A imaginação radical pode nos salvar de nós mesmos

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Juliana de Faria 3 minutos de leitura

Tricia Hersey é a fundadora do Nap Ministry, ou, em português, o Ministério da Soneca. Uma organização que, ancorada na ancestralidade do povo negro e no desejo de desafiar a normalizada cultura workaholic atual, defende que o descanso é uma forma de resistência.

Seus manifestos são radicais: “demandamos o impossível, um mundo centrado na pausa”. Em seus comentários, aparece a irritabilidade de pessoas que questionam a verdadeira possibilidade de atingir esse objetivo. “Se vocês não puderem nem tentar imaginar”, diz Tricia, “como podemos começar a pensar em soluções plausíveis?”.

imaginar é um poder e pessoas que o praticam são perigosas para os defensores do status quo.

Nos encontramos em um contexto com ferramentas tecnológicas que se atualizam com mais rapidez do que podemos aprendê-las e os convites para vislumbrarmos e desenharmos futuros não cessam. Apesar da efervescência de produção e criação, a criatividade, aquela esperançosa e resolvedora de problemas, não parece ter a mesma força. 

Conseguimos facilmente evocar imagens de um mundo dominado por robôs, de um apocalipse ambiental, do fim dos empregos e da inutilidade humana. Porém, quando se trata de visualizar um amanhã em que o bem-estar, a democracia e a saúde floresçam, nossas mentes batem de frente com a parede.

Nem sempre é fácil, mesmo: chamam de utopia aquilo que é sonho e de inocente quem é otimista. Não é sem razão ou sem método essa minimização e ridicularização: imaginar é um poder e pessoas que o praticam são perigosas para os defensores do status quo.

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Essa desestruturação e empobrecimento do sonhar nos deixa presos em vazios criativos, reciclando ideias desgastadas em vez de nos atrevermos a pensar diferente. Entre as consequências está o fatalismo – o vemos no engajamento massivo que sentimentos ativos, mas geralmente negativos (como a raiva e o ódio) têm.

Um relatório da Universidade de Cambridge, publicado pela Proceedings of the National Academy of Science em 2021, mostrou que conteúdos raivosos geram muito mais engajamento nas redes sociais do que aqueles com sentimentos positivos, como a esperança.

Não é à toa que esse ambiente hostil tenha alimentado uma política reacionária, que prospera ao prometer a volta de um “passado glorioso” em vez de um caminho para um futuro diferente e melhor. 

a imaginação radical surge como um antídoto para o desgaste, infundindo nossa consciência coletiva com a audácia de sonhar além dos limites do presente.

É aqui, nessa situação de sociedade exaurida diante de desafios aparentemente insuperáveis, que a imaginação radical surge como um antídoto para o desgaste, infundindo nossa consciência coletiva com a audácia de sonhar além dos limites do presente.

Ela transcende meros devaneios ao abraçar a criatividade e o pensamento crítico. Ela nos impulsiona a questionar as normas estabelecidas e desafiar as barreiras sistêmicas que dificultam o progresso. A imaginação radical é ousada, ambiciosa e quer muito. 

Reconheço que essas ideias possam me ceder o título de idealista, mas não se engane: há um pragmatismo fundamental nessa abordagem. Dizer "sim" para ideias novas e até mesmo aparentemente absurdas não significa adotá-las levianamente, mas dar espaço para análises, experimentações e diálogos que rompam com o convencional.

Radicalizar a imaginação é criar uma estrela-guia para nossas visões, uma referência que não nos deixa contentar-se com menos na hora de definir desejos. E o não-resultado tampouco se trata de um insucesso… Afinal, o processo do “sim” é o ingrediente-chave para a inovação disruptiva.

Diga “sim”.


SOBRE A AUTORA

Juliana de Faria é jornalista, escritora e pós graduada em neurociência e comportamento. Está à frente do Estúdio Jules, consultoria c... saiba mais