Os estragos provocados por lideranças narcisistas

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Quais são os traços que procuramos em nossos líderes? Pergunte a alguém o que distingue um líder assertivo, nos negócios ou na política, e ele provavelmente irá mencionar autoconfiança e carisma. Dizemos que grandes líderes são audaciosos e determinados. Eles possuem a visão para criar algo novo ou reconstruir uma empresa ou um país. Desafiam a sabedoria tradicional e não se permitem desacelerar pelas dúvidas ou críticas.

Estes são os indivíduos que os boards corporativos tendem a escolher como CEOs, especialmente em tempos agitados, quando o status quo falha. Eles são adeptos da autopromoção e brilham nas entrevistas de emprego. Então, uma vez que eles chegam ao poder, descobrimos quem eles realmente são. 

Às vezes eles são bons como eles prometem. Mas muitos acabam se mostrando não apenas confiantes, mas arrogantes e privilegiados. Ao invés de audaciosos, são meramente impulsivos. Falta empatia e eles exploram os outros sem remorso. Ignoram os conselhos dos especialistas e tratam os que têm opiniões diferentes com desprezo e hostilidade. Acima de tudo, exigem lealdade à sua própria pessoa. Resumidamente, são narcisistas.

Charles A. O’Reilly, Professor de Gestão na Stanford Graduate School of Business, estuda como a personalidade dos líderes molda as organizações e o comportamento daqueles que nelas trabalham. Em um artigo com Jennifer Chatman da Universidade da Califórnia, ele avalia a literatura sobre líderes narcisistas, passando por mais de 150 estudos, e tira algumas conclusões sombrias e imperativas. 

“Existem líderes que podem ser babacas autoritários, mas não são na verdade narcisistas,” diz O’Reilly. “A distinção é o que os motiva. Eles são motivados a atingir um objetivo maior? Eles realmente querem tornar a empresa ou o país melhor, ou alcançar uma meta maluca como popularizar os carros elétricos e quem sabe colonizar Marte no percurso? Ou é, na verdade, apenas uma questão de autopromoção?”

Quando sua admiração própria tem alguma base na realidade, os líderes narcisistas podem conseguir grandes feitos; com certeza, esse foi o caso de Steve Jobbs na Apple. Mas ao longo da última década, os pesquisadores estão cada vez mais preocupados com os efeitos destrutivos dos narcisistas nas empresas. Vários exemplos disso podem ser encontrados, da Enron a Uber ou a Theranos.

Os verdadeiros narcisistas, O’Reilly destaca, servem à si mesmos e não tem integridade. “Eles acreditam que são superiores e por isso não estão sujeitos às mesmas regras e normas. Estudos mostram que eles têm uma maior probabilidade de agir de forma desonesta para atingir seus fins. Eles sabem que estão mentindo e isto não os incomoda. Eles não sentem vergonha”. Frequentemente são irresponsáveis na busca pela glória — às vezes com sucesso, mas quase sempre com consequências drásticas.

Pior ainda, os narcisistas mudam a empresas ou países que eles lideram, da mesma forma que o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom e estas mudanças podem sobreviver ao período de gestão deles. As vozes que divergem são silenciadas, a bajulação e a subserviência são recompensadas e o cinismo e a apatia corroem todo senso de propósito em uma cultura de cada um por si. Em casos extremos, eles podem destruir a própria instituição.

POR QUE DAMOS PODER A ELES?

Qualquer um que foi intimidado quando era criança conhece o slogan consolador de que os valentões na verdade não acham que são melhores que nós — eles só estão compensando sua baixa autoestima. Eles se mostram como sendo confiantes e assertivos para esconder alguma dor interior e nós nos consolamos com seu sofrimento secreto, talvez fingindo sentir pena de seus problemas.

Infelizmente, esta avaliação generosa nem sempre é verdadeira. 

“Este é o caso clássico de narcisismo vulnerável conhecido pela psiquiatria,” diz O’Reilly. “Mas na última década, houve uma enxurrada de pesquisas sobre o que chamamos narcisismo grandioso. Estes indivíduos tem uma grande autoestima. Eles são muito mais ativos, mais extrovertidos e realmente mais perigosos, e as evidências mostram que eles conseguem alcançar altos cargos nas organizações, ser promovidos e ganhar mais dinheiro que as pessoas comuns.”

Tais indivíduos buscam posições de poder onde eles podem ser admirados e podem demonstrar sua superioridade. E eles tendem a alcançar estas posições porque eles parecem líderes em potencial. “Deve haver 20 ou 30 estudos que demonstram isso,” afirma O’Reilly. “Se você junta um grupo de estranhos e lhes dá uma tarefa, aqueles que são narcisistas tem maior probabilidade de serem escolhidos como líderes.”

O’Reilly acredita que temos uma tendência maior a escolher líderes narcisistas em tempos de crise. “Nas últimas décadas, grandes empresas, como montadoras de automóveis e bancos, foram ameaçadas pela tecnologia. Então, pode-se imaginar que em tempos de nervosismo as pessoas estão procurando um herói, uma pessoa confiante que diz, “Eu tenho a solução.” Talvez eles sejam os únicos confiantes nessas épocas. 

“Por sinal,” completa ele, “eu ainda não pesquisei isso, mas eu acho que os investidores em capital de risco adoram este tipo de pessoa. Para o modelo de negócios deles, que é investir em 10 empresas esperando que uma delas dê um grande lucro, isso faz sentido. Se eu sou esse tipo de investidor e vejo uma startup dirigida por um engenheiro tímido e outra liderada por alguém que diz, ‘Eu vou mudar o mundo e se você não percebe isso, você é um palhaço’ — eu vou investir no discurso visionário.” De certa forma, é um modelo de investimento baseado na grandiosidade. 

