Só a reciclagem não vai resolver o problema da montanha de lixo tóxico

De acordo com um relatório da ONU, a produção mundial de lixo eletrônico é cinco vezes maior do que sua reciclagem

Crédito: Lya_Cattel/ iStock

Kristin Toussaint 3 minutos de leitura

Os aparelhos eletrônicos estão por toda parte – não apenas celulares e computadores, mas também smartwatches, bicicletas elétricas, brinquedos, ferramentas, móveis com portas USB embutidas e até mesmo vasos sanitários inteligentes com conexão wi-fi.

Quando esses itens são descartados, eles se tornam lixo eletrônico, um tipo de resíduo tóxico que tem aumentado nos últimos anos e para o qual não estamos preparados para lidar de forma adequada.

Em 2022, o mundo gerou um recorde de 62 milhões de toneladas de lixo eletrônico – o suficiente para encher 1,55 milhão de caminhões de 40 toneladas –, segundo o relatório das Nações Unidas Global E-Waste Monitor 2024. E esses números continuam crescendo: globalmente, espera-se um aumento de 2,6 milhões de toneladas por ano.

Mas a reciclagem não está acompanhando esse ritmo. Em 2022, apenas 22,3% de todo o lixo eletrônico foi corretamente coletado e reciclado. No geral, a produção deste tipo de resíduo está aumentando cinco vezes mais rápido do que a taxa de reciclagem documentada.

“Isso é algo que realmente me preocupa”, diz Kees Balde, principal autor do relatório e especialista científico do Instituto das Nações Unidas para Treinamento e Pesquisa. “Há muita discussão [sobre lixo eletrônico], mas precisamos de mais ação.”

Fonte: The Global E-Waste Monitor 2024/ Unitar

Com a tendência de crescimento, o esperado é que a taxa de reciclagem diminua: o relatório prevê que a coleta e reciclagem global de lixo eletrônico caia para 20% até 2030.

As taxas de reciclagem em geral estão baixas, mas o lixo eletrônico é um problema que requer atenção especial, de acordo com especialistas, em parte devido aos seus desafios únicos. “Cada dispositivo contém materiais perigosos e valiosos”, explica Balde.

“Devemos garantir que os materiais perigosos sejam desmontados e descartados com segurança e que os materiais valiosos sejam reciclados, para que possamos recuperá-los, o que não é fácil. Do contrário, os mercados já estariam fazendo isso.”

Fonte: The Global E-Waste Monitor 2024/ Unitar

Quando aparelhos eletrônicos não são reciclados adequadamente, os produtos químicos tóxicos podem se infiltrar no solo, na água e no ar, prejudicando o meio ambiente e ameaçando a saúde humana.

Além disso, cada metal não coletado significa que mais materiais precisam ser extraídos para fabricar novos produtos, o que gera mais impactos ambientais e sociais. O relatório constatou que o lixo eletrônico descartado em 2022 continha US$ 92 bilhões em metais como cobre, ouro e ferro.

Quanto às possíveis medidas para enfrentar o problema, Balde afirma que a legislação será fundamental. “Precisamos de apoio financeiro e legislativo suficiente dos governos e produtores responsáveis pelo lixo que estão gerando.”

Em 2023, 81 países já tinham alguma forma de legislação sobre lixo eletrônico, um aumento em relação aos 78 de 2019. Isso fez diferença. Países com leis específicas têm, em média, uma taxa de coleta e reciclagem de 25%, “enquanto a maioria dos que não têm está próxima de 0%”, segundo Garam Bel, coordenador de economia circular da União Internacional de Telecomunicações, agência especializada da ONU envolvida na produção do relatório.

Fonte: The Global E-Waste Monitor 2024/ Unitar

Mas a legislação não pode ser vista como a única solução. Em alguns casos, ela é mal aplicada ou não inclui investimento financeiro em sistemas de reciclagem. Balde acrescenta que muitos aparelhos eletrônicos simplesmente não são projetados para serem reparados ou reciclados. Nesses casos, a legislação e a tecnologia de reciclagem aprimorada ainda não seriam capazes de recuperar os metais.

Portanto, as empresas e os fabricantes também precisam desempenhar um papel no processo. Os lucros das big techs são altos “e elas devem assumir a responsabilidade de criar esquemas de reparo para diminuir a produção de lixo eletrônico”, defende Balde.

Crédito: Rajan Zaveri

Elas também poderiam facilitar a reciclagem de seus produtos, como, por exemplo, projetar eletrônicos modulares, além de colaborar com as cidades para separar melhor o lixo eletrônico e enviá-lo para os recicladores certos. “Os fabricantes desempenham um papel fundamental em tudo isso.”

Embora os números no relatório sejam estarrecedores, Balde espera que isso estimule as pessoas. “Com estes dados, criamos as condições para que os responsáveis por promover a mudança possam começar a agir.”


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais