Humor é uma habilidade essencial para líderes

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 8 minutos de leitura

Antigamente, um líder inspirador era aquele que demonstrava uma combinação de inteligência, bravura, carisma, superioridade moral e determinação. Ernest Shackleton sobreviveu acampando sobre placas de gelo, até conseguir resgatar sua tripulação presa no mar da Antártida. Harriet Tubman conduziu corajosamente cerca de 300 escravos à liberdade ao longo de uma década. Marco Polo viajou pelas montanhas da Ásia e inspirou gerações de crianças a se aventurarem pelas piscinas afora.Mas os dias dos líderes míticos e infalíveis estão ficando para trás.Depois de décadas de eventos chocantes, como o escândalo financeiro da Enron em 2001, o desastre nuclear de Fukushima em 2011 e a invasão do Capitólio dos EUA em 2021, por insistência do presidente em exercício, nossa confiança coletiva nos líderes ficou severamente abalada.Essa degradação da confiança nas figuras de liderança se infiltrou na mente dos trabalhadores: uma pesquisa de 2019 da Harvard Business Review descobriu que 58% dos funcionários confiam mais em um completo estranho do que no seu próprio chefe.Como você deve imaginar, esses números estão só piorando.Além disso, 45% dos funcionários mencionaram a falta de confiança na liderança como o principal problema que afeta seu desempenho no trabalho.E os líderes parecem concordar com isso: 55% dos CEOs acreditam que essa crise de confiança é uma ameaça ao crescimento da sua empresa. E eles não estão errados em se preocupar. A falta de confiança afeta a motivação e a produtividade dos funcionários. Isso, por sua vez, afeta a probabilidade de eles abandonarem o barco e irem para outra empresa. Afeta também quanto tempo os gerentes gastam tentando desesperadamente apagar incêndios que poderiam ter sido evitados caso seu pessoal se sentisse à vontade para discutir questões delicadas (em vez de eles preferirem desabafar com um estranho qualquer que acabaram de conhecer no ônibus.)Os líderes empresariais de hoje estão vinculados, no imaginário público, às figuras eleitas como as menos confiáveis ​​aos olhos dos jovens de 18 a 29 anos: de acordo com uma pesquisa do Pew Research Center de 2018, apenas 34% desses jovens adultos confiam em líderes corporativos e em políticos. Isso é menos do que a porcentagem de americanos que possuem cães, o que significa que, na lista de quem desperta mais confiabilidade, humanos poderosos estão perdendo para lobos domesticados.Sim, a coisa está feia para quem ocupa cargos de gerência e chefia. Mas há boas notícias: enquanto a confiança nas figuras de liderança está em queda, as organizações que de alguma forma conseguem manter um ambiente de alta confiança estão prosperando.Muitas pesquisas têm relacionado empresas de alta confiança à inovação e ao desempenho. O Relatório HOW 2016, um estudo de eficácia organizacional bastante abrangente, concluiu que os funcionários que trabalham em ambientes de alta confiança têm 32 vezes mais chances de assumir riscos que podem beneficiar a empresa. Eles também são 11 vezes mais propensos a inovar em relação à concorrência e 6 vezes mais propensos a superar outros em seu setor.Mas como os líderes de hoje podem inspirar confiança em seus funcionários? Uma pesquisa de 2019 perguntou aos funcionários quais características inspiravam confiança em um líder, e as principais respostas foram coisas como: “conhecer os obstáculos que o líder superou para ser bem-sucedido” e “falar como pessoas comuns”. Eles devem ser figuras exemplares, mas não sem nenhum defeito.E existe melhor maneira de parecer autêntico, amigável e acessível do que através do senso de humor?É sério. O humor traz enormes benefícios para o bem-estar mental, para a saúde física e até mesmo para a produtividade no trabalho.Um estudo do pesquisador Wayne Decker descobriu que os chefes que são considerados como donos de algum senso de humor são classificados pelos subordinados como 23% mais respeitados e 25% mais agradáveis ​​de se trabalhar. Em contraste, um estudo da Gallup de 2018 descobriu que quase 50% dos americanos deixaram algum emprego por não gostarem de seu chefe. A rotatividade de funcionários aumentou 88% na última década, o que custou bilhões às empresas. O impacto do humor na retenção de funcionários é uma solução oportuna para uma crise silenciosa que afeta líderes e empresas em todo o mundo.Uma cultura de leveza permite que as equipes atinjam o mais alto nível –  e essa crença é repetida por líderes de todos os setores e disciplinas, da fundadora da Spanx, Sara Blakely, a Stephen Curry, do Golden State Warriors da NBA, à ex-secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, que fez uso do humor em negociações com seus pares no governo russo, após uma primeira reunião particularmente tensa. Esses líderes repetem uma máxima consistente: equipes que riem juntas – seja em reuniões antes do