Maria Ressa: “desinformação é como cocaína”

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 4 minutos de leitura

A jornalista filipina Maria Ressa, fundadora do site de notícias Rappler e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2021, não chegou a tempo para seu painel no SXSW, em Austin. Acostumada aos muitos processos que enfrenta na justiça – ligados principalmente a acusações como difamação no ambiente cibernético –, a ex-repórter da CNN no sudeste asiático conversou via Zoom sobre desinformação, fake news e a luta pela verdade com o escritor e membro sênior do Agora Institute, da Johns Hopkins University, Peter Pomerantsev, e com Stephen King, CEO da organização filantrópica global Luminate

O tema vem sendo levantado repetidamente ao longo do festival, em conversas sobre desinformação e responsabilidade das redes sociais. “A desinformação é como cocaína – quando você consome repetidamente, vicia e é transformado para sempre”, disse. 

Maria, como outras pessoas que passaram este ano pelo SXSW – como Tristan Harris (leia matéria) e a ex-funcionária do Facebook Frances Haugen –, criticam redes como o Facebook por deliberadamente tomarem a decisão de espalhar a desinformação pelo mundo. 

“Essas plataformas não são neutras. Abdicaram da responsabilidade de proteger as pessoas e a democracia. É um jogo mortal de impunidade e dinheiro”, disse Maria. 

AS PLATAFORMAS (DE REDES SOCIAIS) ABDICARAM DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER AS PESSOAS E A DEMOCRACIA.

Peter Pomerantsev sugeriu que as redes não deveriam ser neutras, mas tomar posições como defensoras da democracia. “Talvez escolher um lado seja o melhor a fazer. Acredito firmemente que todos temos uma responsabilidade a assumir”, sugeriu. 

Para o escritor, no caso da Rússia, em que a população não está bem informada a respeito da guerra, a estratégia do governo é criar uma sensação de confusão, de que nada parece verdade e que qualquer coisa é possível. 

“As pessoas são levadas a acreditar que não há possibilidade de chegar à verdade. Elas não confiam nos canais de informação como BBC. Ao mesmo tempo, não é fácil admitir estar do lado dos vilões. E podem ser presas se ousarem mencionar publicamente a palavra guerra”, comentou Peter.

Maria argumentou que não pode haver confiança quando não se tem fatos. “A desinformação está matando o jornalismo”, lamentou.

DESCONFIANÇA E DESCRENÇA

A questão  é como fazer com que o público acredite nos fatos, caso eles sejam divulgados. “Como comunicar fatos para pessoas que estão céticas e acreditam teorias da conspiração?”, questionou Peter.  

Crédito: Fast Company Brasil

Vale lembrar que o Texas, estado onde é realizado o SXSW, tem sido um dos mais negacionistas em relação à vacina e hoje tem 60% da população totalmente vacinada. Em uma simples corrida de Uber, tive a oportunidade de conhecer um pouco dos efeitos da desinformação e de como a população parece adotar uma atitude de  descrença em relação a fatos em geral. Como se nada fosse confiável. Nenhum veículo, nenhuma fonte.  

“Não se sabe em que acreditar. O que parece mais óbvio é que as empresas que criaram as vacinas estão ganhando muito dinheiro às nossas custas”, ouvi de um taxista texano, frustrado. 

THE FACEBOOK FILES

Por sinal, a desinformação a respeito das vacinas é um dos temas que compõem o dossiê “The Facebook Files”, série de documentos apresentados à Justiça pela ex-funcionária da rede social Frances Haugen. Ela foi convidada para contar um pouco da sua saga como ativista no palco principal do SXSW. 

Frances Haugen (Crédito: Fast Company Brasil)

“O Facebook sabe como nos manter seguros sem censurar qualquer informação. Mas prioriza o lucro. O modelo de negócio exige que mais pessoas vejam cada vez mais conteúdo. E, infelizmente, notícias falsas e que promovem o ódio têm o mais alto engajamento. Essa conversa sobre liberdade de expressão, na realidade, distrai e distancia todos da busca de uma solução para o problema da distribuição de conteúdo extremista”, afirmou. 

Como disse Maria Ressa, as plataformas distribuidoras de conteúdo têm errado ao não priorizar os fatos, by design

Conversas como esta e outras realizadas nesta edição do SXSW – trazidas por pessoas como o já citado Tristan Parker e a fundadora do Sleeping Giants, Nandini Jammi, da Check My Ads – deram um gosto amargo à participação de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, no evento. 

Encaixado de última hora na programação, Zuckerberg foi sabatinado somente sobre o tema metaverso – por Daymond John, empreendedor e jurado do programa Shark Tank, diante de uma plateia que esperava ouvi-lo falar sobre as questões polêmicas envolvendo as redes sociais ao longo do festival. Quem sabe, no ano que vem.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais