Negócios “regenerativos” vão além do status quo da sustentabilidade
Pesquisa revela empresas que vão além da sustentabilidade para gerar múltiplas camadas de impacto
Negócios regenerativos estão se tornando cada vez mais comuns. Vemos marcas surgindo em diversas indústrias – moda, calçados, alimentos, viagens, saúde, finanças – que estão pensando mais em seu impacto no planeta e nas comunidades.
No entanto, embora isso seja cada vez mais reconhecido e discutido, ainda é um investimento a longo prazo e requer um empreendedor visionário no comando.
Através de uma extensa pesquisa, analisando o trabalho de mais de duas dezenas de empresas e viajando para mais de 20 países para conhecer donos de negócios e fundadores para meu livro, “Working to Restore” (Trabalhando para Restaurar), descobri um desejo de ir além da sustentabilidade e gerar várias camadas de impacto.
“Regenerar” e “sustentar” são conceitos bastante diferentes. Sustentar é manter o status quo, enquanto regenerar significa trazer vida para algo – e é exatamente isso que esses negócios estão fazendo. Aqui estão alguns exemplos de empresas regenerativas nas categorias que consumimos regularmente: alimentos e moda.
Sim, estou ciente de que uma das maiores críticas a elas são os preços de seus produtos. Mas é necessário repensar o valor de uma forma que não encoraje o consumo baseado no menor custo e na baixa qualidade.
INVESTIR EM PRODUTOS EM VEZ DE MARKETING
A marca de calçados Veja é conhecida por seus elegantes sapatos feitos de algodão orgânico e borracha amazônica. Seus cofundadores, Sébastien Kopp e François-Ghislain Morillion, queriam resolver um grande problema na indústria da moda: mais dinheiro é gasto em marketing do que na produção. A solução que encontraram foi inverter essa lógica.
Eles decidiram abrir mão de seus orçamentos de marketing e investir esse dinheiro na fabricação – uma ideia bastante ousada para uma marca de tênis, já que a maioria das empresas do setor depende de investimento em marketing para impulsionar as vendas.
A Veja usa algodão orgânico (e agora orgânico regenerativo), borracha amazônica selvagem – que ajuda a manter as árvores em pé e apoia os seringueiros, em vez de recorrer à pecuária ou madeira, indústrias que causam desmatamento – e produz os sapatos em Porto Alegre, onde os salários são mais altos e os padrões de trabalho são fiscalizados.
Os produtos são enviados para Paris, onde a empresa trabalha com uma organização sem fins lucrativos que emprega pessoas que foram consideradas “não empregáveis” pela sociedade. Isso resulta em múltiplas camadas de impacto ao longo de uma cadeia de suprimentos que prioriza a regeneração do meio ambiente e cuida das pessoas com quem trabalha.
Portanto, sim, seus produtos são mais caros – a partir de US$ 135. Mas é importante lembrar que custa à Veja de quatro a sete vezes mais para produzir seus sapatos. E grande parte desse investimento é destinada à fabricação, não à promoção do produto.
REDUZIR PLÁSTICO E PRIORIZAR ACESSIBILIDADE
Quando Vizan Giri, fundadora da Terra Thread, começou a analisar o mercado de mochilas, descobriu que a maioria era feita com poliéster ou materiais sintéticos. Não havia marcas acessíveis que utilizassem materiais e práticas éticas.
Solução: Utilizar apenas algodão orgânico e fábricas certificadas pelo Fair Trade, reduzir as margens de lucro e precificar o produto de acordo com os concorrentes. A Terra Thread poderia fazer escolhas não convencionais financiando o negócio com recursos próprios em vez de buscar capital de investidores.
Em 2017, ela cofundou a Terra Thread, que utiliza apenas algodão orgânico em suas mochilas, acessórios, sacolas e estojos. Mas não parou por aí. Giri trabalhou para obter produtos de cooperativas de algodão orgânico na Índia, onde os agricultores tinham voz.
Além disso, sua empresa ajudou a cobrir os custos das sementes de algodão orgânico para os agricultores no início de cada temporada. Depois, ela colaborou com fábricas certificadas pelo Fair Trade Justo para produzir as bolsas e decidiu doar uma parte das vendas para a organização não governamental Feeding America.
Eis o ponto crucial. Ela queria manter preços competitivos para que seus produtos fossem acessíveis às famílias. Como imigrante nos Estados Unidos e consumidora consciente do preço, ela sabia muito bem que as marcas sustentáveis estavam além do alcance dos jovens. Desde então, a Terra Thread ajudou a fornecer mais de 2,9 milhões de mochilas por meio da Feeding America.
FINANCIAR E TREINAR FUTUROS AGRICULTORES
Quanto custa cultivar café levando em consideração as pessoas e o planeta? As plantações de café em todo o mundo estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas. E cada vez menos jovens em países produtores querem se dedicar à agricultura familiar, já que podem ganhar mais dinheiro nas cidades e realizar trabalhos menos intensivos em mão de obra.
Konrad Brits, CEO da Falcon Coffees, observa que o cultivo de café é realizado por comunidades vulneráveis em torno de ecossistemas extremamente sensíveis. Dessa forma, as questões sociais e ambientais estão interligadas. Brits decidiu apoiar grupos de agricultores, fornecendo treinamento e apoio financeiro na esperança de obter sucesso a longo prazo.
No Peru e na Etiópia, onde a Falcon implementou o projeto, houve um aumento significativo na renda familiar devido à melhoria da qualidade dos grãos e ao aumento da produção. A empresa compra café diretamente dessas comunidades agrícolas, garantindo que os lucros obtidos por um produto melhor cheguem aos agricultores e não fiquem na mão de intermediários.
Recentemente, a Falcon contratou a cientista e agroecologista Mandi Caudill para construir um modelo que mede as emissões nas cadeias de suprimento de café e liderar projetos colaborativos envolvendo reflorestamento e proteção da biodiversidade.
TRANSFORMAR DESPERDÍCIO EM ECONOMIA
Há mais de uma década, o empreendedor social Rob Wilson e o ativista Tristram Stuart perceberam que o pão estava sendo desperdiçado na produção de sanduíches prontos para consumo no Reino Unido. Eles pensaram: por que não reaproveitar esse pão para fazer cerveja?
Em 2015, a dupla fundou a Toast, uma marca de cerveja focada em reduzir o desperdício de alimentos, o que contribui para as mudanças climáticas. O Programa Ambiental das Nações Unidas estima que de 8% a 10% das emissões de gases de efeito estufa estão relacionadas ao desperdício de alimentos.
Stuart e Wilson substituíram 25% do malte de cevada geralmente usado em cervejas por sobras de pão, que é muito mais barato. Com isso, conseguiram administrar os custos de fabricação e manter o preço das cervejas da Toast equiparado a qualquer outra cerveja artesanal no mercado. Assim, o consumidor não precisa pagar a mais por fazer uma escolha mais eco consciente.
O impacto não para por aí: eles também decidiram doar 100% de seus lucros para a Feedback, instituição de caridade dedicada ao combate ao desperdício de alimentos. Até o momento, eles doaram mais de US$ 120 mil e "salvaram" mais de três milhões de fatias de pão. É o que Wilson chama de "ganha-ganha-ganha".