Esperançar é preciso

Um novo Rio Grande do Sul vai ter que ser esperançado. Assim como outras partes do Brasil e do mundo também precisam ser sonhadas, coletivamente

Crédito: Fast Company Brasil

Paula Englert 3 minutos de leitura

"É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo...”

Paulo Freire - Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido

Nasci no Rio Grande do Sul. A terra por onde chegamos e na qual pisamos neste mundo pela primeira vez virou água. Onde pisávamos firme e forte, de repente, afundamos sem dó.

E, nesta terra toda encharcada, sinto todos nós, gaúchos, submersos, afogados, desnorteados. Logicamente, sei que o Brasil e muitos no mundo estão vinculados conosco, empáticos, presentes, atuantes e solidários.

Mas a sensação de ver a terra que nos é mais íntima, mais segura, mais próxima, mais visceral, casa das nossas memórias de infância, debaixo d'água, é absolutamente dilacerante.

É por isso tudo, e por cada pedacinho, que precisamos esperançar. Em uma conversa no meio deste caos com a talentosa psicóloga gaúcha e amiga querida, Luciane Paim, falamos sobre este lugar de esperançar. Conceito de Paulo Freire que ela vem estudando e trabalhando na intersecção com a área de psicanálise. Conjugar a esperança em verbo se faz mais fundamental do que nunca neste momento.

tão fundamental quanto salvar é reconstruir, pois esta água tão suja vai baixar e o novo precisará nascer.

Entre o sobreviver e o voltar a viver, é necessário que exista uma ponte. As organizações, os governos, a sociedade civil e, principalmente, as empresas serão os alicerces desta ponte. Os caminhos de poder e de recurso para esta nova realidade. É neste lugar estrutural que precisamos nos organizar para atuar em escala e com velocidade.

Seguindo a lógica da hierarquia de Maslow, é necessário primeiramente trabalharmos as necessidade fisiológicas e de segurança para, depois, podermos recuperar, enquanto sociedade, nosso lugar de força e de potência.

Pois não há o que sonhar se não se tem onde morar. E este caminho deve ser percorrido neste cenário agudo do Rio Grande do Sul, mas também no cenário crônico que vivemos diariamente no Brasil e no mundo.

Façam o que é urgente, o agir deve ser imediato. Na mesma proporção em relação ao tamanho de cada instituição. A sociedade espera, com razão, que grandes empresas façam grandes esforços e grandes doações. Foi na matemática do crescer com baixa responsabilidade sobre o mundo onde existimos que chegamos em um estado com 85% do seu território tomado por águas.

Entre o sobreviver e o voltar a viver, é necessário que exista uma ponte. É neste lugar que precisamos nos organizar para atuar em escala e com velocidade.

Mas tão fundamental quanto salvar é reconstruir, pois esta água tão suja vai baixar e o novo precisará nascer. Constância e consistência serão imprescindíveis para tempos tão longos de recuperação.

A articulação de diferentes segmentos, de parceiros improváveis, as soluções criativas, a persistência para refazer e a coragem para ações antes impensáveis é o meu convite neste texto.

A vida segue e precisa seguir. Desejo e atuo para que meu estado recupere o mínimo de dignidade de imediato, mas isso deve ser ponto de partida e não de chegada. Um novo Rio Grande do Sul vai ter que ser esperançado. Assim como outras partes do Brasil e do mundo também precisam ser sonhadas, coletivamente.

Que tamanha catástrofe nos sirva de lição para que tantas outras sejam impedidas. Precisamos esperançar para que todos recuperem o viver.


SOBRE A AUTORA

Paula Englert é CEO da Box1824, empresa focada em desenhar estratégias de negócio baseadas em visões de futuro. Apaixonada por decodif... saiba mais