Passo a passo rumo à longevidade

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 6 minutos de leitura

Talvez eu esteja impactado pela ida recente ao cardiologista para o meu habitual checkup, mas aproveito para falar de longevidade no meu texto de estreia na Fast Company Brasil. Resistir ao falecimento precoce (antes dos 70 anos) se tornou uma meta pessoal que estou levando a sério, dado meu altíssimo risco de doença cardiovascular pela histórico da família. 

Estou perto dos 40 e me caiu a ficha que “vou fazer tudo que estiver ao meu alcance” para evitar esse destino trágico. Sim, eu fui um dos privilegiados que se beneficiaram pela mudança de estilo de vida e tomada de consciência ao longo da pandemia. Alguma coisa teve de bom, pelo menos no nível pessoal.

Para conhecimento, as doenças crônicas não transmissíveis tiram a vida de 7 a cada 10 pessoas em nosso país. Os maiores exemplos são as doenças metabólicas, relacionadas ao nível de “açúcar” no sangue, além da obesidade, doenças respiratórias e câncer. No Brasil, a probabilidade de morte prematura por alguém que tem doença crônica é pouco mais de 25%. Estamos em queda, esse número já foi de 30% há menos de 10 anos atrás e o cenário otimista tem previsão de queda para 20% até 2025. Ainda assim, estamos bastante acima dos meros 13% nos países desenvolvidos.

O recado é simples: dá pra evitar. Parece besteira, mas um achado recente mostra que contar os passos são a forma mais essencial do que seria uma espécie de “contador da longevidade”, para qualquer causa de morte. É isso, realizar atividade física frequente o torna mais resiliente. Não é apenas sobre “perder barriga”, mas sobre viver mais e melhor. 

No fundo a gente sempre soube disso, mas a dúvida é, ok, mas quanto de atividade é saudável? Pelo estudo recente publicado no JAMA temos um número cravado: pelo menos 7 mil passos todo santo dia reduz de 50% até 70% o risco de mortalidade prematura. Chegaram a essa conclusão acompanhando 2.110 indivíduos de meia idade por quase 11 anos. E o grupo que andou mais, morreu menos, simples assim. Não houve diferença entre homens e mulheres, não houve diferença entre etnias ou mesmo em relação à intensidade da caminhada. Se o objetivo for ganhar alguns anos no hodômetro da vida, está relativamente fácil de resolver, é só se mexer um pouco todos os dias

Seu maior aliado nessa tarefa diária é o smartwatch. Eu sou um usuário recente desse tipo de tecnologia, mas descobri que ter acesso a estes dados traz um auto-conhecimento muito interessante. Você percebe claramente a diferença de um dia que fica paradão no escritório, de um dia em que busca intencionalmente realizar mais atividades a pé. Ir na padaria a pé ao invés de carro te ajuda a ganhar uns pontos extras e faz diferença, mas claro que tudo muda com a rotina regular de uma caminhada focada ou a realização de exercícios físicos, esportes, etc.

Ter conhecimento das próprias medidas é o primeiro nível de consciência que precisamos ter rumo à mudança de vida e evolução da saúde. Sabendo o peso e altura a gente calcula o índice de massa corporal, o famoso “IMC”, que ajuda a determinar uma série de riscos de saúde, sobretudo relacionados ao metabolismo e saúde cardiovascular, como diabetes, hipertensão e aterosclerose, o “entupimento” de artérias que pode levar ao infarto ou AVC. Saber o IMC é elementar e só exige uma matemática simples, mas muito esclarecedora.

Daí passamos à camada do “exame de sangue”. Conhecer nossos marcadores principais de inflamação, glicose, lipídios, nos traz um grau de auto-conhecimento ainda maior. O problema é que eles trazem uma informação simples demais, num único ponto, como se fosse uma fotografia. Mas e se tivéssemos dispositivos como esses nos gerando dados continuamente? Esse é o grande valor dos dispositivos vestíveis, para os quais começam a surgir dados muito relevantes que ajudam a orientar o seu uso em tomada de decisão de saúde.

Estudos longitudinais como esse que mencionei acima são a camada de informação que nos falta, cobrindo de dados a tecnologia dos dispositivos ultramodernos que temos à disposição. Sem dados, a tecnologia é inócua, por outro lado, frequentemente precisamos dela para gerar os dados de maneira consistente. É um dilema do tipo “ovo ou a galinha”, e é muito legal ver informações precisas e confiáveis surgindo no horizonte. Estudos como esse tomam tempo e muita disposição para serem realizados. 

A genética é outra área em que uma camada de dados está sendo criada com consistência e vai nos trazer avanços inimagináveis. A epigenética nos explica que o código genético não é uma sentença definitiva e depende do nosso estilo de vida ativar ou silenciar determinados genes que podem nos deixar doentes. Ter consciência da herança genética transformada em índice de saúde nos permite agir preventivamente em uma série de fatores. Olha aí os algoritmos de saúde fazendo a festa.

Em breve, talvez tenhamos acessos aos níveis básicos de bioquímica monitorados continuamente para se somar à frequência cardíaca e pressão arterial que já são medidas com facilidade. A saúde mental já pode ser estimada de acordo com nossos padrões de navegação e comportamento na internet. No mundo moderno, estamos gerando dados do levantar da cama de manhã até a hora de dormir. Ou melhor, inclusive deitado na cama, pois hoje conseguimos realizar a avaliação do sono, que é outro fator determinante para a qualidade de vida. A coisa está ficando cada vez mais interessante… 

A camada que ainda está faltando, e conecta isso tudo é a bioinformática. A capacidade  justamente de avaliar esses dados todos, discernir o que importa do que é somente “ruído” e gerar diretrizes práticas para nos fazer viver melhor. Apesar da nossa visão quase ingênua de que “bom era antigamente no tempo da vovó que vivia na roça”, melhorar a saúde na sociedade moderna inevitavelmente passa por uma aplicação de tecnologias que nos permitem ter auto-consciência e fazer a coisa certa. 

Não é raro a gente se confrontar com situações como essa, em que a tecnologia ainda não exerceu o seu potencial, ou que as pessoas ainda não conseguem extrair o seu melhor. É o que chamo do aspecto social na adoção tecnológica. Às vezes demora para as pessoas entenderem o que fazer, ou como fazer, para obter os melhores benefícios de algo novo. Eu mesmo fui muito reticente com dispositivos vestíveis por muito tempo, porque não via alguma funcionalidade que realmente justificasse mais uma bateria para carregar… 

Com este texto inicio minha colaboração na Fast Company Brasil. A convite, vou tratar de inovação e tecnologia no âmbito de saúde, sempre falando de outras novidades com impacto positivo, como a que você acabou de ler. Às vezes, pretendo dar umas pinceladas sobre canabinóides também, é inevitável, dado meu vasto histórico profissional na área.

Meu propósito de vida é aproximar a ciência das pessoas (e vice-versa) e ao realizar uma carreira no empreendedorismo tecnológico descobri que a comunicação científica também é uma maneira de atingir esse objetivo. Compartilho neste primeiro texto com vocês uma forma simples, efetiva e mensurável que descobri de continuar fazendo isso por mais tempo, e literalmente, caminhar rumo à longevidade. Espero que tenha gostado, e até breve!

 


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais