Enegrecendo a web 3


Adriana Barbosa 3 minutos de leitura

Acredito que alguns já tenham ouvido falar sobre internet descentralizada do futuro, a nova tendência do momento, web 3. E por uma forma de epistemologia de vida, se assim posso dizer, gosto sempre de revisitar o passado utilizando de uma tendência um tanto quanto ancestral para novas construções. Logo, assim farei por aqui.

Nos anos 90, a web 1, conhecida também como o mundo novo, ganhou forma, se materializou dentro de alguns lares e, principalmente, nas empresas. Era a tecnologia se fundindo pela primeira vez, em milhares de práticas nas quais a premissa era otimizar os processos.

No entanto, tal como um resquício da escravidão e da desigualdade, não foi de imediato que a internet chegou à minha casa – uma mulher negra e periférica, no auge da minha juventude. E reitero que esse retrato se expandiu às milhares de famílias negras no Brasil.

MUNDO NOVO PARA QUEM?

Em minhas memórias afetivas, no começo, quando a Feira Preta ainda estava ganhando corpo, narrativas e propósito, o tête à tête funcionava como a minha principal forma de divulgação. Não usávamos o poder de campanhas publicitárias, impulsionamentos nas redes e afins, não tínhamos isso.

Se antes pessoas pretas não tinham acesso à rede, hoje, somos invisibilizadas dentro da multiplicidade que se propaga dentro do paradoxo real e virtual.

O boca a boca era o meu instrumento catalisador e muito disso se deu porque o acesso à internet tem cor, sobrenome e um perfil que não representa nem a metade da população brasileira.

Hoje, alguns de nós vivenciamos o mesmo cenário e a hierarquização de quem consome as melhores redes e instru- mentos ainda é presente.

A web3 chegou com uma proposta disruptiva e inovadora, uma tendência que veio para agregar negócios e, inclusive, quebrar paradigmas, ser horizontal. Mas, assim como as convergências sociais, faz uma releitura fiel das falácias da sociedade, sobretudo no que tange às pautas raciais.

Se antes pessoas pretas não tinham acesso à rede, hoje, somos invisibilizadas dentro da multiplicidade que se oferece e propaga dentro do paradoxo real e virtual.

EXCLUSÃO DIGITAL

Precisei retornar ao começo das construções tecnológicas para ressaltar que a exclusão digital, hoje, se faz em outras roupagens e que, portanto, é urgente a construção de uma nova perspectiva negra para abrigar os meus nesse sentido.

Estamos vivendo o boom do metaverso, uma tendência que se destacou ao possibilitar uma imersão especializada dentro do virtual. Empresas e marcas tradicionais investiram sem nem pensar duas vezes, para promover cadeias tecnológicas de última geração, que apontam sucesso nos resultados.

A web3 faz uma releitura fiel das falácias da sociedade, sobretudo no que tange às pautas raciais.

Mas os conceitos de metaverso, como a realidade virtual, aumentada e hologramas, por sua vez, não abraçam as multiplicidades e interseccionalidades de sujeitos negros que possam, de alguma forma, se conectar aos respectivos recursos.

Um exemplo palpável é a ausência de tonalidades negras nessa estrutura, o não reconhecimento de rostos negros em aplicativos e, claro, os algoritmos racistas que foram programados estrategicamente para não entregar nossos serviços e vozes para quem de fato precisa ouvir.

Tudo isso dentro de uma tecnologia emergente que tem como base a configuração do presente para o aporte no futuro, mas que falha na diversidade, inclusão e representatividade preta.

NOVA PARCERIA

A Feira Preta nasceu para ser uma facilitadora, um quilombo especializado como muitos gostam de dizer, para nos fortalecermos enquanto negritude e para a construção de coisas maiores que venham destacar nossas potencialidades.

Assim, surgiu em nosso escopo a importância de desenvolver um trabalho de base no qual a presença preta fosse mais efetiva. Iniciamos uma parceria com a Deboo, startup que desenvolve projetos e soluções em web3 por meio da tecnologia blockchain, ajudando a impulsionar os mais diversos projetos relacionados à criatividade e diversidade.

O objetivo dessa parceria é acelerar a autonomia e o desenvolvimento, que vão de novas formas e mecanismos de captação de recursos até a aceleração de artistas e empreendedores negros. É o futuro, e o nosso esforço é para que nele a população negra esteja envolvida e fazendo parte das decisões.


SOBRE A AUTORA

Adriana Barbosa é fundadora da Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo, e CEO da PretaHub. Foi apontada pelo Fórum Econômico... saiba mais