Marcela Miranda: “Inovar é o principal desafio do eSport no Brasil”

Crédito: Fast Company Brasil

Ana Beatriz Camargo 6 minutos de leitura

Cofundadora do que ela mesma resume como uma fábrica de startups, Marcela Miranda é hoje uma das mulheres que participam ativamente da indústria brasileira de games. Em 2015, ela cofundou a Seastorm, uma Venture Builder com foco em mídia digital, serviços de tecnologia, fintech e insure tech. Marcela carrega no seu currículo o case de sucesso da fintech Trigg, da qual é cofundadora, e que — em três anos de existência — se tornou umas das principais concorrentes do Nubank. Em janeiro de 2020, a Trigg foi comprada pelo grupo OMNI.

Em 2020, começou a aproximação de Marcela com o mundo do esport — a Seastorm começou a investir e, consequentemente, participar da gestão da B4 eSports — organização que reúne times dos principais jogos eletrônicos do mercado, como Free Fire, Wild Rift, PUBG e Valorant. Em junho deste ano, a empresa anunciou oficialmente que passava a assumir 38% do controle da B4 e Marcela passou a ser uma das sócias do negócio.

Marcela Miranda (Crédito: Silvia Zamboni)

Segundo ela, a missão da Seastorm é levar maturidade estratégica e financeira para a B4, que já provou ser uma organização consolidada, com uma proposta de valor e viabilidade. 

Em entrevista à FC Games, Marcela falou um pouco sobre inovação, sua visão de mercado e como fazer do mundo do game um espaço menos machista.

Como inovar no mercado de games?

Esse é o principal desafio para o cenário do esport, no Brasil. Temos modelos muito tradicionais e fechados de monetização dentro de games: publicidade, skins, mapas, compras de app. E aqui já existe confiança das marcas. Quando falamos de esport, mudam um pouco os formatos, mas não totalmente. Se pensarmos que inovação é melhorar a experiência de quem consome, podemos olhar para vários públicos: existe um público gigantesco e com perfis totalmente diferentes se conectando com esport e, para as marcas, isso é um ótimo caminho, mas precisamos mostrar como e de uma forma efetiva. 

Outro ponto é olhar a experiência dos jogadores que aspiram ser atletas. Temos também os jogadores eventuais e consumidores de conteúdo (streaming, lives, redes sociais). E o ecossistema é grande: influenciadores/streamers, os pais das crianças, plataformas de streaming, desenvolvedoras de jogos, agências especializadas etc. Olhar para tudo isso é criar conexões, mudando experiências e trazendo as marcas para o jogo, já será uma megainovação no cenário. O importante é olhar para tudo isso sem perder a essência, que é competir e fazer isso de forma mais efetiva. 

Mas o maior desafio é conectar todo esse ecossistema com tecnologia. E é isso que a Seastorm sabe fazer! E aqui a gente pode realmente virar o jogo em inovar o mercado.

Quais as habilidades mais importantes para alguém se destacar como empreendedor nesse ramo?

 Conhecer todo o ecossistema e particularidades de cada parte que envolve o processo é imprescindível. Entender sobre o perfil de cada jogo (ou seja, jogar de forma estratégica), o que mostra o perfil de cada público e qual estratégia de conexão. Investir em performance: ótimos jogadores trazem ótimos campeonatos e ótimos faturamentos. Ter uma visão aberta sobre o mundo: Olhar tendências de mercado, acompanhar o que acontece lá fora, entender o que pode impactar (positivo ou negativo) o negócio. Ter profissionalismo, mostrar responsabilidade sobre o que se está fazendo e isso tem que reverberar em todas as entregas. É necessário que todas as partes envolvidas tenham confiança no empreendedor e na organização. Ser apaixonado por games! A paixão conecta! A gente vira amigo de quem é apaixonado pela mesma coisa. E isso traz resiliência, traz conhecimento, faz a gente estudar mais e criar mais.

Qual seu conselho para uma marca que ainda não teve nenhum contato com este mercado, há espaço para todos?

 É um mercado lindo e pouco explorado da forma correta. O público é cativo e fiel, uma conexão de verdade com o universo de esport é algo que realmente funciona. Há muitas campanhas de marketing, algumas feitas de forma equivocada, porque claramente foram produzidas por pessoas que não se conectam com o universo. Tem muita marca flertando com o mercado, mas poucas querendo um relacionamento sério. E esse é o ponto, tem que falar a mesma língua, entender o que é relevante em qual jogo, ter um vocabulário próprio, saber o canal certo. 

O desafio é não ser só uma campanha de marketing. Quando a marca consegue mergulhar num projeto e fazer o fã entender que ela (a marca) está realmente apaixonada pelo mesmo que ele (o fã) é também apaixonado, isso é muito maior, entende? Aí a conexão acontece de uma forma incrível! 

Sem contar que o mercado de games/ esport é super democrático, dá para criar projetos definindo games por classe social, geografias, devices,  LGBTQIA+. Dá para vender qualquer coisa, desde que a gente consiga entender claramente o público e como falar com ele.

Como combater o machismo no mundo gamer e promover a igualdade?

Acho que esse é um problema não só nos games. O racismo, machismo, assédios, preconceitos estão aí. Assim como na internet, nos games também temos o “anonimato”, o que permite esse tipo de ações e reações. “Videogame é coisa de meninos!”, dizem. Mas o jogo vira quando juntamos forças. 

É primordial a participação das desenvolvedoras dos jogos nesse momento. As punições devem ser claras e definitivas. Apesar do anonimato, é necessário um perfil para jogar, e esses perfis devem estar sempre em observações, monitorar conversas, investigar denúncias, esse é o caminho dentro dos jogos. As crianças, e isso inclui meus filhos, têm que entender isso na vida, off-line e on-line. Se fizer, será banido. É simples!

Além disso, as organizações têm que ter esse compromisso. Não será aceito qualquer tipo de discriminação ou preconceito com quem veste a camisa do time. Por outro lado, temos que incentivar e apoiar iniciativas que tragam à tona essas pessoas, que coloquem elas em destaque. O segredo para ser um bom jogador é treino, disciplina, estratégia e foco, e essas características não são de um grupo só de pessoas. Temos no mercado pro players que são mulheres, trans, gays, homens, idosos, pretos, crianças, não se pode ignorar ninguém.

A B4 investiu em um time feminino para ser o time principal de Valorant, elas jogam todos os campeonatos e é um dos 3 melhores times do cenário, entende? Não dá para ignorar! Assim como elas têm vários no mesmo perfil. E as marcas estão olhando para isso também. Esse mês divulgamos uma parceria linda: Digio e B4 Angels . São projetos bem legais para incentivar mais meninas a entrarem para o mercado de games. Uma delas será uma peneira para encontrar a nova integrante da B4 Angels. Uma peneira só para meninas!

O que está por vir no seu horizonte de negócios? 

Vivemos um momento de inquietude aqui. Toda semana fazemos reunião e discutimos sobre tendências: NFT, open banking, metaverso, propriedade intelectual, 5G, tecnologia, exponencialidade, serviços de assinaturas, comportamento, experiência, redes sociais, etc. Tem muita coisa acontecendo no mundo e olhar para isso de dentro do mercado de games/ esport é uma forma de olhar para o futuro.

Estamos trazendo uma reestruturação para a B4, como time e como organização. Também estamos olhando para novos modelos de negócios na indústria de games e esport. Muita coisa boa virá por aí.


SOBRE A AUTORA

Ana Beatriz Camargo é jornalista, heavy user de redes sociais e escreve sobre o mundo dos games. saiba mais