O caso Simone Biles e o longo caminho para lidar com a saúde mental

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Nestas Olimpíadas, poucos atletas geravam tanta expectativa do público quanto Simone Biles. A ginasta de 24 anos deveria repetir ou até superar sua performance nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, quando ganhou cinco medalhas de ouro e uma de bronze.

“Assim como é esperado que atletas como Biles correspondam à ética do esporte, trabalhadores também enfrentam expectativas similares”

Nas qualificações, Biles ganhou destaque, mas nas finais, lutou para encontrar o movimento ideal durante as piruetas. Depois de conversas com sua equipe técnica, decidiu abandonar a competição para evitar lesões e outros erros. Ela sofreu com um problema chamado “twisties”, que afeta o controle motor do atleta. Mesmo assim, a ginasta decidiu retornar aos Jogos de Tóquio para competir na final da trave – e conquistou uma medalha de bronze.

Mesmo assim, a desistência temporária de Biles reacendeu debates sobre saúde mental. Nas redes sociais, de um lado, houve empatia e apoio, mas parte do público criticou a norte-americana por deixar seus colegas de time na mão e recuar diante da pressão.

Esses comentários estão ligados à mentalidade do “sports ethics”, cunhada pelos sociólogos Robert Hughes e Jay Coakley, que diz que atletas de alta performance devem dedicas suas vidas ao esporte e entregar resultados apesar da dor, de lesões e de qualquer outro obstáculo que encontrarem pelo caminho. Sou ex-ginasta da NCCA e posso dizer que usei minhas lesões como motivo de honra. Senti na pele como um erro na trave pode ter sérias consequências rompendo os quatro ligamentos do meu joelho. Mas Biles violou essa ética ao desistir sem apresentar uma lesão visível e debilitante.

Assim como é esperado que atletas como Biles correspondam à ética do esporte, trabalhadores também enfrentam expectativas similares. Existe ainda a crença de que os melhores colaboradores são aqueles se dedicam totalmente às empresas nas quais trabalham que fazem o que for preciso para executar o trabalho. E as duas mentalidades são problemáticas.

“Por mais que seja considerada uma das melhores ginastas de todos os tempos, Biles ainda é criticada por priorizar sua saúde mental e seu bem-estar”

Imagine que você tenha um grande profissional na sua empresa – um engenheiro que resolve problemas complexos antes do prazo, uma pessoa de vendas que fecha grandes acordos a cada semestre, uma pessoa cujo conteúdo sempre viraliza. As inovações desses profissionais mudaram a indústria e o sucesso deles carregou a companhia por anos. Um dia, em meio a um projeto importante, eles dizem a você que precisam se afastar um pouco para cuidarem da saúde mental.

Como você responderia? Você apoiaria a decisão deles, apesar dos impactos que isso teria no projeto? Ou você os repreenderia por estarem sendo egoístas e abandonando o time?

Muitos gestores e empresas falaram muito bem sobre como querem cuidar da saúde mental de seus colaboradores. Bom, é aí que a fala conta. Quando é inconveniente. Quando toda a terapia subsidiada, todos os apps de meditação e todos os reembolsos com bem-estar do mundo não importam se não conseguimos respeitar a decisão individual de cuidar da saúde mental em um momento inconveniente para o negócio.

Ninguém está negando que trabalho duro e dedicação são essenciais para atingir ótimos resultados. Mas assim como trabalhar por muitas horas acaba virando algo contraproducente, ignorar as necessidades de saúde mental dos colaboradores faz mal para o negócio. Anualmente, empregadores pagam pelo menos US$ 125 bilhões em tratamentos para burnout e 120 mil pessoas morrem, a cada ano, por não cuidarem da saúde. Investir em saúde, física ou mental, é sobre priorizar os resultados de longo prazo das pessoas em vez de ganhos insustentáveis de curto prazo.

Biles claramente tem um espírito competitivo: ela vem ganhando campeonatos nacionais e internacionais desde 2013. O fato de ela ter se empoderado para cuidar da própria saúde e a de seus colegas – inspirada por outra atleta negra (e japonesa), Naomi Osaka – é lindo. Essas celebridades não estão mais sendo controladas por seus treinadores ou submetidas somente ao julgamento de seus esportes, da mídia e do público.

Biles está aí, se destacando. Ao longo de uma pandemia. Em Olimpíadas atrasadas e sem fãs. Sobrevivendo a um assédio sexual e ao fato de ser uma mulher negra nos EUA. E, por mais que seja considerada uma das melhores ginastas de todos os tempos, ainda é criticada por priorizar sua saúde mental e seu bem-estar. Ainda que tenhamos progredido nos últimos anos, está claro que ainda temos um longo caminho para tornar a saúde mental uma prioridade para atletas e profissionais de qualquer segmento.


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