AVALIANDO O ESTRAGO

Uma vez que os narcisistas são motivados fundamentalmente por seus interesses próprios, não têm empatia e são menos restritos por valores éticos, eles podem causar danos enormes quando assumem o poder e realmente podem colocar em risco as organizações dirigidas por eles, diz O’Reilly.

Estudos de campo mostraram que CEOs narcisistas tem mais chance de participar de fraudes ou outros tipos de crime do colarinho branco, manipular resultados e sonegar impostos. E um estudo de 2013 sobre os presidentes dos Estados Unidos descobriu que aqueles que tiveram uma marca maior na escala do narcisismo tinham uma maior probabilidade de abusar de sua autoridade (sem contar, em um nível pessoal, de seus votos matrimoniais.)

Junto com Bernadette Doerr da UC Berkeley, O’Reilly publicou recentemente seus resultados de três experimentos que mostram que, em geral, pessoas narcisistas tem níveis de integridade menores — o que significa que o que eles dizem não condiz com o que eles fazem — e que eles tem uma maior probabilidade de mentir, enganar e roubar para provar o status especial que eles possuem.

Ascender a uma posição de poder só reforça estas tendências, diz O’Reilly. “Ser eleito ou indicado para um cargo valida o senso de direito deles. Ao mesmo tempo, mesmo sem o narcisismo, o poder reduz as inibições — ele encoraja as pessoas a sucumbir aos seus piores instintos — e aí você tem as duas coisas trabalhando juntas.” 

E quando os narcisistas atingem algum sucesso, isso reforça sua crença de que eles sabem mais do que os outros, o que faz com que eles se sintam justificados por ignorar os conselhos dos especialistas e por seguir seus instintos. “O sucesso vai lascando o senso de realidade deles,” escreve O’Reilly em sua avaliação.

Não é surpreendente que estudos também mostram que a crença dos narcisistas em sua superioridade é baseada em evidências fracas, que não são validadas nem por medidas objetivas de inteligência ou competência nem por avaliações de desempenho de seus pares ou subordinados. Um artigo recente sobre a tomada de decisões corporativas mostrou que a grandiosidade dos líderes estava associada com uma maior aceitação de riscos, mas não com melhores resultados financeiros. 

O resultado disso é que os narcisistas frequentemente acham que não recebem a admiração e o crédito que eles merecem, e podem parecer consumidos por um rancor patológico. Isso pode se mostrar na forma de petulância, discursos desequilibrados, agressões e abuso para com os subordinados. CEOs narcisistas frequentemente envolvem suas empresas em litígios onerosos. Na visão de mundo dos narcisistas, outros seres humanos devem ser ou ingênuos ou inimigos.

Mas o maior perigo que estes líderes apresentam é que sua influência maligna guia o comportamento e as expectativas de outros — e, em última instância, molda a cultura ou a política da organização à sua imagem. Estudos de empresas mostram que comportamentos egoístas e antiéticos no topo se espalham pela organização e se tornam legítimos, ou ao menos normais. 

“Uma vez no poder, os narcisistas consolidam sua posição demitindo todos aqueles que os desafiam,” diz O’Reilly. No lugar destes, surge uma corja de bajuladores, oportunistas e facilitadores igualmente guiados pelo interesse próprio e com poucos escrúpulos. “Aí você acaba com essa cultura individualista, sem trabalho em equipe e com pouca integridade. Nós documentamos isto em várias empresas de tecnologia do Vale do Silício.”

Quando você entra para uma nova empresa, você descobre como você precisa se portar para se adaptar, ele conta. “Se você vê que o caminho para cima depende de fazer esquemas, bajular e sonegar informações, você tem uma escolha: você pode fazer o mesmo ou não, e neste caso você será excluído ou provavelmente eliminado.”

Ele aponta para as dificuldades da CEO do Uber Dara Khosrowshahi para mudar a empresa depois que o antigo CEO e fundador, Travis Kalanick, foi removido. “Quando você cria este tipo de cultura, é muito difícil mudá-la. Existem consequências de longo prazo.”

SIGA O RASTRO

O’Reilly espera que juntando as lições do que agora é um grande corpo de pesquisas sobre liderança narcisista possamos aprender a distinguir melhor os líderes realmente transformadores dos egocêntricos que exploram nossas esperanças e medos para conseguir poder.

Se você está avaliando candidatos para cargos importantes, você realmente precisa ir além da auto apresentação, diz ele. “Muito frequentemente o board escolhe o CEO, especialmente CEOs de fora, através de entrevistas. Mas entrevistas são o ponto forte de um narcisista. E você não pode só olhar para o desempenho, porque eles podem falsificar o desempenho, tomando o crédito pelo trabalho dos outros ou até fraudando resultados. 

“O que seria muito mais esclarecedor seria conversar com as pessoas que trabalharam para ele ou com ele no passado. Você precisa de informações de pessoas que viram essa pessoa operando. Mas isso normalmente não é o que acontece.”

Depende das equipes de recrutamento e daqueles que votam na escolha dos líderes fazer as devidas checagens, O’Reilly afirma. “Nós não estamos desamparados. A informação está lá fora.”

E como mostram as pesquisas, as apostas são altas — porque, como diz o pesquisador, “Estas pessoas não vão mudar.” 


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