Arsênico em depósitos de lixo envenena a água subterrânea em todo o mundo

A exposição prolongada à substância por meio de água e alimentos pode levar ao envenenamento crônico, resultando em lesões e câncer de pele

Crédito: Andreas Kermann/ 35007/ iStock

Gumersindo Feijoo Costa 4 minutos de leitura

Já faz muito tempo que o arsênico é considerado "o maior dos venenos". Filmes como “Este Mundo é um Hospício” (1944), de Frank Capra, e “O Nome da Rosa” (1986), de Jean-Jacques Annaud, ilustram o efeito mortal que uma dose alta dessa substância pode ter sobre as pessoas.

Mas, na maioria das vezes, quando alguém sofre envenenamento por arsênico, não é consequência de nenhuma trama diabólica. Se não foi proposital, como descobrir, então, como o arsênico entrou na corrente sanguínea de alguém?

É essa a questão que uma equipe de colegas engenheiros químicos e eu enfrentamos há mais de 20 anos, desde quando houve um salto abrupto no número de casos de envenenamento por arsênico nos EUA. Depois disso, publicamos um estudo revisado por pares documentando a investigação.

Encontrar a fonte dos envenenamentos por arsênico nem sempre é fácil, mas é extremamente importante para a saúde pública. Os cientistas geralmente precisam combinar trabalhos científicos e de detetive, o que nos levou a concluir que os aterros sanitários poderiam ser uma fonte considerável de contaminação.

Mesmo assim, quase 20 anos depois, os aterros sanitários nos EUA, na Europa e em todo o mundo continuam representando uma grande fonte de envenenamento por arsênico.

DESVENDANDO UM MISTÉRIO

O arsênio é um elemento químico que ocorre naturalmente no meio ambiente. Em sua forma orgânica, com uma molécula de carbono ligada, ele é inofensivo. Mas ele é altamente tóxico em sua forma inorgânica (sem carbono), conhecida como arsênico. Ele está presente em altos níveis nas águas subterrâneas de 70 países, incluindo Chile, China, Índia, México e Estados Unidos.

A exposição prolongada ao arsênio inorgânico, principalmente por meio da água potável e dos alimentos, pode levar ao envenenamento crônico, cujos efeitos mais característicos são lesões e câncer de pele.

Em 2002, eu estava estudando processos anaeróbicos na natureza, ou seja, aqueles que ocorrem sem oxigênio. Meus colegas e eu estávamos concentrados em como as bactérias anaeróbicas podem alterar o número de elétrons do arsênio (o elemento químico), afetando sua solubilidade.

Lixo têxtil depositado no deserto do Atacama, no Chile (Crédito: Lucas Aguayo Araos/ Anadolu Agency /Getty Images

Isso é importante, porque quando o arsênio é solúvel – ou seja, quando é capaz de se dissolver na água ou em outros líquidos –, ele pode se tornar móvel.

Encontramos um relatório da Associação Americana de Centros de Controle de Envenenamento que constatou que o número de envenenamentos por arsênico nos EUA saltou de cerca de mil, nos anos anteriores, para 1.680 em 2001. Com base nesses dados, estabelecemos a meta de descobrir de onde o arsênico pode ter vindo e explorar as possíveis atividades humanas envolvidas.

Os efeitos mais característicos da exposição prolongada ao arsênico são lesões e câncer de pele.

Depois de observar o aumento de casos de arsênico nos dados e considerar algumas possibilidades, levantamos a hipótese de que o arsênico poderia estar escapando dos aterros sanitários da cidade e entrando no suprimento de alimentos por meio das águas subterrâneas.

O arsênio é encontrado em muitos produtos domésticos e industriais, desde pesticidas e aditivos alimentares até chips semicondutores e produtos farmacêuticos. E, quando descartado, o arsênico contido nos produtos pode se infiltrar do aterro para o solo.

INVESTIGANDO UMA HIPÓTESE

Para validar nossa hipótese, projetamos um experimento que utilizou três reatores biológicos para simular o processo químico de como um aterro sanitário mantido de forma inadequada poderia deixar o arsênico vazar para as águas subterrâneas.

Dois dos reatores continham várias misturas de arsênio insolúvel e material orgânico e inorgânico, bem como bactérias anaeróbicas, enquanto o terceiro foi usado como controle, sem as bactérias.

Cerca de 250 dias após o início do nosso experimento, descobrimos que as bactérias anaeróbicas e a matéria orgânica haviam transformado o arsênio insolúvel, que não era capaz de atravessar a água, em sua forma solúvel, que podia atravessar a água.

a única maneira de resolver o problema é por meio do projeto e do gerenciamento adequados de aterros sanitários.

Isso permitiu que o arsênio se deslocasse pelo solo como água contaminada e acabasse chegando às águas subterrâneas. A partir daí, o arsênico (o veneno) pode chegar aos seres humanos por meio da água potável ou da cadeia alimentar, como em plantações de arroz ou ovos de galinha.

A má vedação dos aterros sanitários ou sua operação em um ambiente que mistura resíduos inorgânicos e orgânicos aumenta significativamente a probabilidade de uma liberação gradual de metais pesados, como o arsênico, o que pode causar danos ambientais e humanos.

Como sugere nossa pesquisa, a única maneira de resolver o problema da infiltração de arsênico no suprimento de alimentos é por meio do projeto e do gerenciamento adequados de aterros sanitários, o que necessariamente envolve o monitoramento e o tratamento dos resíduos que eles geram.

Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Gumersindo Feijoo Costa é professor de engenharia química na Universidade de Santiago de Compostela. saiba mais