Afinal, qual é o efeito sistêmico da inclusão racial?


Adriana Barbosa 4 minutos de leitura

Ninguém constrói nada sozinho. E por mais que pareça um clichê, não se trata disso. De fato, ninguém constrói nada sozinho. Cada pequena ação depende de um ecossistema para funcionar. Para que você leia esse texto agora, juntei meu repertório de vivências, coloquei em palavras, me alinhei com os jornalistas da Fast Company e publiquei. Mas antes disso, precisei de um computador, que passou por toda uma cadeia de produção, e precisei de internet, que tem mais um mundaréu de pessoas envolvidas. E isso é só o básico, a contestar que “não precisei de ninguém”. Pessoas precisam de pessoas.

Há duas décadas, no início da Feira Preta, eu visitava diversas empresas para pedir patrocínio. Colecionei inúmeros nãos: “Não quero associar minha marca a um evento que tenha relação com conflitos raciais”, diziam. A ilusão da democracia racial era ainda mais latente do que nos dias atuais. Havia um negacionismo em relação ao racismo, era um assunto intocável e jamais discutido. E foi com o passar do tempo, conforme as empresas e a sociedade foram mudando, que o assunto se elucidou. E essa mudança foi feita por pessoas.

Um processo sistêmico de inclusão de negros no mercado de trabalho formal refletiu no êxito da Feira Preta. Hoje, o evento se beneficia de cotas criadas lá atrás, de todo esse processo sistêmico de inclusão de negros no universo corporativo, com poder de decisão. Foi por meio de projetos como o “Conversando a gente se aprende”, que as empresas foram se tornando cada vez mais diversas e plurais, com pretos ocupando espaços jamais imaginados. Dia após dia, mais pretos no topo. E é dessa forma, que a cada degrau que um negro sobe, outros tantos são puxados também. É o fator principal da representatividade. Se aquela pessoa ali é parecida comigo, chegou onde chegou, eu também posso! Gera identificação, inspiração e impulsiona sonhos.

“A ilusão da democracia racial era ainda mais latente do que nos dias atuais. Havia um negacionismo em relação ao racismo, era um assunto intocável e jamais discutido”

O “Conversando a gente se aprende” é um programa de consultoria que faz parte da PretaHub. Foi por meio dele que comecei a levar letramento racial para dentro das empresas, desencadeando um processo de transformação sistêmica. Afinal, se as empresas não queriam patrocinar porque desconheciam discussões raciais, era um sinal de que havia uma ausência de pessoas negras dentro das empresas, e, ainda, preconceitos e falta de diálogo quanto ao investimento social privado, patrocínios e filantropia dentro da questão racial.

Já se passaram seis anos desde o início do programa de consultoria. Com um método para falar de diversidade de maneira mais transversal, impactamos inúmeras empresas, como Netflix, Google, Pão de Açúcar, Natura, MAC e O Boticário. Hoje vemos pessoas negras dentro desses ambientes, crescendo no universo corporativo. E o patrocínio, há anos conquistado com muitos impasses, tem sido cada vez mais recorrente, isto porque, agora, há pretos na interlocução, com poder de tomada de decisão. Colaboradores negros ajudam a viabilizar o patrocínio ou ação de parceria.

E não dá para falar em parceiros sem citar a importância que tem cada um dos empreendedores que investem na Feira Preta, na infraestrutura que ocupam para apresentar seus produtos e serviços. Por isso, reforço o que disse no início do texto. Ninguém constrói nada sozinho. A Feira Preta não existiria se não tivesse muita gente fazendo acontecer. São muitas pessoas juntas que lutam, dialogam e fazem o maior evento de cultura negra da América Latina ser viável há duas décadas. O crédito não é somente meu e eu estendo os reconhecimentos que já tive a todos que estão ao meu lado nessa empreitada.

A Feira Preta nesses 20 anos tem se construído com pessoas e instituições privadas e públicas que nos ajudam a contar essa história e prosseguir com o nosso trabalho. Não é somente sobre fornecer aporte financeiro para o evento acontecer. São marcas que se envolvem e se co-responsabilizam a contar uma nova história, uma nova narrativa. E, isso, influencia diretamente no que vamos entregar aos pequenos, no futuro. E para esse futuro, quero que a minha filha, Clara, se veja ocupando diversos espaços, vendo outras mulheres pretas no topo e sabendo que ela pode chegar lá. Mas, para isso, eu preciso de você. Preciso de aliados, sonhadores, empáticos e otimistas que acreditam que o mundo pode ser, sim, cada vez melhor. Vamos juntos por um propósito.

Este texto é de responsabilidade de seu autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Fast Company Brasil


SOBRE A AUTORA

Adriana Barbosa é fundadora da Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo, e CEO da PretaHub. Foi apontada pelo Fórum Econômico... saiba mais