Maria Ressa: “desinformação é como cocaína”
A jornalista filipina Maria Ressa, fundadora do site de notícias Rappler e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2021, não chegou a tempo para seu painel no SXSW, em Austin. Acostumada aos muitos processos que enfrenta na justiça – ligados principalmente a acusações como difamação no ambiente cibernético –, a ex-repórter da CNN no sudeste asiático conversou via Zoom sobre desinformação, fake news e a luta pela verdade com o escritor e membro sênior do Agora Institute, da Johns Hopkins University, Peter Pomerantsev, e com Stephen King, CEO da organização filantrópica global Luminate.
O tema vem sendo levantado repetidamente ao longo do festival, em conversas sobre desinformação e responsabilidade das redes sociais. “A desinformação é como cocaína – quando você consome repetidamente, vicia e é transformado para sempre”, disse.
Maria, como outras pessoas que passaram este ano pelo SXSW – como Tristan Harris (leia matéria) e a ex-funcionária do Facebook Frances Haugen –, criticam redes como o Facebook por deliberadamente tomarem a decisão de espalhar a desinformação pelo mundo.
“Essas plataformas não são neutras. Abdicaram da responsabilidade de proteger as pessoas e a democracia. É um jogo mortal de impunidade e dinheiro”, disse Maria.
AS PLATAFORMAS (DE REDES SOCIAIS) ABDICARAM DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER AS PESSOAS E A DEMOCRACIA.
Peter Pomerantsev sugeriu que as redes não deveriam ser neutras, mas tomar posições como defensoras da democracia. “Talvez escolher um lado seja o melhor a fazer. Acredito firmemente que todos temos uma responsabilidade a assumir”, sugeriu.
Para o escritor, no caso da Rússia, em que a população não está bem informada a respeito da guerra, a estratégia do governo é criar uma sensação de confusão, de que nada parece verdade e que qualquer coisa é possível.
“As pessoas são levadas a acreditar que não há possibilidade de chegar à verdade. Elas não confiam nos canais de informação como BBC. Ao mesmo tempo, não é fácil admitir estar do lado dos vilões. E podem ser presas se ousarem mencionar publicamente a palavra guerra”, comentou Peter.
Maria argumentou que não pode haver confiança quando não se tem fatos. “A desinformação está matando o jornalismo”, lamentou.
DESCONFIANÇA E DESCRENÇA
A questão é como fazer com que o público acredite nos fatos, caso eles sejam divulgados. “Como comunicar fatos para pessoas que estão céticas e acreditam teorias da conspiração?”, questionou Peter.
Vale lembrar que o Texas, estado onde é realizado o SXSW, tem sido um dos mais negacionistas em relação à vacina e hoje tem 60% da população totalmente vacinada. Em uma simples corrida de Uber, tive a oportunidade de conhecer um pouco dos efeitos da desinformação e de como a população parece adotar uma atitude de descrença em relação a fatos em geral. Como se nada fosse confiável. Nenhum veículo, nenhuma fonte.
“Não se sabe em que acreditar. O que parece mais óbvio é que as empresas que criaram as vacinas estão ganhando muito dinheiro às nossas custas”, ouvi de um taxista texano, frustrado.
THE FACEBOOK FILES
Por sinal, a desinformação a respeito das vacinas é um dos temas que compõem o dossiê “The Facebook Files”, série de documentos apresentados à Justiça pela ex-funcionária da rede social Frances Haugen. Ela foi convidada para contar um pouco da sua saga como ativista no palco principal do SXSW.
“O Facebook sabe como nos manter seguros sem censurar qualquer informação. Mas prioriza o lucro. O modelo de negócio exige que mais pessoas vejam cada vez mais conteúdo. E, infelizmente, notícias falsas e que promovem o ódio têm o mais alto engajamento. Essa conversa sobre liberdade de expressão, na realidade, distrai e distancia todos da busca de uma solução para o problema da distribuição de conteúdo extremista”, afirmou.
Como disse Maria Ressa, as plataformas distribuidoras de conteúdo têm errado ao não priorizar os fatos, by design.
Conversas como esta e outras realizadas nesta edição do SXSW – trazidas por pessoas como o já citado Tristan Parker e a fundadora do Sleeping Giants, Nandini Jammi, da Check My Ads – deram um gosto amargo à participação de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, no evento.
Encaixado de última hora na programação, Zuckerberg foi sabatinado somente sobre o tema metaverso – por Daymond John, empreendedor e jurado do programa Shark Tank, diante de uma plateia que esperava ouvi-lo falar sobre as questões polêmicas envolvendo as redes sociais ao longo do festival. Quem sabe, no ano que vem.