Bactérias que “comem” plástico conseguem transformar lixo em seda

Novo processo trata de dois problemas ao mesmo tempo: o que fazer com o lixo plástico e como produzir materiais mais sustentáveis

Créditos: RPI/Dakota Pace

Adele Peters 4 minutos de leitura

Uma garrafa de plástico pode demorar mais de mil anos para se decompor em um aterro sanitário. Mas um novo método é capaz de transformar o plástico de polietileno em uma questão de dias, usando bactérias para comer os resíduos e transformá-los em um material biodegradável inspirado na seda de aranha.

O sistema, desenvolvido por pesquisadores do Rensselaer Polytechnic Institute (RPI), foi concebido para solucionar dois problemas: lidar com os resíduos plásticos e criar materiais mais sustentáveis. 

O plástico de polietileno, encontrado em embalagens descartáveis de alimentos, tem grandes chances de acabar em aterros sanitários ou no meio ambiente, decompondo-se em pequenos pedaços que podem ir parar em alimentos e bebidas. A produção de novos plásticos a partir de combustíveis fósseis também deixa uma enorme pegada de carbono.

Para desenvolver a nova técnica, os cientistas recorreram a bactérias que são naturalmente capazes de ingerir polietileno. Eles editaram geneticamente os micróbios para que também conseguissem produzir um material semelhante à seda, inserindo uma sequência de aminoácidos semelhante a uma proteína encontrada na seda.

a equipe está trabalhando para tornar o processo mais eficiente para que as bactérias possam produzir mais material.

"O que estamos usando é um processo muito semelhante ao da fabricação de cerveja", explica Helen Zha, professora assistente de engenharia química e biológica da RPI e uma das autoras de um novo artigo sobre o projeto. "É basicamente uma fermentação." 

Em vez de alimentar os micróbios com açúcar, como uma cervejaria faria, os pesquisadores oferecem a eles uma forma "pré-digerida" de resíduos plásticos que foram aquecidos sob pressão. Quando as bactérias comem o plástico, usam o carbono contido nele para produzir o novo material.

Crédito: Dakota Pace/ RPI

O mesmo processo poderia ser usado para produzir outros materiais, mas os cientistas queriam começar com a seda por conta de suas propriedades únicas: ela pode ser muito forte e leve, além de naturalmente biodegradável. 

A seda natural já é usada em algumas aplicações além de tecidos, inclusive como ingrediente em produtos de cuidados com a pele ou para fabricar itens médicos, como curativos cirúrgicos. Mas o processo de produção tradicional não é sustentável, porque envolve muita terra, água e fertilizante para cultivar alimentos para os bichos-da-seda.

Para desenvolver a nova técnica, os cientistas recorreram a bactérias que são naturalmente capazes de ingerir polietileno.

Se, em vez disso, a seda fosse produzida a partir do plástico, ela poderia ser usada de forma mais ampla, produzindo itens como plástico filme, que atualmente não pode ser facilmente reciclado. "É uma proteína, então você pode até comê-la se quiser", diz Zha. 

Se acabar em um aterro sanitário ou jogado na natureza, ela vai se decompor, ao contrário de algumas formas de plástico "biodegradável" que se degradam muito mais lentamente se não forem processadas em uma instalação de compostagem industrial.

Até o momento, os cientistas apresentaram uma prova de conceito, demonstrando pela primeira vez que as bactérias podem produzir um material valioso ao se alimentarem de resíduos plásticos. Agora, a equipe está trabalhando para tornar o processo mais eficiente para que as bactérias possam produzir mais material.

Crédito: Dakota Pace/ RPI

Embora sejam necessários mais pesquisa e desenvolvimento, Zha diz que está otimista de que os resultados podem melhorar a ponto de a produção se tornar comercialmente viável.

Outros também estão trabalhando em maneiras de usar a biologia para lidar com resíduos plásticos. A Carbios, uma startup francesa, usa uma enzima que foi originalmente descoberta comendo plástico PET em composto, ajustando-a para que possa decompor o plástico mais rapidamente em temperaturas mais altas.

os cientistas quiseram começar com a seda por ela ser muito forte e leve, além de naturalmente biodegradável.

Após essa "reciclagem enzimática", as moléculas podem ser usadas para produzir plástico novo em um ciclo fechado. A empresa planeja abrir sua primeira fábrica de reciclagem em larga escala no próximo ano.

No entanto, transformar o plástico em um material biodegradável pode ser ainda mais útil. A estratégia poderia ajudar a transformar toda a lógica de sua fabricação. 

"Em vez de grandes instalações – com produtos químicos realmente desagradáveis e altas temperaturas – fabricando plásticos, a natureza poderia produzir os materiais de que precisamos com as propriedades de que precisamos, em temperaturas razoavelmente baixas", diz Zha. Esse material poderia ser útil sem poluir o planeta a longo prazo.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais