Cientista da computação explica porque anúncios ruins aparecem em sites bons

Crédito: Fast Company Brasil

Eric Zeng 5 minutos de leitura

Anúncios suspeitos, como os de remédios milagrosos para perder peso, às vezes aparecem em sites confiáveis e bem conceituados. Acontece que grande parte deles não decide quais anúncios serão exibidos para seus visitantes. A maioria terceiriza essa tarefa para uma rede complexa de empresas de tecnologia de publicidade que ficam encarregadas de definir quais anúncios aparecem para cada pessoa em particular.

O ecossistema de anúncios online foi construído em torno da “mídia programática”, um sistema que veicula peças de milhões de anunciantes em milhões de sites. Ele usa computadores para automatizar o aluguel de espaços disponíveis, na maioria das vezes, com transações incrivelmente rápidas.

A mídia programática é uma ferramenta poderosa, que permite aos anunciantes segmentar e alcançar pessoas em uma grande variedade de sites. Como doutorando em ciência da computação, estudo como anunciantes maliciosos tiram proveito desse sistema e se utilizam de anúncios para aplicar golpes ou espalhar malwares para milhões de pessoas. As grandes responsáveis por impedir que eles cheguem aos usuários são as próprias empresas de publicidade. Mas, muitas vezes, elas não o fazem. 

TRABALHO EM CONJUNTO

O mercado de publicidade online de hoje tem como objetivo resolver um problema: direcionar o alto volume de anúncios para a enorme quantidade de espaços publicitários. Os sites querem manter seus espaços sempre ocupados e com os melhores preços; já os anunciantes querem exibi-los para os usuários mais relevantes.

Em vez de veículos e clientes se unirem para veicular anúncios, os anunciantes trabalham com plataformas de demanda, quer dizer, empresas de tecnologia que permitem a compra de anúncios. Os sites funcionam como veículos e as empresas os pagam para exibir propagandas em suas páginas. Elas lidam com a difícil tarefa de descobrir quais sites e quais públicos são mais relevantes para cada peça. 

anunciantes maliciosos tiram proveito do sistema e utilizam de anúncios para aplicar golpes ou espalhar malwares para milhões de pessoas.

Na maioria das vezes, as empresas de publicidade decidem quais serão exibidos por meio de um leilão em tempo real. Sempre que uma pessoa entra em um site com espaço publicitário, ele solicita lances por meio de um sistema de leilão chamado troca de anúncios. 

A plataforma de demanda, por sua vez, decide qual anúncio é melhor direcionado para cada usuário específico (com base em informações coletadas sobre seus interesses e rastreando seu histórico de navegação) e envia um lance. O vencedor desse leilão exibe seu anúncio para o público “ideal”, com mais chances de conversão. E tudo acontece em um instante.

Este é um mercado com grandes players, como o Google, que administra uma plataforma de oferta, de demanda e uma exchange (plataforma responsável pela negociação dos espaços). Esses são os três componentes da rede de anúncios.

O sistema permite que um anunciante exiba suas peças para milhões de usuários, em milhões de sites, sem precisar saber os detalhes de como isso acontece. E permite que os sites solicitem anúncios sem precisar entrar em contato com anunciantes.

UM SISTEMA IMPERFEITO

Anunciantes maliciosos, como quaisquer outros, podem aproveitar a dimensão e o alcance da mídia programática para aplicar golpes e espalhar links contendo malwares para milhões de usuários.

No entanto, existem algumas formas de verificar anúncios maliciosos em vários níveis. Redes e plataformas – tanto de oferta quanto de demanda –, em geral, possuem políticas de conteúdo que restringem esses anúncios. No entanto, algumas têm políticas ruins. A MGID, por exemplo, uma rede de publicidade nativa, tem uma lista pequena de políticas de conteúdo, com uma única menção sobre “informações imprecisas ou enganosas”.

Os sites podem bloquear anunciantes e categorias de anúncios específicos. Podem, por exemplo, bloquear um anunciante que está exibindo anúncios fraudulentos em sua página ou redes de anúncios específicas que exibem peças de baixa qualidade.

A tecnologia permite que os sites solicitem anúncios sem precisar entrar em contato com anunciantes.

Mas essas políticas só são eficazes quando bem aplicadas. Em geral, as redes de anúncios contam com moderação manual e ferramentas automatizadas para verificar se cada peça publicitária está em conformidade com suas políticas. Mas o quão eficazes conseguem ser ainda não está claro. Um relatório produzido pela empresa Confiant sugere que entre 0,14% e 1,29% dos anúncios veiculados em diversas plataformas, no terceiro trimestre de 2020, foram de baixa qualidade.

PUBLICIDADE NATIVA EM SITES DE NOTÍCIAS

Muitos dos anúncios “ruins” que vemos são criados com a intenção de enganar ou desinformar o público. Os anúncios nativos são um excelente exemplo disso. Eles são supostamente eficazes porque geram maiores taxas de cliques e mais receita. No entanto, estudos mostram que isso se deve, na verdade, à dificuldade que os usuários têm em diferenciar os anúncios nativos do conteúdo do site.

É bastante provável que você já tenha visto estes anúncios em sites de notícias. É comum que, ao final de uma matéria, haja uma seção intitulada “conteúdo patrocinado” ou “na web”, contendo o que parecem ser artigos reais. Mas todos eles são conteúdos pagos.

Conduzimos um estudo sobre publicidade nativa em sites de notícias e desinformação. Descobrimos que continham conteúdo potencialmente enganoso, como propagandas de suplementos alimentares ou remédios não regulamentados, anúncios que desinformam, propostas de investimento e outras peças produzidas por fazendas de conteúdo.

Isso evidencia uma situação lamentável: até mesmo sites de notícias e veículos confiáveis ​​buscam aumentar sua receita e, para isso, recorrem a anúncios enganosos ou que desinformam, apesar dos riscos que isso representa tanto para seus visitantes quanto para suas reputações.


SOBRE O AUTOR

Eric Zeng é estudante de Ph.D. em ciência da computação e engenharia na Universidade de Washington. saiba mais