Como a maior plataforma de streaming de games se perdeu pelo caminho

Quatro anos após a Twitch dominar o mercado de transmissões ao vivo, seu futuro está mais incerto do que nunca

Crédito: Fast Company Brasil

Ryan Broderick 4 minutos de leitura

Dizer que a Twitch se beneficiou da pandemia seria um eufemismo. De acordo com um relatório de 2021, a quantidade de horas assistidas no site aumentou 45% entre 2020 e 2021. Por um breve período durante o lockdown, parecia que a plataforma estava prestes a dominar o mundo.

Quatro anos depois, a situação é bem diferente. A empresa trocou de CEO várias vezes, perdeu muitos de seus principais criadores, encerrou suas operações na Coreia do Sul e passou por duas rodadas de demissões, cortando mais de um terço de sua força de trabalho.

Para entender onde as coisas deram errado, conversei com funcionários e ex-funcionários da Twitch. Eles descreveram uma empresa que nunca realmente entendeu o que seus usuários queriam, presa em um ciclo constante de tentar entrar no mainstream, falhar e retornar ao seu público principal – os gamers.

Uma plataforma que desperdiçou suas maiores oportunidades, alienou seus principais criadores e permitiu que seus concorrentes a superassem. “Ela foi exatamente o que o mundo precisava durante as restrições da pandemia. Mas, quando esse período passou, a demanda desapareceu”, disse um antigo funcionário.

Procurada a Twitch não quis se pronunciar sobre o assunto.

Apesar de as últimas demissões poderem ajudar a amenizar a queda livre da plataforma, há um longo caminho pela frente, mesmo para uma empresa que, basicamente, inventou toda a indústria em que agora luta para sobreviver.

Lançada como um site de transmissão ao vivo chamado Justin.TV em 2007, ela foi adquirida pela Amazon em 2014 por mais de US$ 900 milhões. Na época, cerca de 55 milhões de visitantes únicos assistiam a bilhões de minutos na plataforma. Nos anos seguintes, tanto a Twitch quanto os esportes eletrônicos se tornaram indústrias bilionárias.

Então, em 2020, a Covid-19 se tornou um problema global, forçando milhões de pessoas a entrar em lockdown. E a cultura anárquica dos gamers online rapidamente ganhou espaço.

Jordan Uhl (Crédito: Reprodução/ Twitch)

Um dos grandes nomes foi Jordan Uhl, ativista de esquerda que entrou para a plataforma ainda quando se chamava Justin.TV e acompanhou de perto seu crescimento na década de 2010. Em 2020, ele considerava a Twitch “a plataforma de mensagens perfeita”.

“Ela mostrou muito potencial, mas a Amazon e a Twitch não reconheceram que havia algumas falhas realmente sérias e criaram um teto bastante rígido para a maioria de seus criadores”, disse um funcionário de longa data, que pediu para permanecer anônimo.

Os concorrentes da plataforma, como YouTube, Netflix e TikTok (que agora também oferece transmissões ao vivo),

Quando foi comprada pela Amazon, em 2014, por mais de US$ 900 milhões, a Twitch tinha 55 milhões de visitantes únicos.

foram mais inteligentes ao fazer com que o conteúdo de vídeo longos se encaixasse na vida pós-pandêmica. Já a Twitch passou a maior parte do ano passado tentando corrigir alguns desses problemas.

A questão é que tem sido muito mais fácil para o YouTube emular a Twitch do que o contrário. E o investimento em vídeo sob demanda o ajudou a ultrapassar a Netflix em 2022 como a maior plataforma de streaming em TVs, de acordo com a Nielsen.

Isso, em muitos aspectos, tem sido o problema central dentro da empresa desde a pandemia. Eles são um negócio de jogos ou de entretenimento convencional? E a resposta para essa pergunta só ficou mais confusa nos últimos anos.

Crédito: Twitch/ Amazon

A Amazon e a Twitch parecem ter tentado resolver essas questões em várias ocasiões ao longo dos anos, mas muito pouco se materializou desde 2020. E, com a reabertura da economia global, cada vez menos pessoas passaram a acessar ou se inscrever na plataforma.

Segundo fontes, teria havido uma grande mudança interna no final de 2022. A Twitch aparentemente percebeu que estava perdendo usuários para plataformas como o YouTube e decidiu, mais uma vez, se concentrar em seu público principal.

Outra questão importante era que o que a Amazon queria nem sempre parecia estar alinhado com os objetivos da Twitch. E isso ficou evidente na forma como a empresa lidava com a exclusividade.

a Amazon e a Twitch não reconheceram que havia falhas sérias e criaram um teto bastante rígido para a maioria de seus criadores.

“A Amazon tem cláusulas de não competição muito rigorosas”, disse uma fonte. “Isso também explica por que a transmissão cruzada tem sido um grande desafio para a plataforma, a ponto de ser superada pela [concorrente de streaming] Kick”.

Em junho, Félix Lengyel, que usa o pseudônimo xQc, assinou um contrato multimilionário para fazer transmissões na Kick. Richard Blevins, mais conhecido como “Ninja”, rasgou seu contrato de exclusividade e começou a fazer transmissões em todas as principais plataformas. Na TwitchCon de 2023, o site finalmente anunciou que os streamers poderiam transmitir simultaneamente onde quisessem.

É difícil não pensar na decisão de encerrar suas atividades na Coreia do Sul em dezembro como algo que marcou o fim de uma era, já que fez com que algumas das maiores personalidades dos esportes eletrônicos migrassem para o YouTube.

Em uma longa reportagem da “Digiday sobre o declínio da Twitch (antes da última rodada de demissões), surgiu a questão de se a plataforma era “grande demais para falir”. Pelo que tudo indica, ela continua extremamente popular. Mas não está claro se algum dia será tão grande quanto poderia ter sido.


SOBRE O AUTOR

Ryan Broderick é jornalista e escreve sobre tecnologia e cultura cibernética. saiba mais