NRF 2023: tendências globais e lições para o varejo brasileiro

Reinventar os PDVs físicos significa repensar o próprio negócio do varejo, redefinindo modelo de gestão e desenho organizacional

Crédito: Fast Company Brasil

Alberto Serrentino 7 minutos de leitura

Em janeiro tivemos a 113ª edição do maior evento de varejo dos EUA, a NRF 2023 – feira e congresso da National Retail Federation. O evento permite consolidar tendências e sinalizar prioridades estratégicas de empresas e líderes de varejo, que podem ser interpretadas e adaptadas para a realidade do mercado brasileiro. Este ano, despontam temas que podem ser aterrissados em insights relevantes.

AMBIENTE E MOMENTO

O varejo global, principalmente nos EUA, vem enfrentando um cenário desafiador, motivado por diversos fatores externos ao setor – instabilidade geopolítica trazida pela guerra na Ucrânia e tensão dos EUA com a China, inflação, elevação nos juros, saída da pandemia, risco de recessão.

Observa-se ainda carência de mão-de-obra para funções operacionais, além de profundas revisões em estratégias de sourcing e nas cadeias de abastecimento. O cenário leva as empresas a agendas de racionalidade, otimização e enfrentamento de instabilidade e incerteza no curto prazo.

DADOS, IA E OTIMIZAÇÃO

O biênio 2020/ 2021, fortemente condicionado pela pandemia, empurrou as empresas para a aceleração digital, com diversificação de canais e modalidades de venda e relacionamento com clientes.

A partir de 2022, a agenda de transformação se voltou para investimentos estruturantes e otimização que permita saltos de produtividade, assertividade e precisão nos processos-chave e na operação.

Com isso, dados são potencializados por inteligência artificial para melhorias em supply chain, sortimento, alocação, gestão de estoques, precificação, experiência de clientes, operação de lojas, orquestração de fulfillment, pagamentos e segurança.

Também avançam a automação e a robotização de processos, para ganhos de produtividade. A transformação digital volta-se mais para dentro, em agendas não perceptíveis pelo cliente, porém de alto impacto para o negócio.

TECNOLOGIAS EMERGENTES

 Continuam os desdobramentos da chamada web3, com maior descentralização, disseminação do blockchain e avanço em aplicações para experiências mais imersivas com conteúdo 3D, realidade virtual, realidade aumentada e metaverso.

O impacto para o varejo será gradual e crescente, mas aumenta a complexidade em gestão de conteúdo, cadastros e comunicação em diferentes formatos e plataformas. Experiências com lojas virtuais se multiplicam e a interação de marcas de varejo em ambientes de games e “gamificação” em plataformas de varejo abrem perspectivas para engajamento de clientes.

FUTURO DA LOJA

 Consumidores voltaram às lojas físicas, porém de maneira diferente em relação ao comportamento pré-pandemia. Houve saldo na maturidade digital dos clientes e na penetração digital do varejo; mudanças nas jornadas de compras; maior omnicanalidade, com transição entre canais dentro das jornadas; queda de tráfego e aumento de conversão.

De outro lado, o varejo realizou revisões de portfólio durante a pandemia, com fechamento de lojas deficitárias ou pouco estratégicas. Isso demanda nova abordagem em relação às lojas físicas por parte do varejo.

Lojas são relevantes e serão mais estratégicas no futuro, à medida em que terão seus papéis ampliados. Será preciso tratá-las como hubs – para captura, ativação e engajamento de clientes; prestação de serviços; operação logística em retirada, envio e integração a prateleira infinita; e integradas às capacidades de omnicanalidade da empresa.

Para que a loja exerça um novo e mais estratégico papel, serão necessários novos indicadores (KPIs), que demandarão dados de identificação de clientes e jornadas, além de capacidade de ter lojas efetivamente orientadas a clientes, geração e captura de valor.

As lojas também terão que incorporar flexibilidade e funcionalidades que permitam responder a diferentes jornadas e missões de compras, com “várias lojas dentro de cada uma delas”, buscando permanentemente redução de atrito, elevação de conveniência e experiência.

Reinventar a loja significa repensar o próprio negócio do varejo, desafiando cultura, modelo de negócio e redefinindo KPIs, modelo de gestão e desenho organizacional.

RETAIL MEDIA

o ciclo da pandemia gerou agendas de aceleração digital, com foco primário em crescimento em canais e vendas digitais (growth). Em muitos casos, o crescimento foi forçado por fortes investimentos em atração de novos clientes e em conversão estimulada por subsídios em margens e políticas de frentes.

Com isso, muitas empresas tiveram taxas de crescimento agressivas, com custos de aquisição de clientes (CAC) não sustentáveis, enquanto superiores ao valor dos clientes no tempo (LTV).

O cenário de incerteza econômica, inflação e aumento de juros, além da saída da pandemia, levou à desaceleração das taxas de crescimento de vendas digitais e penetração digital, menor foco em crescimento via aumento da base de clientes e alavancas promocionais e equilíbrio com exploração da base de clientes existente. O momento é de crescimento sustentável e exploração dos ativos existentes.

O aumento na penetração digital vem levando a uma crescente convergência entre varejo, conteúdo e mídia. O varejo vem desenvolvendo competências de mídia em livestreaming, gestão de conteúdo, exploração de mídias sociais e canais proprietários de comunicação. De outro lado, tornam-se ativos monetizáveis. a base ativa de clientes, dados capturados sobre eles e os múltiplos canais de vendas e ativação.

Com isso, empresas de varejo vêm implantando negócios de mídia proprietários, que assumem diversas configurações, dependendo do modelo de negócio e perfil da organização.

Para as que tenham marketplaces como alavanca estratégica de crescimento, o negócio de “ads” torna-se plataforma sinérgica e de capacidade de geração de receitas (Amazon Media Group, Mercado Ads, Magalu Ads, Alimama).

Já para empresas de varejo que operam com marcas de terceiros, negócios de mídia permitem digitalizar e dar maior precisão e mensuração às verbas de trade marketing e ações cooperadas com fornecedores (Walmart Media Group, Kroger Precision Marketing, Carrefour Links, RD 360º ADS).

Finalmente, empresas de varejo monomarca terão oportunidades em otimizar base de clientes e cadastros.

O negócio de retail media ainda está em estágio embrionário, mas já movimentou estimados US$ 41 bilhões em 2022 nos EUA, sendo a Amazon responsável por 70% do total, sobretudo em anúncios de busca e ranqueamento na plataforma.

Com o crescente domínio de grandes marketplaces e ecossistemas no varejo online e o avanço de plataformas de mídia tornando-se plataformas de comércio transacionais e marketplaces (Google Shopping, TikTok Shopping, Instagram Shop), o negócio de retail media deve avançar de forma consistente nos próximos anos.

JORNADA DO COLABORADOR

A necessidade de atrair, reter e engajar talentos, com maior delegação e responsabilidade, vem levando as empresas à necessidade de tratar de todas as jornadas de seus colaboradores com foco estratégico.

Isso implica em buscar a redução dos atritos, a melhora da produtividade, a capacitação e o empoderamento por tecnologias e aplicações, a ampliação do acesso a dados e da capacidade de tomada de decisões, além de mais tempo dedicado aos clientes.

CULTURA, DIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE

A consolidação das práticas de responsabilidade social, ambiental, de transparência e governança (ESG) ganhou foco e relevância estratégica durante a pandemia. Nota-se as empresas com focos primários em endereçar a pauta de diversidade – para atração de talentos, melhora de clima e engajamento, aceleração de inovação e conexão com clientes e stakeholders externos.

As questões de sustentabilidade avançam com indicadores e ações de impacto mensurável. Os temas de ESG vêm sendo incorporados à cultura e integrados a valores corporativos e ações concretas das empresas.

E O BRASIL?

Os temas acima abordados são inspirados em conteúdo apresentado na NRF, mas também em estudo e observação dos movimentos do varejo no mundo e no Brasil. Todos eles são relevantes para a realidade brasileira.

O varejo brasileiro enfrentou profunda crise em 2015 e 2016, seguida de seis anos de baixo crescimento real, com heterogeneidade entre setores, mercados e empresas.

Estruturalmente, houve avanços em produtividade, incorporação de tecnologia, aceleração e transformação digital, expansão, diversificação de canais e formatos, além de crescimento e resiliência das empresas mais competitivas.

O cenário atual traz elementos de instabilidade e incerteza, tanto internacionais como domésticos, que devem levar a um equilíbrio na alocação de recursos, tempo, energia e priorização por parte das empresas. Líderes de varejo precisam enfrentar o cenário desafiador de curto prazo sem perder de vista as mudanças necessárias para o futuro do negócio.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Alberto Serrentino é consultor, conselheiro, autor e fundador da Varese Retail. saiba mais