lançamento de grandes produtos, seja no vestiário antes das finais da NBA, seja em reuniões de diplomacia internacional – apresentam melhor desempenho.E há pesquisas que comprovam isso. Em um estudo com mais de 50 equipes, os pesquisadores gravaram reuniões de uma hora de duração e analisaram as avaliações dos supervisores sobre o desempenho da equipe. As equipes que atuaram com senso de humor demonstraram melhor comunicação e resolução de problemas, e tiveram melhor desempenho em equipe, tanto durante a reunião em si quanto ao longo do tempo. O humor permite que as pessoas relaxem, acessem o pensamento abstrato e se sintam seguras compartilhando ideias ousadas e criativas.Nos últimos dois anos, nos encontramos no meio de uma crise de saúde mental, com taxas de depressão disparando para níveis sem paralelo, à medida que uma pandemia global e o isolamento social se acumulam em condições de trabalho e ciclos sazonais já estressantes. Quase 100.000 empresas dos EUA fecharam permanentemente desde fevereiro de 2020. Aqueles que permanecem empregados estão exaustos. De acordo com uma pesquisa recente da Harvard Business Review feita por Ron Carucci, 41% dos trabalhadores se sentem esgotados devido a fatores como trabalhar remotamente, trabalhar mais horas, fazer malabarismos para atender às demandas familiares, insegurança a respeito da continuidade no emprego e medo de ambientes de trabalho inseguros. Essa situação não tem nada de engraçada.Mas a questão é que a maioria das empresas sequer enxerga o humor como um ativo: “investir no senso de humor na minha empresa? Nessa economia?”.A reorientação para a cultura do humor é um empreendimento fundamentalmente lucrativo e que os líderes de hoje não podem deixar escapar. Um estudo descobriu que terminar um discurso de vendas com um tom mais alegre – como “minha oferta final é X, e eu não faria melhor que isso nem para a minha mãe!” – aumenta a disposição dos clientes a pagar até 18% mais. Outro conjunto de estudos descobriu que os funcionários que classificam seus chefes como tendo senso de humor – qualquer senso de humor – estão 15% mais satisfeitos com seus trabalhos e classificam seus chefes como 27% mais motivadores. Um conjunto de estudos conduzidos por Brad Bitterly, Allison Wood Brooks e Maurice Schweitzer demonstra que quando as pessoas usam o humor no trabalho, elas recebem um status 37% mais alto e são vistas como mais competentes e mais confiantes.Felizmente, a taxa de humor nos negócios é tão baixa quanto as suas vantagens são altas. A simples capacidade de abrir sorrisos nos ouvintes é suficiente para causar um grande impacto. Equipes que riem juntas antes de tentar resolver um desafio de criatividade têm duas vezes mais chances de sucesso do que aquelas que não riem juntas.Podemos atribuir isso ao “coquetel” que essas equipes estão servindo aos seus cérebros. Quando as pessoas riem, uma resposta neuroquímica é ativada: seus cérebros são inundados por dopamina (que aumenta a felicidade), endorfina (que aumenta a resiliência) e oxitocina (o mesmo “hormônio da confiança” liberado durante o sexo e o parto). Esses hormônios nos fazem sentir mais calmos, mais confiantes e mais engenhosos – o que diminui o estresse e desbloqueia o pensamento criativo.A verdade é que quanto mais mediada pela tecnologia nossa comunicação se torna, mais difícil é trazer nossa humanidade e senso de humor para o trabalho. Subconscientemente, nos adaptamos à mídia que usamos e, quando estamos constantemente nos comunicando por meio da tecnologia, é fácil parecer um robô.Mas, ao mesmo tempo, estamos assistindo a maneiras criativas de tecer o humor nesse novo mundo tão estranho. Connor Diemand-Yauman é co-CEO da Merit America. Sua primeira chamada de Zoom com sua empresa foi agendada em meio a um momento desafiador para o mundo e num momento particularmente polarizado nos EUA. Diemand-Yauman queria acenar para as dificuldades do momento, mas sinalizando ao mesmo tempo cuidado e segurança. Para transmitir essa mensagem, ele fingiu que não percebeu que seu compartilhamento de tela estava ativado e, enquanto todos os funcionários estavam tensos, ele pesquisou no Google: “coisas que CEOs inspiradores dizem em tempos difíceis”. Ninguém conseguiu segurar o riso.Ou seja: você provavelmente não vai entrar para a história como Ernest Shackleton, Harriet Tubman ou Marco Polo, mas certamente você pode usar um pouco de humor e de humanidade para inspirar os outros. Afinal, como o presidente Dwight Eisenhower disse: “O senso de humor faz parte da arte da liderança, de se dar bem com as pessoas, de fazer as coisas”.Se Dwight David Eisenhower, o segundo presidente mais engraçado espontaneamente depois de Franklin Pierce, achava que o humor era necessário para vencer guerras, construir estradas e alertar contra o complexo militar-industrial, então você também deveria desejar aprender a usá-lo.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais