADE DESEJÁVEL

Um princípio sobre a memória que vale a pena conhecer é o conceito de dificuldade desejável, articulado por Bob e Elizabeth Bjork. Você pode se perguntar como o cérebro determina se armazenar algo fazer com que seja mais rápido para você lidar com o mundo no futuro. O cérebro utiliza o esforço e o engajamento associados a um evento como parte desse cálculo.

Ambas as partes da frase dificuldade desejável importam.

Vamos pensar primeiro sobre a dificuldade. Quando alguém se envolve em um pensamento intenso e produtivo, gasta muito tempo e atenção nisso. Devido a esse esforço, o cérebro calcula que guardar os resultados desse trabalho provavelmente o tornará mais rápido para lidar com informações semelhantes no futuro.

Portanto, se você trabalhar duro para resolver um problema, lembrar-se da solução desse problema mais tarde provavelmente permitirá que você lide com essa situação mais rapidamente quando a encontrar de novo.

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O que torna uma dificuldade desejável é que o trabalho é, em última instância, produtivo. Ou seja, você pensa duro ou trabalha duro com um colega e sente que está progredindo. Armazenar uma memória dessa situação provavelmente facilitará a vida no futuro.

No entanto, você provavelmente viveu situações em que encontrou um problema tão difícil de resolver ou tão além de sua capacidade que o engajamento se tornou frustrante, em vez de produtivo.

A frustração é uma emoção que sinaliza que seu cérebro não quer continuar trabalhando nisso, porque está desperdiçando sua preciosa energia com algo que não vale a pena. Quando você fica frustrado assim, é pouco provável que guarde muitas informações sobre o que estava pensando, porque não é provável que isso o ajude no futuro.

INTENSIDADE DA EMOÇÃO

As memórias têm mais chances de serem formadas quando uma situação é particularmente emocionante, chocante, dolorosa ou perturbadora do que quando ela provoca apenas uma resposta emocional leve. A intensidade e a energia associadas ao evento influenciam o cálculo do cérebro de que essa informação provavelmente será útil mais tarde.

Outra razão pela qual a intensidade é importante é que emoções intensas muitas vezes estão relacionadas a eventos importantes ou surpreendentes. Ficamos eufóricos quando atingimos uma meta significativa. Ficamos em choque quando algo muito surpreendente acontece.

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Armazenar essas informações pode ser valioso de muitas maneiras. Por exemplo, quando passamos por um grande choque, não conseguimos analisar o que aconteceu no momento. Ao armazenar a memória do evento, o cérebro consegue nos fornecer informações para que possamos pensar mais tarde e evitar uma surpresa desagradável semelhante no futuro.

Há muito mais a ser dito sobre o que faz o cérebro lembrar das coisas. Livros inteiros poderiam ser escritos sobre o tema (e, de fato, vários foram). Mas os princípios acima ajudam a entender um pouco do processo e talvez o ajudem a desenvolver métodos para lembrar de coisas que considera importantes (mesmo que você não se lembre de ter lido este artigo em particular no futuro).


SOBRE O AUTOR

Art Markman é PhD e professor de psicologia e marketing na Universidade do Texas e diretor-fundador do Programa nas Dimensões Humanas ... saiba mais