Felicidade como propósito: uma estratégia de liderança

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Ao longo da minha carreira como diretor criativo e depois como designer de experiência de produto, guardei por muito tempo um segredo: sou daltônico.

Eu consigo ver cores. Mas tenho dificuldade em diferenciar nuances de cor numa mesma gama de tons. Em outras palavras, verdes e marrons são indistinguíveis para mim. O mesmo ocorre com azuis e roxos. 

Desde que admiti isso publicamente, uns dois anos atrás, muitas pessoas se perguntaram como alcancei tanto sucesso num campo que depende tanto do uso que fazemos das cores. Verdade seja dita, eu mesmo me perguntava sobre isso já fazia tempo. Recentemente, com a ajuda do psicólogo positivo Robert Mack, eu aprendi que a chave do sucesso, ao longo de todos esses anos, tem sido a prática da felicidade como propósito.

Assim, quando alguém pratica yoga ou meditação, ela mentaliza uma intenção e se dedica a isso com alguma frequência. Até mesmo os que já estão num nível avançado devem trabalhar para manter suas habilidades. Eu ainda não domino a felicidade, mas eu trabalho intencionalmente para cultivá-la. Usando as palavras de Mack, eu estou em treinamento contínuo do sistema da minha orientação emocional para focar no positivo. 

Segundo documentado pelo autor Eric Barker, há coisas cientificamente provadas que você pode fazer para ser mais feliz. E a busca pela felicidade virou um negócio em si mesmo. Há inúmeros estudos sobre felicidade, rankings globais do país mais feliz e até mesmo listas das empresas que têm os funcionários mais felizes. 

As corporações estão começando a valorizar isso, assim como muitas organizações estão dedicando recursos para o bem-estar. (Os conceitos de “felicidade” e “bem-estar subjetivo” são, muitas vezes, intercambiáveis). Líderes querem pessoas felizes nas suas equipes porque as pesquisas apontam que as pessoas felizes são mais produtivas e mais satisfeitas em seus trabalhos. 

Nenhuma dessas informações sugere que deveríamos tentar ser felizes em tempo integral. É irreal pensar que devemos andar por aí em êxtase o tempo todo. Líderes também não devem esperar isso de seus funcionários. 

No entanto, lembrar das palavras do mestre zen Thich Nhat Hanh ajuda: “Não há um caminho para a felicidade – a felicidade é o caminho.” Décadas de estudos científicos confirmam isso, revelando que a felicidade precede o sucesso. Minha jornada profissional espelha essas buscas: lidei com um impedimento que poderia ter acabado com minha carreira, mas ao invés disso, serviu para fortalecer minha resiliência e fazer de mim um líder melhor. Para mim, praticar a felicidade como propósito é libertador no sentido de que eu posso estar consciente – mas menos preocupado – com o que pode me deter. E, ao invés disso, posso focar no que me fortalece e me traz alegria. 

Você não precisa ser daltônico para enxergar que essas lições se aplicam a qualquer situação neste momento. 

OTIMIZAR A RESILIÊNCIA 

Por muitos anos eu lutei contra aquilo que depois aprendi a chamar de síndrome do impostor. Começou quando eu era garoto. Eu estava demarcando árvores no mato com meu pai e eu não conseguia distinguir entre os laços de fita vermelhos e laranjas nas árvores. Isso se perpetuou na escola de artes, quando eu escolhia tubos de tinta pelo rótulo, e depois, profissionalmente, ao trabalhar com clientes eu usava livros de amostras e softwares de computador para combinar cores. 

Ao longo dessa trajetória, eu aceitei a ideia de que eu talvez não tivesse sucesso em algo, e pudesse até mesmo falhar. Mas não de uma forma desesperançosa ou infeliz. Através dos anos, inúmeras pequenas derrotas ou quase-derrotas me ajudaram a ver isso e saber que eu sobreviveria. Que eu seria capaz de criar, competir e seguir tentando. Que eu aprenderia e, com sorte, me aperfeiçoaria pelo caminho. 

Esse exercício de resiliência – um componente crucial da felicidade – permitiu que eu me sentisse menos pressionado em vencer, e talvez menos tenha me feito sentir necessidade de me comparar com outros. A síndrome do impostor, o medo de falhar, e a pressão econômica e social de performar são parte da natureza humana. Mas otimizar em nome do bem-estar e felicidade das pessoas que integram sua equipe vai permitir que eles superem isso. 

Por exemplo, numa cultura de reuniões consecutivas, a importância de pausas não pode ser subestimada. Até mesmo em meio a demandas por alta produtividade, bons líderes sabem abrir espaço para que suas equipes se desliguem quando necessário. 

OTIMIZAR O FORTALECIMENTO 

A cor é raramente listada como um dos grandes princípios do design. Há preocupações mais urgentes, como hierarquia, escala, equilíbrio e enquadramento. Felizmente, eu sempre tive jeito para essas coisas. 

Mas como artista daltônico, aprendi cedo a confiar nas pessoas. Confiar no talento, na habilidade e na perspectiva. Os designers que contratei e com quem colaborei foram outro fator crucial do meu sucesso. Apesar de eu nunca ter contratado um designer só por sua habilidade de ver e especificar cores, eu buscava por qualidades que me apoiavam onde eu e outros tínhamos fraquezas. Tenho o prazer de admitir que nada do que eu consegui foi feito sozinho. Eu sempre tive a colaboração de outros. 

A ciência do bem-estar nos diz que quanto mais felizes as pessoas são, mais aptas elas estão a colaborar e trabalhar com os outros. E o inverso também é verdadeiro – trabalho em equipe e colaboração levam a mais felicidade. 

É totalmente possível que você tenha ideias sozinho. Mas a velocidade com que ideias são geradas e sinapses disparadas quando uma dupla trabalha junto é otimizado.  Há também um entusiasmo estimulante que vem do sucesso comunal. E se falhamos, podemos nos apoiar uns nos outros. Ou, no meu caso, se minha habilidade em ver cores falhar, posso tocar a bola para outro jogador.  

Uma das habilidades mais valorizadas em líderes é a consciência de reconhecer suas fraquezas. Levar em conta as qualidades e fraquezas de uma equipe de forma organizada, pode preparar todos para fazer seu melhor. 

Há muitas ferramentas – como o buscador de qualidades Clifton, da Gallup – para descobrir isso. Mas também é perfeitamente normal começar uma conversa para descobrir onde as qualidades de uma pessoa podem complementar as fraquezas de outra, e dar propriedade ou agenciamento a cada uma das partes sobre essas qualidades. 

OTIMIZAR A DIVERSÃO

Um dos meus professores de artes preferidos ocasionalmente rasgava ou cortava um pedaço do nosso trabalho e o colava em outro lugar. Era uma forma destrutiva de crítica (e, convenhamos, vista como um pouco agressiva e desgastante para outros alunos) que rapidamente me ajudou a ver que há mais de uma forma de olhar para uma obra de arte. Isso me encorajou a experimentar mais. A brincar com a obra em si – desmontar e remontar em diferentes configurações. 

Esse tipo de experimentação pode muitas vezes levar à inovação. Brendan Boyle, fundador do Play Lab da IDEO, se tornou conhecido por sua filosofia de “Flertar com o ridículo”. Às vezes, só de colocar um pouco de massinha de modelar na mesa e encorajar sua equipe a fazer a primeira coisa que passasse pela cabeça enquanto jogavam conversa fora podia ser muito gratificante – e feliz.

Na minha prática como líder, sempre insisti em levar as equipes para longe de suas mesas de trabalho. Já fizemos todo tipo de aula prática, como por exemplo, ir a um ateliê de artista para fazer colagens juntos. 

Na era das videochamadas no Zoom e do trabalho híbrido, ainda é muito importante – e um tanto quanto possível – criar espaço para a brincadeira. 

Claro que é preciso de um pouco de planejamento e estrutura. Não basta fazer uma videochamada de 30 minutos e ver o que resulta disso. No meu cargo prévio, em uma grande instituição financeira, eu era parte de um time distribuído pelo mundo e responsável por criar o conceito de uma experiência nova e melhorada para o consumidor. Rapidamente, descobrimos uma forma de trabalhar por videochamada que era igualitária, inclusiva e envolvia uma boa dose de diversão. 

  • Nos alternávamos a liderança da reunião, o que acabou sendo tão leve e divertido quanto democrático. 
  • Em termos de estrutura, organizamos a reunião com o início e o fim de uma história (nesse caso, um participante começa com um obstáculo a ser superando e termina com um objetivo a ser alcançado). 
  • Cada participante teve 15 minutos para esboçar o que aconteceu entre o início e o final da história. Com palavras, imagens etc. 
  • Cada um de nós trabalhou em silêncio por um tempo pré-definido, mas com nossas câmeras ligadas para que pudéssemos fazer perguntas e compartilhar inspirações durante esse processo. 
  • Então, cada um de nós se revezou compartilhando sua solução – cada um de nós tinha cinco minutos para guiar o grupo por sua história ou roteiro. 
  • O storytelling permitiu um espaço para que outros interagissem, fizessem perguntas e contribuíssem com a história de outras formas. 
  • Assim como aprendi com meu professor de artes anos atrás, montamos juntos uma história completa de todas as nossas perspectivas reunidas. Mais diversa em detalhes e mais colorida do que qualquer coisa que pudéssemos ter concebido sozinhos. 

Esse tipo de experiência lúdica com um objetivo não é limitado pela habilidade técnica de uma pessoa ver ou não cores. O brincar é exploração e descoberta. É ser capaz de experimentar com diferentes tipos de ferramentas de trabalho que abrem espaço para o falhar. Assim como disse Martin Buber, “A brincadeira é a exaltação do possível”. E leva a uma visão coletiva. Algo que pertence a todos os jogadores. 

Eu superei o daltonismo aprendendo a experimentar, inovar e não tendo medo de falhar. Essas lições se tornaram essenciais para o cultivo da felicidade como propósito. Isto, por sua vez, me ajudou a superar uma deficiência como o daltonismo e a síndrome do impostor que nasceu dela. Eu agora uso isso a favor da liderança e da colaboração. Sendo assim, não espere para cultivar a felicidade em você. E encoraje seus colegas a fazer o mesmo. Graças a essa atitude, sua carreira, seus colegas e o mundo podem ser melhores.


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