Cai o filtro: a realidade dos creators na Era da Influência

Enquanto toda uma indústria prosperou, eles ficaram de lado. Agora que uma crise começa a se estabelecer, como resolver a descentralização dos creators na construção das regras do jogo?

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Nayara Ruiz 7 minutos de leitura

Na era da creator economy, onde o conteúdo é rei e a influência é moeda, uma dura realidade emerge das sombras: toda a indústria foi construída para gerar retorno aos seus vários stakeholders, menos para os próprios creators.

Enquanto anunciantes, agências de publicidade, agências de influenciadores, agências de marketing de influência, plataformas e ferramentas batem suas metas, os creators são deixados às margens, recebendo apenas migalhas do bolo que ajudaram a assar. É hora de desvelarmos essa dinâmica desigual, que nos aponta (e alerta) para um único caminho possível: a adoção da “Creator Centricity“.

Desde os primórdios da publicidade, as marcas buscaram maneiras de alcançar e influenciar seu público-alvo, movimento que deu origem ao marketing de endosso. Com a ascensão das plataformas sociais, uma nova disciplina emergiu: o marketing de influência.

Os consumidores passaram a ter voz ativa e a compartilhar suas opiniões e experiências online. Ao compartilhar suas dores, alegrias e perspectivas do mundo, quem se identificava se aproximava e as comunidades digitais começaram a ser criadas.

É quando as marcas percebem o potencial de colaborar com indivíduos influentes nas redes sociais, os chamados influenciadores, e passam a promover seus produtos e serviços por meio deles.

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À medida que o marketing de influência ganha popularidade, os influenciadores passam a ser chamados de creators e desempenham um papel fundamental na criação de conteúdo autêntico e envolvente, muitas vezes superando o alcance e o engajamento da publicidade tradicional.

E, assim, toda uma indústria começa a nascer: assessores pessoais – que logo dão lugar às agências de influência –, agências especializadas em conectar marcas e influenciadores, modelos de negócio das plataformas como Instagram, Facebook, YouTube e TikTok, além de novos cargos que passam a ser criados dentro das agências de publicidade e das próprias marcas.

Os creators mudam toda uma lógica de comportamento de compra, comunicação, autenticidade e, claro, negócio. Mas, em vez de terem uma posição protagonista, acabam sendo relegados aos bastidores de uma narrativa centrada em marcas, agências de publicidade, plataformas e ferramentas.

Esses protagonistas não são apenas fontes de conteúdo, mas catalisadores de mudança e autenticidade. São os arquitetos dessa nova era.

O resultado: uma crise de autenticidade dos creators, a desconexão das comunidades e marcas colhendo frutos amargos do ponto de vista de retorno. Aqueles que garantem o retorno financeiro se veem presos à uma lógica de superar os resultados a partir de metas criadas por todos, menos por eles mesmos.

Não é sobre dinheiro, é sobre prosperidade.

O cerne da questão reside na essência da “creator centricity“, um conceito que clama por uma mudança de paradigma. Colocá-los no centro significa construir uma economia que vai priorizar a relação creator-comunidade, e não apenas girar em torno das estratégias das marcas que visam seus próprios resultados.

Sendo eles meramente instrumentos em um jogo de números e conversão, a autenticidade é subjugada em prol do ROI (retorno sobre o investimento) imediato e a confiança do público se desvanece em meio a um mar de conteúdo saturado e impessoal.

OS GANHOS DOS STAKEHOLDERS

  • Anunciantes: eles encontram nos creators uma maneira eficaz de alcançar seu público-alvo de forma autêntica e envolvente. Ao associar suas marcas a líderes de comunidade, esperam aumentar o reconhecimento da marca, impulsionar as vendas e construir uma base de clientes leais. Todas as métricas são criadas para satisfazer a necessidade das marcas, não a dos creators.
  • Agências de publicidade: atuam como intermediárias entre os anunciantes e os creators, facilitando a criação e implementação de campanhas publicitárias. Elas ganham comissões substanciais por seus serviços de consultoria, planejamento e execução de estratégias de marketing de influência.
  • Agências de Influenciadores: representam os interesses dos creators, negociando contratos e parcerias lucrativas com marcas e agências de publicidade. Ao garantir oportunidades de patrocínio e colaborações, ganham uma porcentagem dos lucros gerados por seus agenciados.
  • Agências de marketing de influência: especializadas em conectar marcas e creators, oferecem serviços de gerenciamento de campanhas, análise de dados e estratégias de engajamento. Ao ajudar as marcas a alcançar seus objetivos de marketing, garantem uma fatia do orçamento de publicidade. Mas, novamente, os interesses dos creators não parecem ser acolhidos no processo.
  • Ferramentas: plataformas de gerenciamento de influenciadores, análise de dados e automação são essenciais para o ecossistema da creator economy. Elas oferecem soluções tecnológicas para otimizar campanhas, rastrear métricas de desempenho e identificar tendências de mercado, cobrando taxas de assinatura ou por uso. Mas todas as que existem foram criadas para ajudar as marcas a obter melhores resultados, não eles.
  • Plataformas: Facebook, Instagram, YouTube, TikTok se afastam da lógica de rede social ao comercializar a entrega de conteúdo direcionado. Ou seja, alcança quem quer, pagando por isso. Com o controle total sobre os dados de comportamento, constroem uma lógica de algoritmização do conteúdo que mata a entrega orgânica. O que elas ganham? Além de atratividade de anunciantes, aumento do engajamento, retenção dos usuários e cada vez mais dados e insights.

AS DESVANTAGENS PARA OS CREATORS

  • Receita Desproporcional: embora os creators sejam a força motriz por trás do sucesso da creator economy, muitas vezes recebem uma parcela insignificante dos lucros gerados. Enquanto os stakeholders acumulam grandes retornos financeiros, os creators são deixados com uma pequena fatia do bolo, lutando para ganhar uma renda sustentável com seu trabalho.
  • Falta de controle: justamente quem está emprestando sua própria imagem, crença e essência muitas vezes tem pouca ou nenhuma voz na negociação de contratos e parcerias, deixando-os vulneráveis ​​a condições desfavoráveis ​​e exploração financeira. Também enfrentam o desafio de manter sua autenticidade e integridade enquanto cumprem as demandas das marcas e agências.
  • Dependência de algoritmos opacos: nas plataformas de mídia social, os creators enfrentam algoritmos arbitrários que podem reduzir drasticamente o alcance de seu conteúdo. Sem transparência ou controle sobre esses algoritmos, lutam para manter uma base de fãs engajada e relevância dentro do seu nicho.
  • Escassez de dados e medição do sucesso: a falta de dados e métricas personalizadas faz com que a lógica da criação sempre coloque o anunciante em vantagem. Estatísticas básicas, como visualizações e engajamento, não entregam necessidades únicas, como métricas que capturem o envolvimento da comunidade, a fidelidade do público, a qualidade do conteúdo e o impacto nas conversações.
  • Monetização e colaborações: a escassez de dados também afeta a capacidade de monetização do conteúdo e o estabelecimento de colaborações significativas com marcas e anunciantes, porque os creators não conseguem demonstrar o retorno do investimento. Pior, ficam sem insights sólidos sobre seu público para que se catapultem para a criação de novos modelos de negócio.

HÁ UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL

Ao permitir que os creators controlem sua própria narrativa e mantenham sua integridade artística, toda a indústria fortalece a confiança e a lealdade das pessoas. Criar ferramentas de “autosserviço” e construídas a partir da perspectiva de quem cria o conteúdo, garante mais controle sobre seu destino e mais oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional.

Também abre espaço para a exploração de novas formas de monetização, construção de relacionamentos mais significativos com audiência e expansão da influência para além das fronteiras das plataformas de mídia social tradicionais.

À medida que reconhecemos o valor inestimável dos creators e os capacitamos a assumir o controle de sua própria narrativa, podemos construir um ecossistema mais sustentável, inclusivo e autêntico.

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As marcas devem reconhecer o valor intrínseco da autenticidade e da narrativa pessoal dos creators, em vez de tratá-los como meros veículos de publicidade. Mudando inclusive a lógica de contratar um combo de posts pontualmente para passar a pensar em como fomentar ideias, projetos e iniciativas a longo prazo que vão aumentar ainda mais a fidelidade dessa comunidade. Em vez de anunciante, passa a ser investidor.

Esses reais protagonistas não são apenas fontes de conteúdo, mas catalisadores de mudança e autenticidade. São eles os arquitetos dessa nova era.

Assim como o movimento de “customer centricity” surgiu como um lembrete às marcas de nunca perderem de vista seus clientes, a “creator centricity” busca reequilibrar o ecossistema dessa nova economia. Colocar o creator no centro não significa sempre se concentrar no potencial de ganhos. É sobre oferecer oportunidades.

Não podemos mais seguir por trilhas gastas, precisamos de novos caminhos abertos. É hora de virar o jogo e colocar os creators no lugar que merecem: no centro de tudo.


SOBRE A AUTORA

Nayara Ruiz é comunicadora social especialista em marketing digital e sócia da nAÇÃO, que atua em projetos de impacto social. saiba mais